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Thursday, December 31, 2009

Ensaio sobre a beleza II

Nunca ninguém questionou o fim da história de HC Andersen?
Que dizer do patinho, que após uma infância ostracizada se tornou num ser magnífico e belo?
Que é mais feliz? Que finalmente é feliz? Quer perdoa? Que aprende? Que esquece?
Como continuar a história do patinho feio? Inteligentemente HC deixou-nos a continuação nas mãos. Ou no coração.
Porque enquanto o patinho foi feio ninguém gostava dele. Era um ser incómodo, menosprezável. Como aquelas pessoas andrajosas que só existem para nos fazerem sentir mal.
E o patinho era uma nódoa feia que não combinava.
A fealdade incomoda. Mas é transparente.
Todos já fomos ou ainda somos patinhos feios. Simplesmente existem aqueles que não têm consciência suficiente para o perceberem.
Distinguimo-nos uns dos outros não por sermos cisnes. Mas pela forma como somos cisnes.
E eu diria que aquele patinho feio, o do HC Andersen ( e o meu) continuou patinho. Não ficou mais feliz, nem esqueceu. Nem perdoou. Só aprendeu a ver no lago imagens diferentes para a mesma consciência.

Monday, December 28, 2009

Pensamento do dia

É desses frutos que eu gosto. Vermelhos e carnudos.
É da vida que eu gosto.
Deste confundir de horários. De dias. De pessoas.

As pessoas são muito mais interessantes confusas. Trocadas.
Gosto de um pequeno-almoço ao fim da tarde.
Gosto do Mar no Inverno.
Gosto de não ter casa.

Ou a minha casa ser a minha estrada. É onