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Thursday, December 31, 2009

Ensaio sobre a beleza II

Nunca ninguém questionou o fim da história de HC Andersen?
Que dizer do patinho, que após uma infância ostracizada se tornou num ser magnífico e belo?
Que é mais feliz? Que finalmente é feliz? Quer perdoa? Que aprende? Que esquece?
Como continuar a história do patinho feio? Inteligentemente HC deixou-nos a continuação nas mãos. Ou no coração.
Porque enquanto o patinho foi feio ninguém gostava dele. Era um ser incómodo, menosprezável. Como aquelas pessoas andrajosas que só existem para nos fazerem sentir mal.
E o patinho era uma nódoa feia que não combinava.
A fealdade incomoda. Mas é transparente.
Todos já fomos ou ainda somos patinhos feios. Simplesmente existem aqueles que não têm consciência suficiente para o perceberem.
Distinguimo-nos uns dos outros não por sermos cisnes. Mas pela forma como somos cisnes.
E eu diria que aquele patinho feio, o do HC Andersen ( e o meu) continuou patinho. Não ficou mais feliz, nem esqueceu. Nem perdoou. Só aprendeu a ver no lago imagens diferentes para a mesma consciência.

Monday, December 28, 2009

Pensamento do dia

É desses frutos que eu gosto. Vermelhos e carnudos.
É da vida que eu gosto.
Deste confundir de horários. De dias. De pessoas.

As pessoas são muito mais interessantes confusas. Trocadas.
Gosto de um pequeno-almoço ao fim da tarde.
Gosto do Mar no Inverno.
Gosto de não ter casa.

Ou a minha casa ser a minha estrada. É onde eu estou.

Wednesday, December 23, 2009

Paris revisited

A tarde na Notre-Damme foi agradável. Passei todo o tempo a tentar perceber se o Quasimodo me espreitava lá de cima. Definitivamente, eu poderia convencê-lo a descer. Mas como ele não apareceu, comecei a desconfiar que era eu quem deveria subir ao campanário. Afinal as “caras mais feias” de Paris devem estar escondidas.

O Sena estava calmo. Como tudo. Os vidros dos edifícios no entanto explodiam para dentro violentamente.

O pôr-do-sol apareceu no rio. Lembrei-me de Monet, que deixara em Orsay de manhã. Toda aquela impressão nos quadros e eu sem impressão nenhuma. Aquele pôr-do-sol inóspito que alguém ali deixara sobre o rio: Monet nunca pintaria aquilo. Lembrei-me de convidar Monet para o campanário. E abandonei aquelas pontes interminavelmente curtas entre a ilha e o resto da cidade.

A Torre Eiffel conheci de noite. Falou-me de mim, para meu espanto. Falou-me daquele sonho que eu tivera um dia quando a vi da janela do meu quarto. Mas não a dei por muito certa. Afinal, eu não sonho. E ela provavelmente imagina todos os dias um amor longínquo que chegará de longe. E que não sou eu.

Paris visto de cima é ainda maior. As praças, as casas, as ruas. É tudo gigante. E nesse espaço amplo e limpo ecoa a minha solidão.

Gostava de retirar a minha solidão da rua. Em Paris já há demasiados mendigos. Levei-a pela mão até La Defense.
Os turistas ficaram longe a tirar fotografias ao Arco do Triunfo. Eu prefiro aquele Arco. Ali tudo foi reflectido no espaço de vidro. O futuro é assim: honesto.
Não há ali nada que se veja. Tudo o que se vê é o que se sabe. Inúmeras reflexões em espelhos corridos. Mas há música. Jazz.
E uns bancos simples corridos, junto a uma fonte com repuxos altos, como numa igreja ou num teatro. Sentei-me humildemente no primeiro banco.

A música. Uma introspecção num fio de luz claro.
A música claro. Ele tinha a música no cemitério. Eu fora a Pére Lachaise e trouxera a música que ele me dera.

Paris é um excelente sítio para se morrer.

Monday, December 21, 2009

Autobiografia

Vivo a espaços desconexos.
Entre os pequenos "Nadas" e "Tudos" da minha vida não sei o que existe. Talvez a vida normal. Talvez alguma coisa da qual eu não saiba o nome.
Talvez alguma coisa que eu não conheça. Que não é Nada, não é Tudo nem é o contrário de nenhuma das duas.
Nos espaços entre eles não sei se estou viva. Também não sei de morri. Não sofro, é tudo o que sei.
Nos outros sou Eu. A face branca e negra. O cume gélido da montanha e a profundeza do pântano lamacento.
O êxtase e o suicídio.
De mãos dadas. De costas voltadas.
Um sempre puxando o outro. Um sempre afogando o outro.
Um sempre ignorando a existência do outro.
Alice

Sunday, December 20, 2009

Coração de papel

O coração de papel voltou. Frágil e delicado como um origami. Tinha nele toda a imaginação do Mundo.
Mas tu choraste sobre ele.

Thursday, December 17, 2009

Sotão

O tempo passou.
O bolor do sotão que tranquei à chave cresceu. Tornaste-te nesse bolor.
Um dia, a realidade mudou: a chave desapareceu porque nunca existiu.

O sotão sempre foi uma casa impenetrável, sem portas ou janelas.

Friday, December 11, 2009

Sem argumentação

A minha questão não é argumentativa.
Não quero explicar. Ou compreender. Não quero expor. Não quero convencer.
Só quero que me deixes partir. Que te esqueças que alguma vez aqui estive. Que ignores que durante este tempo fui como tu.
(Esta dor que me doi todos os dias por ser como tu. Importa lá que me digam que eu não sou como tu... Os dias passam e estou como tu. Nas mesmas esquinas. Vemos as mesmas nuvens. Olhamos os mesmos relógios. Cresce-me um ódio profundo nas mãos de vidro. Um ódio cego por existires. Um ódio cego por eu existir. Por ambos termos de coexistir e não termos nada em comum e ainda assim sermos iguais. )
Quero que não me olhes, como não olhas os mendigos na rua. Quero que não me oiças como não ouves a música na rádio. Quero que não me toques como não tocas a areia da praia ou as folhas secas do Outono.
Quero que não me consideres. Como não consideras essa parte do Mundo.
É dessa parte do Mundo que quero fazer parte. Porque se não a consideras, é porque ela merece ser vivida.

Thursday, December 10, 2009

Rosa Azul II

Nunca houve outra hipótese. Nunca houve alternativa.

Troquei a morte por ti. Essa sedução negra que me salvou. Que me agarrou. Que me insuflou de vida.
Eu só não queria morrer. Não queria morrer todos os dias.
E aceitei essa troca. Aceitei o teu amor incondicional. A tua mão, sempre (e para sempre) junto ao meu coração. Aceitei a tua lealdade honesta. Cegamente.
Nunca me trairás.
Colaste-te às batidas do meu coração. Ouvê-lo primeiro do que eu. Sentê-lo primeiro do que eu.
Se eu te abandonar, tu vais saber. Será como trair-me. Essa faca, nas costas do meu reflexo.

Nunca houve outra hipótese. Não tenho alternativa.
Morrer é tudo o que me é permitido.

Sunday, November 22, 2009

A Rosa Azul

Os dias passam.
As horas. Os minutos. Os segundos. Contagem decrescente.
A vida é uma audácia perante a morte. A existência é um desafio perante o inevitável.
A consciência é a ampulheta virada. A areia que escorre.

Monday, November 16, 2009

Amo-te

Porque te carrego comigo. Porque a memória me aproxima de ti. Porque nunca te esqueço nos infinitos silêncios em que nunca mais pronunciei o teu nome.
Porque trocava contigo. E porque contigo a carregar esta culpa, de nunca ter trocado contigo. Porque te vejo em toda a gente de quem gosto. Porque te sinto em todos os locais onde fico. Porque estás lá em todas as escolhas que faço.
Porque em algum momento do tempo fomos absolutamente iguais. E tinhamos a vida inteira pela frente.
Porque agora já não estás comigo. E eu nunca mais disse o teu nome.
Porque te guardo como eras. Porque guardo o amor que já não tenho.

Alice
(ao meu primo)

Saturday, November 14, 2009

Tudo o que eu quero

Não há nada que me peça paz.
Tudo o que quero é a guerra de outro dia. O sangue e o suor da sobrevivência na selva. A arte de adormecer sem pensar em nada. O vácuo do cérebro.
A paz chegará um dia com a morte.
Até lá, a morte chega-me todos os dias com a paz.

Friday, November 13, 2009

Back in time II - O Principezinho

Os teus ciúmes são insuportáveis. Não o destruas. É uma ordem que perdeu o controlo e chora um pedido.
Não vieste de um planeta distante?Não querias conhecer a Terra? Não deixaste uma Rosa porque quem és responsável? Lembra-te dessa Rosa.
E lembra-te de mim, que sou a Rosa que ficou. Aquela, uma das muitas que visitaste no jardim com desprezo, quando já tinhas planeado nunca mais cá voltar.
És responsável por mim, sim. E por isso, tens o dever de não o destruir.
Alice

Tuesday, November 03, 2009

Back in time II - Banco de Jardim

Não voltes a fazer esse percurso. Não voltes a olhar o Castelo. A elogiar o Tejo. A ver o Rei morrer no Terreiro do Paço.
Não voltes a acompanhar-me em cada uma dessas viagens que faço todos os dias. A tua companhia não me incomoda. Mas sempre que vens comigo, acabamos sentados naquele banco de jardim. E é sempre Outono e é sempre fim de tarde. E eu levanto-me sempre triste. E o coração pesa-me tanto que me esqueço porque é que gosto tanto de Lisboa.
E não volto a fazer esse percurso.
Alice - Outubro 2009

Wednesday, October 28, 2009

Amor

Oh. Deixa a tua rosa. Larga-a, não olhes para ela. Não a catives. Não a ames.
Vá lá, não a ames. Vais deixar de amar-te.
Vais deixar de ser tu se não partires, se não vires os planetas que te esperam. Se não cativares a raposa, se não ouvires o bêbado. Vais deixar de ser tu se não entenderes toda essa tua viagem. Se não entenderes que afinal a amas.
Vais deixar-te se ficares com ela. Larga-a. Não cedas.
Vais poder pensar nela na tua viagem. Vais poder arrepender-te na tua viagem.
Mas faz a viagem.
Se não, não serás tu a amá-la. Será outro. Porque serás outro.

Alice

Friday, October 23, 2009

Sonha

Sonha com o dia perfeito. O emprego perfeito. A pessoa perfeita que gostavas de ser.
Sonha. Sem limites.
Com o que te faria feliz. Completamente. Estavelmente feliz.
Sonha com o amor perfeito, o momento perfeito, a rosa perfeita.
Sem limites.

Agora que sabes o que queres.
Só te resta lutar.

Thursday, October 22, 2009

Carta Explicativa

Pensei várias vezes em suicidar-me.
Em destacar-me deste Mundo e calar uma dor que doía a toda a hora, em todo o lugar e em todo o corpo.
Pensei várias vezes em hipóteses alternativas. A vida não é mais do que isso, hipóteses constantes e alternativas à morte. E a verdade é que nunca quis morrer (“Eu não queria morrer, só queria que os outros não existissem”).
Só não queria estar dentro desta prisão minúscula. Não respirar a cada golfada de ar consciente. E não, nunca existiam alternativas, porque todas as alternativas me conduziam de uma prisão para outra. Num labirinto infinito.
Muitas vezes acalentei o desejo de não voltar a acordar. Por vezes, os breves instantes em que os meus olhos se abriam eram os únicos de paz. E eu ansiava a paz, nunca desejei tanto alguma coisa como a paz e a tranquilidade de uma morte serena.
Mas eu nunca quis morrer. Sempre acreditei que era possível sair desta prisão, ainda que muitas vezes não acreditasse.
A minha tenacidade suportou essa dor constante, que doía na alma de manhã à noite. E que cobria tudo o que eu via. A minha tenacidade suportou o não-futuro. Suportou a incerteza.
Porque eu nunca quis morrer. Eu só quero é poder viver. E por isso, pensei várias vezes em suicidar-me.
Alice

Tuesday, October 20, 2009

Weird

Era um Verão doce, em tons de rosa pastel. Uma tarde a cair de mansinho num Verão morno.
O tempo passava de forma líquida e estática: nada mudava e eu continuava atrasada. Alguém me marcara um encontro com a vida, mas esquecera-se de dizer a hora e o local. E eu adiava inconscientemente esse rasgar fino do coração. Esse quebrar de sonho e de nostalgia vã de quem crê demais, num nevoeiro instável. Talvez não existisse encontro. Talvez a vida fosse isso, este eterno atraso. Esta permanente ausência de presente. Uma inconstância de momentos desconexos que nunca me fariam sentido.
Sentei-me à janela. Como sempre. E o Verão era doce.
A janela sempre me garantiu esta inconsciência. O vento sempre me trouxe pedaços de ti.
A vida não era isto. Seria demasiado estranho.

Alice

Weird - Hanson

Sunday, October 18, 2009

Pensamento do dia

Podem dividir-se as pessoas da seguinte forma: as pessoas que andam na montanha russa e as que observam a montanha russa.
Mas só as que andam na montanha russa vivem.
Alice

Thursday, October 08, 2009

Kiss me

Esse amor lembra-me um dia de Primavera.
Nuvens brancas passageiras, pintalgadas num azul profundo. O vento fresco a encher as camisolas.
Os braços abertos para o mar infinito.
Lembra-me o amor infinito. Aquele que só se consegue ver até amanhã.



Alice
(David Fonseca - Kiss me, oh kiss me)

Tuesday, October 06, 2009

Back in Time I - Pele

Gostava de tomar banho e limpar da pele esta vergonha com que me vestiste. Esta vergonha de pele.
Essa luz expõe-me. Tapo-me com toda a roupa para não ser eu. Tapo-me com toda a roupa para que ele não veja a minha pele.
E ainda assim sinto-a a pulsar debaixo dos casacos. Sinto-a ferver-me nas palavras que lhe digo. A gelar-me o coração de tentáculos.
Prefiro deitar-me. Fechar a luz. Fechar todas as luzes do Mundo. Prefiro que ele não me veja. Prefiro que ninguém me veja. Prefiro não existir a ser a pessoa que tu inventaste.
Ah, como eu gostava que ele pudesse conhecer-me antes desta pele horrível me sufocar. Poder saber como sou eu sem esta vergonha contínua.
Sorriso sarcástico.
Foi essa pessoa que te deixou vestir-me essa pele. A verdadeira vergonha é essa.


Alice

Monday, October 05, 2009

Last kiss

A vida é esta felicidade monótona e quente do sol filtrado entre os ramos das árvores sem folhas.
Uma tarde sozinha no muro do tempo.
A felicidade é esta vida monótona e quente do sol filtrado entre os ramos das árvores sem folhas.
Uma tarde sozinha.
Que sabia que este seria o último beijo.


Pearl Jam- Last kiss

Thursday, September 24, 2009

1 Sentido

Maravilhoso o Mundo do olfacto.

Sempre achei que era capaz de sobreviver sendo cega, mas que morreria se fosse surda. E é absolutamente verdade. Há sentidos que nos são mais necessários do que outros.
O olfacto sempre se manteve no grupo dos sentidos de luxo. Tê-lo não é essencial, mas perdê-lo é diminuir drasticamente a qualidade da paisagem que os olhos vêem ou que os ouvidos ouvem.
É uma espécie de factor X inebriante que desperta os sentidos, estimula a memória e deixa solta a imaginação. A subtileza do olfacto está neste poder oculto, do qual raramente temos noção.
O certo é que quando sinto o cheiro dos sítios que mais gosto (de onde tenho melhores recordações ou de onde sou mais feliz), é como se estivesse em total harmonia com as vibrações dos átomos. E esse encanto é tão feliz, que talvez bastasse este sentido para criar todos os outros.

Monday, September 14, 2009

Carta de Amor Inversa III - Pablo Neruda inverso

Páginas breves que o tempo escreve. E o orvalho cai no pasto como essa consciência na minha noite estrelada. E ele não está comigo.
E isso é tudo. Dantes não era nada, eram apenas noites imensas. Como os seus olhos. O vento gira e canta. Agora ele não está comigo. E a noite é imensa, mais imensa sem ele.
Tão curto o meu amor. Tão longo o tempo inútil que tive. Nós os dois, os de agora, já não somos os mesmos.
É tarde de mais talvez. Ou é justamente a hora certa para o tempo errado. Importa lá que o meu amor não possa guardá-lo. A noite está estrelada e ele não está comigo.
Ainda não o amo, é verdade. Mas talvez já o amasse antes. O vento gira e canta. E ele nao está comigo.
(Terá sido de outra?Como antes dos meus futuros beijos?)
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.Posso, mas prefiro escrever os mais alegres.

Alice - adaptado de "Posso escrever os versos mais tristes esta noite" de Pablo Neruda

Friday, September 11, 2009

Revolta do dia (desabafo)

Se eu fosse mais burra ninguém opinaria sobre a minha vida porque não haveria opções para discutir. Os burros não têm opções: fazem o que podem.

Se eu fosse mais burra ninguém me teria dito que o único futuro era a Universidade. Teria sido livre de escolher o que queria, quanto mais não fosse porque não tinha muitas escolhas.

Se eu fosse mais burra as pessoas veriam em mim uma pessoa burra, mas ainda assim uma pessoa.

Se eu fosse mais burra teria direito a expressar as emoções e os sentimentos, a ser descontrolada e louca, porque é normal os burros não terem noção das coisas.

Se eu fosse mais burra podia mudar de ideias, fazer disparates e arruinar a minha vida. Porque a vida dos burros não vale muito e eles de pouco servem.

Se eu fosse mais burra podia vestir as roupas excêntricas que quisesse, porque eu não era importante e ninguém quereria sequer olhar para mim.

Se eu fosse mais burra, cada vez que decido viver a vida ninguém me diria “ Que desperdício, é uma pena!” e não seria tão difícil cortar os tentáculos que me agarram.

Se eu fosse mais burra nunca teria estado sempre nos sítios errados. Podia sentar-me no fundo da aula, nunca estudar para os exames e faltar às aulas, sem isso ser considerado uma agressão às minhas capacidades.

Se eu fosse mais burra nunca teria conhecido tantas pessoas erradas. Porque eu não traria vantagens a ninguém e só estaria comigo quem gosta de mim.

Se eu fosse mais burra não teria de ouvir constantemente que a pessoa de quem gosto não está no mesmo nível de inteligência que eu.

Se eu fosse mais burra, não existiram amores proibidos. Qualquer pessoa era melhor do que eu e não o contrário.
Alice 09-09-09

Wednesday, September 09, 2009

Nunca mais

Chora, grita, revolta-te.
Ignora, despreza. Odeia. Ama.
Continua a tua mísera vida. Ou a tua alegre vida.
Tanto faz qual é a tua opção. Ele não volta. Tu não voltas. Acabou. E nunca mais é a expressão da tua lápide.


Alice

Tuesday, September 08, 2009

Há coisas erradas

Há coisas erradas.
Eu quero largar este mundo. Quero ser livre. Correr riscos. Enfrentar perigos. Lutar por mim.
Eventualmente um dia posso voltar e lutar pelo mundo que tenho agora. Posso até vir a gostar dele. Ou precisá-lo, verdadeiramente.
Deixa-me voar. Deixa-me partir. E ir em busca do que, porventura me fará voltar.
Caso contrário, nunca voltarei (mesmo estando aqui, todos os dias).

Alice

Sunday, September 06, 2009

Inveja

Sabes que te invejo. Sabes que sim, que é isso.
Também quero essa paixão. Esses olhos cegos de tudo.
Quero rodopiar parada e não saber para que lado a bússola me leva. Quero ir com o vento que me leva até ele.
Quero perder a cabeça. Sentir o sangue gelar-me. Esquecer as palavras certas. Esquecer as palavras erradas.
Estar triste. Sentir o mundo acabar.
E recomeçar. Ver o sol mais bonito. As flores únicas e cheirosas. A cidade a espreguiçar-se de amnhã com uma sonolência morna de quem adormece feliz.
Quero sentir-me única e estática do alto do rochedo que observa o mundo em continuo movimento. E estar em total desacordo com essa infelicidade monótona.
É inveja. Sim.
E é essa inveja que me impede de ser medianamente feliz.

Thursday, September 03, 2009

Carta de Amor Inversa II

Não devia. E provavelmente terá um curto espaço de vida até amanhã. Existirá depois talvez, mas já num Universo paralelo desviado.
Agora, neste agora, é real. Os teus olhos errados. O teu interesse errado. A minha vontade errada que erres.
Porque é tudo um erro e sei que nunca sobreviverias para além de amanhã. És o próprio motivo pelo qual nunca seguirás no Universo real. E isso dá-te um encanto inverso, errado de tão inverso. Atraente de tão inverso.

Wednesday, September 02, 2009

Pensamento do dia

São dois mundos que não se tocam. Não interagem. Não se completam.
Existem apenas para extremar sentimentos. Para permitir o ódio e o amor.
Um deles existe permanentemente para se poder amar mais e ainda mais e cada vez mais o outro. É a sua única função.

Thursday, August 27, 2009

Enquadramento social

É uma questão de perspectiva. Sempre.
É uma questão de quantidade.De balança. De efeito de massa.

A tua diferença destacava-se num mundo desenquadrado.Sem fugas e sem prisões.
Soava a um ângulo novo,cheio de refracções de azuis e laranjas.
Mas afinal essas refracções não passavam dum efeito óptico saudável sob um mundo tão avariado e tão cicatrizado que reagia a qualquer luz.

A tua diferença não era uma salvação. Era um aviso.
De que o mundo era o errado.

Alice - Junho 2009

Tuesday, August 18, 2009

Pensamento do dia

O Mundo é um lugar tão bonito.
Ás vezes esqueço-me.

Sunday, August 09, 2009

Arrependimento

Arrependia-se. Ocasionalmente.
De te ter cedido o coração. De te ter colocado dentro daquela caixa branca cheia de areia escura do Verão esfumado que tem um inconfundível sabor a maresia. O coração galopava nas ondas que chegavam à praia desse Verão. Uma sonolência de poente pintalgava a praia onde estavas sentado. De costas para a cidade magnética. Os olhos verdes fixos no mar. A mesma cor. A mesma respiração salgada.
Lembra-se do vento que a vez descer à praia desse Verão pintado. Um vento de sul, quente a cheirar ao silêncio do Deserto. Uma praia quente ao fim da tarde, onde as ondas mornas te contaram histórias do horizonte. Histórias que tu viveste.
Mas ela arrependia-se. Ocasionalmente lembrava-se que fora um belo quadro, esse Verão imaginado. E que dera demais por esse belo borrão impressionista.
Alice

Thursday, August 06, 2009

É a segunda vez

É a segunda vez esta semana que passo no Rossio ao fim da tarde.
Vejo os estrangeiros, de mapa na mão a circularem entre o teatro D.Maria e a rua Augusta. Há neles um olhar de espanto, semelhante ao meu quando vejo uma cidade nova pela primeira vez.
E dou por mim a pensar em como seria ver Lisboa pela primeira vez. E apetece-me perder a memória. E ser o turista louco que chega à cidade lonquinqua no ocidente da Europa. E que está maravilhado com a luz, o castelo. O rio azul. E que entre a rua Augusta e o Rossio, decide ficar para sempre.

Tuesday, August 04, 2009

O amor é uma guerra

O guerreiro altivo e leal aproxima-se da cidade. Senta-se na sua saia de escocês e o ar puro das Terras Altas rasga-lhe o fundo dos pulmões.
Gosta do negro dos fumos nas pedras ancestrais e da água cristalina e fria onde bebe o seu cavalo.
Viajou e regressou. E escolheu aquela cidade. Ali a gaita-de-foles tocava sempre no vento da tarde e os poentes nunca eram laranjas, mas de um rosa esfumado pelas neblinas. O seu coração encoberto também gosta do nevoeiro de quem sempre fora.

E por isso, pensara em não conquistar a cidade. Tinha talvez a espada e a força necessária. Ou a liberdade na boca e os braços dos homens cegos, que partilhavam o mesmo coração. Mas a conquista roubava-lhe o amor que sentia.
E sem amor, a conquista era apenas uma escolha feita, que suportaria até ao fim.

Talvez um dia a cidade fosse sua. Porque o nevoeiro era igual. Porque a cidade já tinha visto muitos guerreiros e ele já tinha visto muitas cidades. A sintonia era mais poderosa do que a conquista.
Mas o tempo passou. E a cidade foi sendo saqueada. Trocada. Encantada. E o guerreiro voltou a viajar. Talvez houvesse outro nevoeiro, outra cidade que o deixasse ser conquistado.
Mas em todas, o vento não tinha melodia. E o nevoeiro, quando existia era transparente e roliço. E ele sentia falta da humidade grotesca da gruta do seu coração.
Porque ele amava as Terras Altas. Eram a sua terra, a sua melodia. O seu cemitério. O seu amor.

E voltou para conquistar a sua cidade. Com os seus braços e os braços dos homens que ouviam a sua liberdade. E conquistou-a em toda a sua altivez e segurança. E só assim, depois da luta, ela foi sua. E ele estava finalmente onde sempre quis estar, na sintonia profunda que sempre existira entre eles.

E não lamenta esse outro guerreiro vadio, que ás vezes ainda vagueia taciturno, à espera que a cidade o ame, com medo de a conquistar.
O amor é uma guerra.

Monday, August 03, 2009

Carta de Amor Inversa

Demorei tempo. Lamento.

Apareceste como meu herói numa versão superficial que sempre afastei para longe das minhas almofadas de sonhos. Prometias. Não, nunca prometeste. Mas era uma versão demasiado citadina dum quadro que eu criei na minha música. Não havia lugar para ti assim, tão disforme dentro do meu mundo. Dentro de todos os mundos.
Talvez te pudesses ir embora. Houve alturas em que o desejei, confesso. Os teus olhos críticos, desconfortáveis lembravam-me aquela gruta seca. Onde tantas vezes chorei. Não sabias. Mas talvez soubesses. E talvez os olhos não fossem críticos.
Resignei-me com a tua presença. Talvez um dia tu percebesses que não era o Monstro estragado que me fazias sentir. E deixei que ficasses assim, na borda duma ponte estreita. Uma ponte perigosa para o teu Mundo. Diferente. Diferente de tudo.
Insuportável conhecer esse teu mundo, tão invulgarmente superficial. Insuportável ver os teus olhos tornarem-se peixes atentos. Insuportável perceber o teu desconforto atraente comigo.
E evitar-te. A todo o momento.
E é por evitar-te, que não te consigo evitar.


Monday, July 20, 2009

Reflexão

Dantes eu achava que as histórias e contos da minha infância eram óbvios ensinamentos para a vida.
Hoje vejo que ninguém os leva a sério. São todos contos lindos que se lêem ás crianças. Para elas dormirem bem e sonharem bem. Porque é único tempo que têm para o fazer. Não sabem que assim que crescerem, não há perdão para o Monstro. Nem tréguas à sereia que quer ver o Mundo para além do seu oceano. E que o principe nunca vai esperar pela Bela Adormecida.

Escrevem-se as histórias para as crianças. Porque elas precisam de sonhar. E são contos de crianças , não se aplicam a nós.

Devia começar a escrever contos para adultos.

Friday, July 17, 2009

Pensamento do dia

Lisboa ao fim do dia. A luz espectral entre as nuvens dos meus olhos.
O rio azul e a promessa de amor no vento.

E tudo o que queria era apaixonar-me.

Sunday, July 12, 2009

Janela

Gostava de recuperar a minha janela. Ou a imaginação que costumava pairar por ali em tardes longas de Verão. Demasiado longas. Demasiado doces.
Quem eu era. Quem eu fui, estava ali. Desenhado naquela janela de sonhos. No vento que julgava seres tu num sítio longinquo.
Mas nunca fui, durante essas tardes de Verão. Era a minha imaginação em vez de mim. As histórias que gostava de ter vivido. Os m0mentos que passei contigo, no telhado da tua janela.
Todas as viagens que fiz, todas as asas que galopei no vento das tardes de Verão, foram desta janela. E não era eu.

Agora sou eu. E não há vento. E o Verão tem tardes curtas. E tu nunca estás à janela, nem gostas de estar no telhado.

Talvez eu não seja. Ou talvez a minha existência, fosse essa indirecta. Através da janela.

Some kind of monster

Eu não sou esse monstro.
Não esse.
Há um monstro que vive em mim, sim. Há já muito tempo. Desde o dia em que o espelho me cedeu a sua consciência.
Ele vive aqui, colado ao bater do meu coração. Pensa por mim. Age por mim. Um monstro que sabe que hoje é o único tempo que importa. Porque é o único que existe.
Eu não sou esse monstro que não tem compaixão. Este monstro que mora em mim até gosta de ti. Ele ama. Só que ama hoje, sem amanhã.
Mas não é esse monstro que pensas, exceptuando que é um monstro. Nunca viverá no teu mundo, isso não.
Se preferes culpa-me a mim, esse pedaço de pessoa que continua a existir ocasionalmente. Fui que deixei o monstro entrar e aninhei-o em mim. A culpa foi minha. Fui eu que o deixei escolher-me.

E ainda assim, continuou a não ser esse monstro.

Monday, July 06, 2009

A praia de Sophia

Hoje apetecia-me o Mar.
Eterno e contínuo em mim.

Não é a praia e as filas de trânsito. O calor do alcatrão. Os gritos agudos de Verão. Os óculos de sol e as cores berrantes.

É da praia de Sophia que tenho saudades. Do Verão sozinho. A praia branca ao meio-dia. Do calor que entra nos ossos. E que aí se aninha.

Essa praia da minha infância. A praia de Sophia. A minha praia.
Ás vezes encontramo-nos lá.

Friday, July 03, 2009

Jim Morrison - 3 Julho 1971

Faz hoje anos que morreu em Paris, Jim Morrison.
Na noite do meu aniversário de maioridade, ofereceram-me "The best of Doors". Revendo-me para sempre na música "People are strange", passei essa noite a ouvi-la. Uma consciência maior desceu sobre mim, mas na altura não sabia explicá-la. Um sentimento de alívio. Conforto. Aconchego.
O Jim Morrison encontrou-me nessa noite em que fiz 18 anos. E ajudou-me a suportá-la e a muitas outras seguintes.
Anos mais tarde, voltaria a encontrar-me com ele. Estava eu em Paris, quando de repente fiquei só no Mundo.
Mas ele estava lá. No cemitério, à minha espera. E encontrei-me com ele ali, nesse local fresco de sombras e penumbras. E na campa dele, disse-me o que era importante. O que valia a pena. E o que desapareceria para sempre. E disse-me que nunca estaria só no Mundo.
Ah, tantas vezes quisera eu ter esta conversa com ele. Mas ele estava demasiado longe, a descansar em Paris. Mas foi justamente em Paris que eu mais precisei dele. E foi justamente em Paris que ele morreu.

Tuesday, June 30, 2009

Pensamento do dia

Há quem seja o Dorian Gray. Eu sou o retrato.

Friday, June 26, 2009

Reflexão

Perdida entre as nuvens selvagens que pintalgavam o horizonte fui obrigada a desviar os olhos da paisagem.
A que se resume a nossa vida? Encadeia-se a vida numa rodopiar de acções e de gestos mecânicos e sociais. E o trabalho obriga a que sejamos simpáticos e agradáveis. Que sejamos aliciantes. E estamos tão obstinados a vestir esse papel de parede, que não podemos olhar pela paisagem que vemos do carro. Parar para pensar em silêncio durante o almoço. Ou sair do metro e olhar a cidade barulhenta a espreguiçar-se de manhã.
Não. Estamos presos a uma corrente social de conveniência. E esses gestos frescos ficam para um local sagrado ao fim do dia, ao fim da semana, do ano… em que se utiliza o tempo para se observar, o que nunca se pode observar, sentir o que não pode dizer, falar do que não se pode ouvir.
E ás vezes até esse altar sagrado tem que ser sacrificado.

Qual o propósito da vida, se em prol dum aparência que necessitamos criar, não podemos desfrutar de quem somos?
E depois pensei: “O homem do Paleolítico estava talvez demasiado ocupado a não ser caçado para se aperceber das maravilhosas paisagens da natureza que o rodeava. Nós, não somos diferentes. Continuamos, igualmente como o homem do Paleolítico, a sobreviver em cada dia. Não há tempo para olhar pela janela. Se não somos caçados.”

Tuesday, June 16, 2009

Poema do Dia

A tua vida é uma história triste
A minha é igual à tua
Presas as mãos e preso o coração
Enchemos de sombras a mesma rua

A nossa casa é a neve aquece
A nossa festa onde o luar acaba
Cada verso em nós próprios apodrece
Cada jardim nos fecha a sua entrada

Friday, June 05, 2009

A menina dos fósforos

A culpa de teres errado afinal não foi minha nem tua.
Estava sempre escuro e eu procurava a estrada com menos pedras. Doia-me o corpo e tinha frio. Escolhi o caminho que me pareceu mais humilde à luz dos fósforos toscos que acendia.
Mas o caminho tornou-se cada vez mais doloroso. Os meus pés mais calejados. O frio mais estranhado. E num ímpeto, acendi os poucos fósforos que me restavam e acreditei no rápido Anjo que me surgiu.
Que me levaria.
Só que afinal não eras tu. E eu não morri.

A culpa foi dos fósforos.

Pensamento do dia

"Ninguém sai daqui vivo"
A morte é a única coisa certa. Todos vamos morrer.
Para quê adiar essa cosnciência?
Vamos morrer. Todos.
Adiar o pensamento da morte é ignorar a vida.

Wednesday, June 03, 2009

Pensamento do Dia

"You don't know how you've betrayed me
and somehow you've got everybody fooled"

Everybody fool - Evenescence


Traíste-me. Porque não te foste fiel.
Enganaste-nos a todos. A mim, porque te amava.
A eles, porque são como tu.

Diferença entre pensar e sentir

"O baixo não se ouve, sente-se". Esta frase foi dita e ao pensar sobre ela, conclui que era verdade. O baixo é um instrumento de fundo, de estrutura. Sem ele a música não faz sentido, é o eco vazio duma bateria e de uma guitarra que não se compreendem.
Pensei sobre esta frase e conclui sobre ela. E foi apenas um desencadear racional de pensamentos , de analogias. Um agregar metódico de conceitos que vivem dentro de mim.
Até que no domingo ensaiei com o resto da banda pela primeira vez. E não ouvi o meu baixo. No meio do som estridente dos outros instrumentos, o som das minhas cordas não se fazia ouvir. No entanto, senti-o em toda a sala.

E entendi completamente o significado da frase.

Friday, May 29, 2009

Escolha

O calor toldava os olhos, os sentidos.
E algures surgia um campo de searas amarelas. E um vento esguio. Havia um azul pastel que espreitava de cima, afastando as espigas que baloiçavam entre sussurros.
Com um cansaço extenuante a pele macia assentava na terra fresca. O toque sedoso da volúpia da seara.
Era a escolha certa.
Porque era a primeira.

Thursday, May 28, 2009

Resgate

Que masmorras são estas? Que correntes são estas?
Porque é que fazes isto? Porque é que enches as flores de veneno?
Sujas o ar com esse movimento frenético de ser pequeno.
Preferes o reinado num mundo ignorante que aplaude a música sem a ouvir. Eu sempre preferi a solidão do infinito. Dos espaços vazios que não vou ter tempo para preencher.
E tu és tão monótono. Sim, és monótono.
E estas masmorras que me inventas são uma forma de continuares rei num mundo cheio de mendigos, demasiado cegos para verem que um dia terão um reflexo no espelho do tempo.
Eu não posso demorar. Não te estou a roubar o teu trono. Não te invejo. Não te ambiciono.
Só quero que não fundas o meu mundo numa alegre e social harmonia com o teu.
Eu sou marcadamente melódica.
E tu és tão insignificante que podes estragar-me a vida.

Sunday, May 24, 2009

Frase do dia

"Tu gostas de toda a gente, o que equivale a dizer que todos te são indiferentes"

In "O retrato de Dorian Gray" - Oscar Wilde

Gostar dos gregos e detestar os troianos é demonstrar ter personalidade. Só as pessoas que fazem um ridículo esforço por se adaptarem é que podem gostar de toda a gente. E gostando de toda a gente são indiferentes a tudo. Até a elas próprias.

Friday, May 22, 2009

Sincronismo

Talvez tudo isto, todo o tormento tenha sido um palco secundário. Uma estrada dura de passagem. Talvez o fim ainda não tenha chegado.
Talvez o meu amor desumano e incondicional não o fosse se não me tivesses encontrado com os pés fora do Mundo e o coração apertado e encarquilhado naquele rigor mortis aflitivo.
Talvez este não seja ainda o grande e triste fim, justamente porque acreditei que era.
Talvez tudo não passe dum sincronismo perfeito.

Monday, May 18, 2009

This is the end my friend

Cheguei ao fim de uma época.
Mas o fim nunca é abrupto, excepto quando o entendemos.
E as oportunidades de recomeço que julgamos serem, afinal não são. Representam apenas laivos últimos duma realidade que não quer morrer e se esforça por nos ludibriar.
São apenas sereias que desviam Ulisses. Sereias falsas que devagar se afastam do nosso coração e perdem o encanto. Até vermos que afinal não são a nossa Penélope. Afinal são apenas uma alternativa singela e triste. Uma cópia rancorosa. Sem perigo.
E nesse dia, cortamos as amarras. E entendemos que o fim chegou.

Sunday, May 17, 2009

Heavy metal Soul

Fim de se semana de Super Arraial no IST. Na sexta-feira, ouvimos David Fonseca. Sempre gostei deste rapaz, não sei muito bem porque. Talvez seja a ousadia de se expressar em inglês.
Na noite seguinte Macacos do Chinês, que surpreenderam pela originalidade, apesar de tocarem um estilo que não é definitivamente o meu.
Mas quando a noite chegou aos Expensive Soul, eu era já uma pessoa cansada. Talvez esteja a torna-me numa fundamentalista. Talvez.
O certo é que sentia saudades do meu heavy metal e tive de encher os ouvidos de Metallica e Iron Maiden. E foi como voltar a casa com alívio.
O metal descreve-me. Já estou demasiado dependente. Ou demasiado lúcida.
Consigo afastar-me até David Fonseca.
Mas não muito mais do que isso.

Thursday, May 14, 2009

Explicação

Há momentos em que tenho saudades tuas.
Assim, como quem não quer nada. E quer tudo.
Relâmpagos claros espalham o desincronismo de uma onda que não está em fase e soa mal.
E eu sinto a falta. Os tentáculos do meu coração apalpam a ausência que me trazes e eu tenho saudades.
Porque algures em mim existe uma compreesão gravada. (A saudade não é mais do que um desejo desesperado de permanência de uma memória boa.)
E essa memória boa vem da tua música. Ou seja, vem de ti.
E eu tenho-te saudades.

Tuesday, May 12, 2009

Reflexões

A história do Patinho Feio sempre despertou em mim uma interessante reflexão sobre a beleza.
Tendo a condenar à partida a pura avaliação na beleza física que tantos seres humanos fazem uns dos outros. Essa rejeição vem-me dos tempos da escola onde vi tantos patinhos feios (eu era um deles certamente) serem afastados do lago comum, por não serem cisnes.
Mas sendo a beleza tão subjectiva, porque é que é tão social?
A beleza é subjectiva. E é mutável, como a História. No entanto mantém um padrão constante durante épocas distintas. O que se condena é a fuga a esse padrão. A existência de um icon que é diferente do resto. Se no lago nadassem mais patos feios, eles provavelmente achar-se-iam todos lindos. Ou por um motivo instintivo de selecção natural, sentir-se-iam atraídos pelo único cisne, sendo aí a diferença irremediavelmente irresistível.
A condenação por nós humanos, das pessoas feias (como se fosse uma doença contagiosa) é um sinónimo de futilidade, sempre achei. Quanto mais complexo e profundo é o ser humano mais detalhes e deliberações, consegue fazer acerca de outro ser humano. E consegue, à luz de instintos psicológicos entender a personalidade do “outro” e ter opinião para gostar dela ou não.
E aí existe outro tipo de beleza. A da personalidade.
Dizia Oscar Wilde “Só as pessoas fúteis não julgam pela aparência”.
Porque para os fúteis não existe aparência. A aparência é a pessoa.
Quem ultrapassa essa camada superficial de percepção sensorial, está apto a julgar pelas aparências. Ou não.
Quem ultrapassa essa camada superficial tem um mundo de complexidades tão apaixonantes como perigosas. E aí podemos julgar a pessoa do lado pela sua inteligência, pela sua simpatia ou pela forma como deixa a porta aberta.
E quanto mais fundo formos descendo nesta análise (e mais alta se torna a nossa consciência) de possibilidades e reentrâncias do ser humano, mais nos vamos guiando e julgando por características aparentemente desconexas.
Daí que apenas dois tipos de pessoas possam experienciar o amor à primeira vista: as fúteis (ou superficiais), que vêem num momento a beleza física que as atrai; e as mais profundas que vêem nesse físico o resultado palpável duma avaliação psicológica relâmpago da personalidade e consciência que presenciam. E no limite, as características físicas poderão mesmo ser um factor decisivo para a pessoa profunda. Uma rápida análise social determina as características potenciais de uma pessoa alta ou magra, loirou ou morena, face ao enquadramento onde se insere.
Ambos os sentimentos de amor são contudo baseados em beleza. E repare-se, ambos são baseados em beleza física. No primeiro caso ela não é fruto de nenhuma ilusão de óptica. No segundo é.
Mas a verdade é que todas as pessoas procuram a beleza, quer sejam ou não fúteis. Seja ou não uma ilusão de óptica. Quer a beleza seja beleza ou seja inteligência ou simpatia.
E isso acontece porque gostamos de nós. E queremos sentir-nos bem. Queremos ter vantagens. E assim, gostamos da pessoa inteligente, que sabe resolver a situação. Ou da simpática porque nos ouve. Ou da que deixa a porta aberta, porque será uma pessoa que nos dê liberdade.
E somos tão fúteis quanto os fúteis. Gostamos tão condicionalmente quantos eles. Apenas temos consciência e orientamos a escolha segundo um referencial diferente.
Porque estamos de uma forma geral, sempre condicionados. O nosso amor é condicionado. Aquilo que somos e damos. E esperamos. Está mutuamente condicionado. Àquilo que recebemos.
Será que um dia será possível amar sem condição? Sem ter vantagens, físicas ou psicológicas? Sem ter partilha. Sem ter razão. (O amor que existe tem sempre uma razão, ainda que se julgue que não).
Seremos um dia integralmente capazes de amar realmente uma pessoa feia?

Sunday, May 10, 2009

SE

Se eu tivesse um filho, cantava-lhe para adormecer "Where did you sleep last night".

Thursday, May 07, 2009

Funeral

No outro dia sonhei com a tua morte.
Estava na rua e de repente, senti que morrias. Diziam-me de mansinho que tinhas morrido. Uma electricidade desagradável percorreu todo o meu corpo até os olhos se encherem de lágrimas fáceis. E uma tristeza cavada apoderou-se de mim.
Morreste, disseram. Morreste longe. A tentar regressar? (Talvez a única especulação inventiva do meu sonho) Não interessa. Morreste, disseram.
E portanto morreu definitivamente toda a esperança de voltar a ver-te. De entender-te. De tentares. Morreu para sempre a esperança de ainda quereres mudar as coisas. Ainda quereres salvar o que de tão pouco ficou. Ainda que seja o vazio, é alguma coisa.
E ali estava eu. No teu funeral. Percorri léguas infinitas para lá chegar. Ao fim do Mundo. A minha derradeira viagem, onde desta vez a desilusão fui eu. (Entre nós, as viagens acabarão sempre mal.)
Fiquei só eu no fim. Onde estavam todos os outros? Não sei. Talvez eu não os visse. Talvez não existissem. O tempo passou e eu tinha-me esquecido que só tu existias para mim.
Agora acabavas de "não-existir". E eu estava só, num cemitério verde, com pequena uma rosa vermelha. Que deixei contigo.
E pela segunda vez deixei-te tudo o que tinha.
E pela segunda vez não podias fazer nada com o que eu te dava.


Alice

Kurt Cobain

Há um Kurt Cobain moribundo dentro de mim. Hoje.
O mesmo que tocou em New York. O mesmo que já sabia que o fim estava perto.
Talvez ele não soubesse. Mas sabia o coração. O cabelo. O sorriso. As roupas. A sua atmosfera apercebeu-se antes dele. Há coisas que não se suportam.
E ele tinha um ar simpaticamente cansado. Sem remorsos ou culpas.
Sem raiva ou medo.
O ar de quem fez uma viagem longa, muito longa. E cansativa.
Mas apaziguadora.
Esse Kurt Cobain moribundo e calmo está aqui comigo hoje. É parte de mim.
Partilhamos essa viagem e esse cansaço.
A música.

PS: Um lamento a todos os ignorantes que não entendem. Há mundos que não se partilham.

Wednesday, May 06, 2009

Lose Yourself

Há uma vida feia em redor. Ou um espírito retorcido numa bela vida. Tanto faz.
As casas são feias. As pessoas são feias.
O mundo é áspero e autodestrutivo. Existe um fado peganhento que te arrasta para a tradição dum passado que não se reconhece.
Tudo é monotonamente violento. E é absolutamente previsível esse gesto de desonra. De tantas traições que ali se aceitam, escolhe-se a única que é proibida.
Não haverá outro círculo talvez. Tudo está partido e estragado. E a vida habituou-se a uma deformação, com uma capacidade humana de moldagem que a deficiência dum espírito revolto não inclui.
E espera-se a oportunidade. Todos os dias, todas as horas. Ela não chega. Todos os minutos, todos os segundos. Ela não chega.
E as casas são feias. As pessoas são feias.
O círculo é o mesmo. O presente é a tradição do passado. E para quebrar o círculo agarra-se essa corda recta de esperanças. E espera-se a oportunidade. E treinam-se os músculos. O coração. Porque será a oportunidade. E não há lugar para a falha. Não haverá outra.
É conscientemente única.
E tu foste a minha oportunidade única. Que falhou.
Lose Yourself - Eminem

Tuesday, May 05, 2009

Verão sempre me soube a maçãs

Verão sempre me soube a maçãs.

Era uma manhã de sol, aquele calor quente que nos trinca os músculos devagarinho.
Cheirava a fruta, a cores. E a escola era verde, natural.
E o Verão era este marasmo enérgico onde todas as horas eram boas. As roupas eram leves. Os sorrisos eram calmos e bons. Havia uma felicidade estagnada que de tão entranhada, era já estável. Era bom estar ali. E era bom não estar. Pensar no cheiro doce da praia que se adivinhava. Nas horas de sossego na toalha, onde os olhos fechados viam manchas cor-de-laranja. O cheiro do mar em todo o lado, na roupa, na almofada. Na pele.
Era bom estar ali a pensar nisso. A ver o horizonte do céu invariavelmente azul e a prever os salpicos das ondas. Os peixes, os caranguejos. As noites curtas e o adormecer de mansinho sob o cabelo áspero do sal. E ao mesmo tempo ensaiar a peça de teatro. Colorir o cenário que faltava. Correr sem parar debaixo do sol gentil de Junho e inspirar fundo o cheiro dos Manjericos e das alças frescas dos vestidos. Tanto o presente como futuro eram eternamente felizes. E não guerreavam.
Lembro-me dessa manhã de Junho, onde tive consciência de tudo isto. E cheirava a maçãs.

Monday, May 04, 2009

TITANIC

E no meio da futilidade surge a urgência duma vida que não se vive.
Gostava de viver. O meu pedido humilde resume-se a essa frase. A essa palavra.
Viver.
Talvez pedir para descer ao porão e dançar aquela música irlandesa seja muita soberba. Talvez aquela vida suja e medíocre não esteja ao meu alcance. Talvez o meu mundo seja eternamente um convés bonito. Onde se sonha com essa possibilidade utópica.
Onde sonho constantemente com essa possibilidade. De ver a vida como um trôpego rolar de emoções. Um aglomerar de instantes eternos. Uma lâmina afiada a cada segundo junto ao coração.
No convés o coração é uma porcelana bonita.
Mas talvez seja arrogância querer viver. Há escravos do porão que nunca verão a luz do sol. E eu quero abandonar tudo o que tenho.
Exceptuando que tudo o que tenho não é nada.
Alice

Sunday, May 03, 2009

Disputa

Que noite vazia. A música ecoava de dentro para fora. Talvez o som do palco não fosse mais do que o grito desesperado dum pequeno mundo que ali ruiu. E que desmorou de pé, para não incomodar.
E ouviu-se ali um fado triste entre a guitarra eléctrica. O meu fado.
E depois chegou o vazio. Quente, intimista, sufocante. Quente.
E onde estás tu? Onde estás tu? Ah, estavas ali. E a noite ganhou novas estrelas. Não melhores nem mais. Apenas outras. E a forma como existias fez-me ter pena de mim. Ou ter uma saudade fraca, quase cobarde. Porque fui eu que faltei. Não há lugar para mim e para essa noite em simultâneo. E ela foi mais forte.

Wednesday, April 29, 2009

Entendo

Entendo.
Há muitas parecenças entre Lisboa e Copenhaga. E uma delas é a diferença antagónica duma cidade latina que é nostálgica e duma cidade nórdica que é louca.
Mas há mais do que isso. Há um fio estreito que as une, como se fossem o mesmo caminho.
Assim, uma lembra a outra.
Ambas têm Mar azul à sua volta. Uma ponte que se perde no indefinido horizonte. Um vento agreste de maresia clara.
E ambas expelem sentimentos. Antagónicos, é certo. Lisboa é local de partida onde as caravelas sopram o vento da mudança e onde mora a função nostálgica da Torre de Belém em dizer adeus, numa continuidade que de tão ancestral já não magoa.
Copenhaga é local de chegada com o frenesim eléctrico do viajante e do cheiro dos Novos Mundos. Mas que só faz sentido, porque há uma sereia que espera. Que esperou desde sempre esse viajante e não outro.
E esse vento que parte de Belém (agora sei) chega a Copenhaga. É o seu caminho, desde sempre.

Sunday, April 26, 2009

Sala Vazia

Não vais voltar, pois não? A luz que ilumina este fim de tarde frio mostra que não. O palco continua montado. Mas tu não vens.
O tempo parou durante tanto tempo… E eu estive ali fiel, à espera que chegasses. Mas a sala há muito que está vazia. E o palco deixou de ser palco, para ser apenas um estrado velho de madeira, onde a luz incide ocasionalmente.
E afinal eu dormia na cadeira. E agora acordei de repente e já não está lá está ninguém. A sala está absolutamente vazia. Já não há memórias tuas. Já não existes.
Que saudades tenho do tempo em que esperava que chegasses. Tenho saudades dessa tristeza. Tenho saudades dessa desilusão permanente. Era a ausência dum vazio eterno.
Porque agora já não há nada. Nem tristeza. Nem desilusão. Nem saudade.
Só uma sala vazia.
Alice

Friday, April 24, 2009

Pensamento do Dia

O homem estava sozinho no caís. Partira o sonho. Ficara ele.

Tuesday, April 07, 2009

Relembrando um velho post

"A Imagem que vale por mil sonhos" - Sonho ou Realidade?



Thursday, March 26, 2009

The Big Fish

“First he came earlier. Then he was too late”

The Big Fish é um filme fantástico que poderia apenas ter aparecido da mente diferente de Tim Burton.
Se tinha dúvidas, ontem ao rever o filme que estava a passar na televisão, apercebi-me que a metáfora é de facto a minha figura de estilo preferida. E aquele filme é, todo ele uma enorme metáfora onde se contam pequenas outras metáforas.
Gosto da ideia da imortalidade de uma alma que viveu verdadeiramente através de uma história que nunca existiu. Mas que ao ser tão autêntica permaneceu, ocupando o lugar de vácuo que a objectividade de uma verdade nunca terá criatividade suficiente para descobrir.
Mas acabado o filme, a minha mente fixa-se naquela frase. Uma metáfora pequena, quase inofensiva. E que fere devagar, com uma crueldade aparente de compaixão de quem fere devagar para que doa menos.
Não há nada pior do que resumir a vida a um erro dessincronizado do tempo. Duas vezes.

Wednesday, March 25, 2009

O Mito do 5º Império

O Mito do 5º Império
Não vale a pena renegar em mim esta mania louca de ver a tua sombra sobressair do nevoeiro espesso que cobre o azul da minha vida.
Jamais me habituarei a este nevoeiro. Porque tenho em mim a esperança portuguesa do regresso (ou da utopia). E essa nostalgia que medra na terra da minha alma torna o nevoeiro agreste e impede o nascimento de outras flores.
Outrora belos, os barcos partem do Tejo e conquistam o Mundo. Eu também já fui assim. Mas não quero esses barcos trôpegos que agora vagueiam por Lisboa. São demasiado sofridos. Habituaram-se ao nevoeiro e agora a única diferença é que se esqueceram que sofrem.
Eu prefiro este sofrimento constante de nunca te ver chegar. Esta nostalgia entranhada na humidade da sombra branca. Não me resigno.
Porque quero os meus barcos, os que conduzirás quando chegares. Porque o Tejo é azul. E só sem nevoeiro conseguirei navegar.
Alice

Thursday, March 19, 2009

Amor

É Natal.
Apetece-me enterrar em música. A música compreende-me e preenche pequenos vácuos que se vão instalando ao longo de estactides de dias. Por vezes a gruta está fria de mais, até para o meu espírito congelado numa noite negra, demasiado bonita.
É Natal. E o Natal é negro.
É brilhante e sedutor numa longa fileira de raiva muda que vê no cemitério o seu espelho. E a música está lá, ensurdecedora. É essa mesma a sua missão. Calar este Mundo branco ( sujo). E permitir que viva em paz, com a certeza que não haverá traições ou abandonos. Com a certeza que mesmo na mudança ínfima mais branca do meu coração negro, ela vai lá estar. Comigo.
E que só me deixará quando eu morrer.
Alice - Dezembro 2008

Tuesday, March 10, 2009

Ainda bem

Ia eu, na minha vida pós laboral de fim de tarde ao Vasco da Gama, quando decidi ignorar a minha necessidade de comprar e o meu propósito em ir à Expo para aproveitar o facto de a noite ter acabado de chegar ao Rio.
Quando abri a porta do Vasco, a "alameda" de árvores longas, junto à fileira de bandeiras olhou para mim, com uma lua cheia recortada num azul pastel fundo.
Foi talvez das melhores paisagens que já ali vi.
Decidi-me a ir até ao Rio. A rua das árvores esguias e amarelas-doiradas existia num plano superior aos meus olhos. Entre elas só a luz da lua e o azul profundo dum fim de tarde que ainda não é noite, mas já não é dia. E por isso existe numa realidade paralela. Maravilhosa.
Algo naquela paisagem azul e bucólica despertou um vento sonhador em mim. E todos os sonhos esquecidos ou enterrados voltaram.
E os meus sonhos são azuis e fundos.
E ainda bem que deixei o Vasco para trás.

Sunday, March 08, 2009

Into the wild

Ontem finalmente vi o tão prometido filme "Into the wild".

No início senti uma enorme vontade de seguir o mesmo rumo que a personagem. Senti, de uma forma quase abismal e impossível, que a pessoa que realizou aquele filme me conhecia, ou pior... conhecia os meus pensamentos, os meus desejos, os meus sonhos...

Segui o filme com uma atenção diferente, de uma forma como faço muitas vezes em livro: vivi "com ele, sendo ele" nas viagens que fez, no propósito que tinha. Embrenhei-me de tal forma que partilhei a mesma felicidade que ele, revi-me nas mesmas frases e nas mesmas decisões. E a meio do filme desejei ser ele. Ter a coragem dele.
Mas sofri também com ele. Pelo desespero momentâneo, pelos momentos que desejavamos apagar mas que não podemos. E antecipei da mesma forma que ele, que aquela breve história de felicidade não ia acabar bem.

Nos breves momentos do fim do filme, senti um enorme aperto no estômago. Um egoismo de quem se está a ver num caminho de vida que seria perfeitamente possível. Senti pena dele, como sinto de mim. Senti um desespero por ele como sinto por mim.

Antes de morrer, ele era exactamente como eu. Mas antes de morrer, ele percebeu algo que eu tal como ele, nunca tinha percebido.

E assim assisti em directo à minha morte solitária. Adorei o filme, mas nunca mais o quero ver.

Sunday, March 01, 2009

Representações

No sábado, estive uma vez mais no Saldanha Residence a seguir o clássico de futebol Porto x Sporting.
Desta vez, o piano estava calado e não havia a companhia do contra-baixo, que a semana passada me deliciou enquanto por lá lá estive.
Ansiosa e divertida a ver o jogo de futebol ( como sempre) não pude deixar de reparar no casal de namorados que estava ao meu lado. Ele, com um ar simples e desligado observava calado a televisão. Ela mantinha-se à sua frente a ler a "Happy" debaixo de uma camisola cor-de-rosa e de umas unhas vermelhas. Algo, neste constraste me chamou a atenção. Por vezes a rapariga esticava a mão, e sem olhar para o jogo tentava chamar a atenção do rapaz, mante-lo de mão dada. Ele, por sua vez parecia ter vergonha deste acto ( ou da própria rapariga) e tentava ignorá-la, olhando desesperadamente para um jogo que de facto, não estava seguir.
Este casal simboliza o passado histórico destes dois sexos. O homem que é obrigado a ser rude e a seguir o jogo de futebol. E a mulher que se ocupa de futilidades e cujo objectivo é prender a atenção do homem.
E assim se criam mundos sucessivos de ligações inócuas. Relações que nunca chegam a ser verdadeiramente estabelecidas. São pequenos passos de uma representação, como tantas que se fazem na vida.

Thursday, February 26, 2009

Peso na consciência

Não quero peso na minha consciência.

Sou uma pessoa livre. Naquele dia, enterrei o livro no fundo da alma. E deixei que partisses.
Deixaste este mundo então. Aparentemente continuas vivo, mas eu vi-te morrer naquela tarde. Juntamente com o livro que foi soterrado na mala, debaixo de camisolas e sonhos.
Talvez continues vivo noutro Mundo, quem sabe. No meu morreste. Que é o mesmo que dizer que ignorei a tua morte, depois sofri por ela e por fim resignei-me à ausência que me infligiste.
Hoje, diluída no tempo a tua memória é apenas uma lápide. Um local de peregrinação que o meu cérebro percorre quando lá no fundo tem saudades da alma que porventura eu amei.

Não há remorso. Não há pena.
Escolheste. E morreste. Enterrar o livro foi a única troca possível no meu Mundo.
E por isso não cultivo peso na consciência.

Nunca mais.

Tuesday, February 24, 2009

Amor Incondicional

Amava a música. Amava de uma forma incondicional. Porque não esperava nada em troca. Era um amor infinito e eterno porque não havia barreira. Não havia propósito. Amava porque amava. Porque a música era tudo. Uma definição material de perfeição que se espraiava como uma onda na areia. E toda a perfeição do Mundo se tornava alcançável.
Como não amar o músico? Como não sentir amor incondicional pela mão humana que a compusera? Pelo coração que a sentira a primeira vez?
Ambos sentiam exactamente com a mesma frequência. Um deles apenas se antecipara em tornar esse sentimento audível.

Não se conheciam. Nem sequer viveram durante o mesmo tempo.
Mas era Amor.
Porque a Música os definiu. E eram iguais.
Alice

Sunday, February 22, 2009

Ilusões

Há um engano nesta aparente Primavera de sol de cera.
É um pequeno sol que aquece.
Mas a minha casa está fria. A minha cama está fria.
E a luz clara só ilumina a falta. A ausência dum calor que o Inverno já me fez esquecer.

Thursday, February 19, 2009

Hábitos

Sempre quis mudar de casa e viver em Lisboa. Tenho até o sonho de vir a morar perto do Rio...
Para além do mais, sempre perdi imenso tempo em transportes públicos... a tentar sair à noite, a deslocar-me imenso ao fim de semana para poder ter acesso a locais agradáveis.
No entanto, agora que essa realidade está cada vez mais perto (e que a minha casa em Lisboa vai tomando forma) apercebo-me que o meu olhar atento sobre Lisboa se fazia justamente dessas horas em que estava longe. E que as minhas reflexões eram estimuladas pelo decorrer do tempo em que não fazendo nada, à espera de comboios e metros eu era “obrigada” a pensar. Quantas ideias me surgiram no metro? Quantos poemas e contos escrevi no comboio? Quantas vozes, recordações, amores me povoaram o cérebro enquanto caminhava em Lisboa no meu regresso a casa?
E de repente, tenho medo que vinda para Lisboa me emagreça. Que me limite ao belo. Que me cegue, porque não me provoque. Porque foi justamente o confronto da fealdade e da resistência extrema a um mundo que não reconheço que me tornaram no ser que sou e no ser que escrevo.

Monday, February 16, 2009

O leão e a ovelha

Serei sempre o leão.
Não posso fugir a esse desígnio. Não são as estrelas que o determinam. Mas a minha sede de caçador. A minha eterna frieza. A minha rudeza de amar.
Mas tenho em mim a doçura da ovelha. A sua eterna inocência. Tenho até em mim, o amor da ovelha pelo seu predador. Esse amor errado. Desmedido de tão improvável e incoerente. Tenho.
Mas não chega.
Porque o leão sou eu. Quem habita a noite, quem desenha caminhos incertos. Quem se perde. Quem caça e mata. Quem nunca morre.

Quem espera pela ovelha sou eu.
Alice

Sunday, February 15, 2009

Caís das Colunas

Hoje, o Sol voltou em definitivo. Pelo menos à minha realidade. Estive finalmente no Caís das Colunas. Numa Lisboa que adoro e que me está no coração. E se por um lado o meu desejo de viajar se acende como uma chama gulosa, por outro sinto (sei) que o meu coração está ali. No Tejo azul. Na ponte. No terreiro do paço onde já tanta coisa aconteceu. Na luz clara e filtrada que enche os espaços de uma nostalgia doce, que nos adormece numa melodia morna. Num calor morno.
Sei que voltarei. Nem que seja para morrer.
(Lisboa, 15 -02 -09 )




Saturday, February 14, 2009

Album de fotografias

Um album de fotografias. Daqueles convencionais, antigos. Tenho um destes na gaveta da sala. Tinha as minhas fotos de criança, a minha evolução. O meu peso, quando nasci. Os meus centimetros a mais em cada mês.A minha ida para o infantário. O meu primeiro dia de escola.
As fotos param por aí.
Mas o album continuava. Seguia-a a ida para o secundário. A entrada na faculdade. O primeiro namorado. O primeiro emprego.
O casamento. Os filhos.
E assim se resume a vida de uma criança. E de repente, temos 26 anos. E tudo se resume a album velho, que degenerou. Apetece-me rasgar aquelas folhas vazias. Que vão permanecer vazias para sempre ( mesmo algumas que já estão preenchidas).
Substituí-las por outras. Mostrar que existem albuns de fotografias alternativos. Ou então simplesmente existir assim. Com uma vida que se resume a uma infância e a um grupo de fotografias que não pretendem evoluir.

Wednesday, February 11, 2009

Poema do Dia

Há um azul de Primavera
Neste dia que amanheceu
em mim.

Ao longe o cheiro
do Mar toma o meu.
E a bailarina de areia
dança nas ruas.

Alice

Monday, February 09, 2009

Aniversário

Como dita a minha tradição, aqui fica um poema de Sophia.

Lusitânia

Os que avançam de frente para o mar
E nele enterram como uma faca aguda
A proa negra dos seus barcos
Vivem de pouco pão e de luar

Sophia de Mello Breyner Andresen

Sunday, February 08, 2009

Pensamentos

Quando andava no secundário, na minha prova global de Português do 10º ano, a composição final pedia que os alunos redigissem algo sobre o Amor ou a Amizade. Ambos os temas difíceis. Ambos apetecíveis. No entanto, não hesitei e avancei para a Amizade. Pareceu-me ainda mais difícil de transpor para 20 linhas a essência, o conceito que está por de trás desse sentimento. Dessa relação entre seres.
Recorrer a lugares comuns seria óbvio. Dizer que um amigo é alguém que nos compreende. Que nos segue nos nossos pensamentos. Que nos acompanha quando estamos tristes, mais do que quando estamos alegres.
E é isto. E ao mesmo tempo não é.
Na altura em que escrevi o texto rápido, “ao correr da pena” tive a noção de que não conseguia passar a minha mensagem. Que o que sentia era-me impossível de transpor em palavras.
A semana passada, este dia veio-me à memória. E de repente todas aquelas palavras exactas e certas (e inócuas) materializaram-se no meu conceito. E empiricamente senti tudo o que escrevi naquele dia. Tudo aquilo em que acreditava.
Um amigo falou comigo.
E não importou a distância a que estamos. A língua diferente que falamos. A ausência diária que temos das nossas vidas mútuas.
Ele existe. E o Mundo torna-se num jardim azul e perfumado.
E eu não estou só.
Porque a amizade é a total ausência da solidão.

Wednesday, February 04, 2009

A história da cinderela alternativa - parte IV

E assim a Cinderela chegou ao seu concerto, numa mota espectacular e com a sua roupa e botas preferidas. Quando estacionou a mota, ouvia os gritos das pessoas, estava já tudo no recinto, ela apenas esperava cá fora. Com cuidado, para que o tempo assim durasse mais, foi andando devagar. A entrada já estava encerrada e por isso deu a volta por trás da vedação.
Meio perdida por entre grades não sabia que havia olhos no escuro que a vigiavam. Silenciosamente como gatos. Até que, por fim o guitarrista encontrou-a. Ela tinha exactamente aquele ar inocente de quem vive um sonho. Tinha na pele e nos olhos profundos a espera longa. O condensar de um momento que se esvai, como um fósforo que arde rápido.
Dirigiu-se a ela e a conversa fez-se no tom de música. Naquelas frequências que ela conhecia. Afinal até comunicava bem. E nem sequer precisava falar.
Ficaram assim. A ouvir música. O céu até estava estrelado, ou as poucas estrelas que se viam enchiam por completo a noite estática.
A música foi caindo na alma de Cinderela, acomodando-se como o orvalho na relva. Aninhou-se e adormeceu.
Mas ás três da manhã, Cinderela começou a perder as suas calças rasgadas. O guitarrista (ou a música) encostara-se ao seu ombro e permanecera assim, naquela dimensão entre o sonho e a realidade onde as figuras são farrapos de uma incerteza apaixonante. Não se apercebera da mudança de Cinderela.
Estavam ambos descalços, na noite quente e estirados na manta seca de caruma do pinhal aonde o concerto tivera lugar. Quando Cinderela se levantou de repente o guitarrista assustou-se e olhou-a atravessadamente. Ela baixou-se para agarrar as botas e fugir, porque sabia que se olhasse de novo arriscaria desobedecer ao fantasma que tão gentilmente lhe dera aquele pedaço de vida.
Nessa breve atrapalhação em que o guitarrista se manteve hipnótico, ela deixou cair uma das botas que ficou irremediavelmente para trás. Mas ela não se virou e ele não se mexeu.
Quando chegou a casa, tomou um duche quente, entrou na cama e adormeceu.
E assim os dias passaram. E continuaram a passar.
No princípio a Cinderela esperava que o guitarrista aparecesse, que de repente a música invadisse a sua vida. Mas depois, com o passar lento dos dias e os lentos minutos do seu trabalho e da sua vida com Brisela e Anastácia, Cinderela começou a desejar num ter encontrado o fantasma no cemitério. Nunca ter ido ao concerto. Nunca ter conhecido o guitarrista.
Até que um dia, Cinderela saiu do seu trabalho e no caminho monótono para casa, onde se resguardava, viu-o. Estava numa esplanada com a sua guitarra pousada na cadeira a apanhar uns curtos e magros raios de sol.
Cinderela suspirou longamente, como um marinheiro que ao fim de meses vê terra. Mas quando passou por ele, ele olhou-a de forma banal. Cinderela esquecera-se que estava vestida da sua forma e não parecia nada com a mesma rapariga que fora ao concerto. Isso, ou o esquecimento nunca soubera. Mas o guitarrista não a conheceu. Nem a música que emanava dos seus poros a identificou. Talvez ele se cansara de esperar pela rapariga da bota perdida.
Talvez já não houvesse música e estrelas. Ou aquele encanto fizesse parte do acordo que se selara no cemitério e aí tivesse morrido, quando Cinderela não olhou para trás.
Porque agora ela estava intrinsecamente no seu mundo e não conseguia sair dele.
Voltou a casa e dormiu definitivamente.
Fora um sonho. Ela sempre soubera. Nem de outra forma aquilo tudo podia ter acontecido.

FIM



Tuesday, February 03, 2009

A história da cinderela alternativa - parte III

No caminho que fez a pé, passou pelo cemitério. E decidiu entrar. Ali encontrou solidão e um pouco de silêncio que tanto precisava. Caminhou entre as sepulturas velhas, algumas estavam já tão gastas que não se liam os nomes. E Cinderela pensou com tristeza que um dia estaria ali também a repousar. E trabalharia todos os dias até repousar ali. Gostava daquele sítio, os mortos eram bem pacíficos e compreensivos. Tal pudesse já ali ficar. De qualquer forma, seria ali que acabaria por descansar.
“ Tens mais para ver antes de te decidires por este velho cemitério” – disse uma voz.
Cinderela assustou-se porque se julgava sozinha. “Quem está aí?”- perguntou numa voz límpida.
“ Um músico, ou melhor o que resta de um músico”. Deu uma risadinha e disse-lhe “ Podes considerar-me a tua Fada Madrinha”.
Cinderela sentiu-se baralhada e pensou com alegria que estava finalmente louca. Porque quando se está louco, tudo é possível.
Lembrou-se no entanto que estava num cemitério e por isso perguntou “ És um fantasma?”. “Oh, não… não existem tais coisas como fantasmas.” Respondeu nostálgico. O que vês é a tua materialização física da música que toquei”. Porque ela sim continua viva. O corpo és tu que me dás”.
Apesar de tudo Cinderela ficou feliz. Talvez não morresse de todo, um dia. Mas depois pensou no seu concerto, que perderia e voltou a sentir a mesma dor crua no coração.
Até que o fantasma (ou a música) lhe disse: “ Mas vais ao concerto. Eu vou arranjar uma forma de ires. Terás a noite toda, ás 3h da manhã o encantamento quebra-se e voltarás para tua vida. “
Cinderela olhou-o incrédula e pensou “Mas como? Estarei louca”.
“Sim” – foi a resposta dele. “Nem de outra forma estaríamos aqui”. E de seguida olhou para ela e num único suspiro Cinderela viu o seu fato de trabalho transformar-se na sua roupa favorita: uma camisola preta, umas calças de ganga claras, com rasgões profundos no joelho e, o mais maravilhoso de tudo umas botas pretas, pesadas e lustrosas.
Cinderela estava radiante. Olhou-se numa poça de lama turva, mas nunca se tinha achado tão bonita. O lápis preto nos olhos realçava a sua tez. E tudo lhe cabia bem.
Agora só lhe faltava mesmo ir para o concerto. No entanto continuava a faltar-lhe o meio de transporte e àquela hora já não havia autocarros.
“Ah, mas eu tenho a solução”, disse mais uma vez a voz nostálgica. “Olha para aqui!” E quando a Cinderela se voltou, uma magnífica mota esperava por ela. Não podia acreditar, era bom de mais para ser verdade. E antes que não pudesse mesmo ser verdade, subiu para a mota pôs o capacete e acelerou. Antes mesmo de sair do cemitério, um silêncio instalou-se entre si e a sua Fada Madrinha. Queria tanto agradecer-lhe, queria tanto do mais fundo do seu coração, que permaneceram num silêncio especial. E entre as vibrações de tudo que se queria dizer, tudo foi compreendido.

Monday, February 02, 2009

A história da cinderela alternativa - parte II

Até que um dia, chegou a casa da Cinderela um folheto sobre o concerto da sua banda preferida. Ficou logo entusiasmada e correu para o quarto para escolher a sua roupa. Não tinha muita que pudesse levar, mas com um pouco de jeito e imaginação conseguia transformar a sua roupa elegante num fato roqueiro de que ela tanto gostava.
Quando souberam, Brisela e Anastácia olharam uma para a outra e disseram “ Vais a esse sítio horroroso? Mas sabes como as pessoas se vestem? E o que ouvem?”. Andaram à sua volta e comentaram “ Que música horrível, que barulho insuportável”. Mas depois pensaram bem e disseram” Não estás a trabalhar nesse dia, Cinderela?”
“Sim”, respondeu a jovem, mas vou fazer umas horas extras para compensar a minha falta. E elas fizeram um ar tão enjoado que Cinderela se sentiu bem.
No resto dos dias, Cinderela mal dormia. Do seu quarto emanavam as notas de música que faziam tremer toda a casa e nem os gritos (agudos) de Brisela a demoviam. Rasgou umas calças que tinha, colocou um cinto e umas fivelas. Arranjou um lenço preto e um casaco de ganga que ficava mal no conjunto, mas era tudo quanto tinha. Para finalizar, faltavam os sapatos. As únicas botas que tinha já eram muito velhas, e não tinha nada ar de rock. Mas não tinha outra solução. Pelo menos iria.
No dia do concerto amanheceu feliz e negra. Mas quando estava prestes a sair de casa, irreconhecível na sua maquilhagem escura o telefone tocou. Era o chefe a dizer-lhe que afinal teria de ir trabalhar. Cinderela sentiu o chão fugir-lhe e pensou que podia mesmo morrer de tristeza. Sentiu um fardo enorme por cima dos seus ombros que a dobrava e os olhos secaram. Aquele concerto era tudo o que ela queria. Virou costas para mudar de roupa. Retirou devagar toda a roupa que demorara tanto tempo a elaborar. Suspirou profundamente. Quando já estava de volta à sua postura normal, encontrou Brisela e Anastácia que a olharam e lhe disseram ” Fizeste muito bem em desistir. Isso é para delinquentes. Olha vamos jantar fora. Arranja-te e vem connosco!”.
Cinderela sentiu um ódio profundo, uma vontade atroz de as calar. A sua irritação era agora tão premetente que sentiu medo de não se controlar. Com a garganta a tremer, saiu de casa e trocou o autocarro pela caminhada para acalmar os seus nervos, que pareciam ter chegado ao limite.

Sunday, February 01, 2009

A história da cinderela alternativa - parte I

Este blog fez anos dia 29 de Janeiro. Para comemorar esta data, decidi publicar aqui o último conto que escrevi, que é por isso o mais actual. De forma a ficar legível, será posto por partes.
Era uma vez uma rapariga jovem. O seu nome era Cinderela. Tinha uma vida muito ocupada, trabalhava o dia todo, desde a manhã mais sombria, quando nevoeiro cobria a cidade, até à noite que sugava as estrelas num remoinho de escuridão.
A rapariga vivia numa casa com mais duas outras raparigas. A sua mãe há muito que morrera e o seu pai viúvo ficara no campo, numa vivenda abandonada aos corvos.
Para partilhar a casa, a rapariga trabalhava num escritório onde usava um fato muito elegante e uns sapatos de salto alto. Todos os dias, a Cinderela levantava-se cedo, corria para o duche quente e em seguida vestia a sua camisa, o seu casaco de bom corte, os collants sedosos e calçava os magníficos sapatos que as duas raparigas lhe tinham oferecido nos seus anos. “Fora uma prenda” – dissera Anastácia, “ para o teu trabalho”. Na verdade, tanto Anastácia como Brisela troçavam da forma como Cinderela parecia desajeitada no seu fato executivo. Cinderela estava habituada, mas ás vezes aborrecia-se e tinha vontade de fugir, deixar tudo aquilo. E olhava para o seu fato todas as manhã e tinha ainda mais vergonha dele. E tinha mais tristeza.
Por isso, ás vezes ia ouvir música. Ficava a ouvir os solos de guitarra do cimo do telhado estreito. Ou deixava que a bateria soasse mais alto que a sua melancolia. Sonhava com dia em que a música não fosse um sonho. Mas era, e as outras chamavam-na para fazer o jantar, por a casa em ordem. Chamavam-na para os jantares combinados. E mais uma vez os sapatos saíam do armário. E Cinderela era uma marioneta. E no jantar falavam de coisas sábias e fúteis. E de sapatos e de vestidos. E de uma beleza que não lhe era acessível.
Ás vezes Cinderela olhava em volta e via outras raparigas da sua idade. Vestiam jeans rasgados, all star. Botas pretas. E falavam em concertos. Em música.
Pensara tantas vezes em fugir dali. Ah, como ela dava tudo para não ver mais Brisela e Anastácia. Vê-las sorrir porque ela não tinha batom, ou porque o seu pijama era uma t-shirt negra.
Mas a Cinderela precisava de uma casa. E para isso precisava de trabalhar. Por isso chegava a casa, fugia para o telhado. E no dia seguinte, começava tudo da mesma forma.

Sunday, January 18, 2009

O fabuloso destino de Amélie

Perdoa a Amélie.
Ela tem uma curiosa forma de não entender o mundo. Uma forma quase romântica e apaixonada de se perder. Chega a ser atraente a forma como não vê os eternos postes do seu caminho tão irregular.
Mas não te iludas. Para ela, que efectivamente é cega, esses movimentos não são mais do que pequenos passos tontos e incertos para um precipício. Que crê ser eminente a cada passo que dá. Tem nela a convicção profunda de uma vida de roleta russa.
Não vê se lhe estendes a mão. Não vê se a olhas com esses olhos de Mar.
Ela vê os olhos que poderás não ter. As mãos que poderão fugir. O mundo que lhe vive na cabeça e que podes tornar real.
Não queres. Mas ela não sabe. Nunca saberá, porque nunca enfrentará a realidade.

Sunday, January 11, 2009

Wonderwall

Inspiras-me. O teu semblante inspira-me. A tua sombra discreta que passando despercebida na multidão engana a minha frágil descrença na transparência.
És só tu. Um como tantos outros. E no entanto, destacas-te por tudo o que posso adivinhar sobre ti.
É por isso que te escolhi. Tens o que os outros não têm: a ausência.
E na ausência da cor, na ausência da tristeza engolida, nasce um sorriso sincero de quem sabe que não há nada para se perder.
E eu perco-me nesse sorriso espontâneo.
Incoerentemente és a luz que tanto demonstras não ser. O caminho que nunca se deveria seguir. O principio de algo que só poderá ser o fim.

Mas todos os princípios não são mais do que pequenos fins. Tu simplesmente não prometes. E por isso, talvez me salves.


Alice - Wonderwall (Oasis)

Friday, January 02, 2009

Ano Novo

Um novo ano começou. Inevitavelmente, não consigo deixar de pensar em tudo o que aconteceu (ou não aconteceu). Todos os mundos paralelos que se perderam em cada segundo. Onde estaria eu se tivesse seguido esses mundos? O que faria eu se a minha vida não fosse esta?
O ano novo começou. Que é o mesmo que dizer o outro terminou. Que é por sua vez o mesmo que dizer eles são iguais e nada mudou.

A vida é a mesma. E eu continuo.

Com a minha música.
Porque entre anos que ficam ou vão. Entre festas opacas, ela sim permanece. E fica sempre durante o ano todo. Durante todo o tempo.

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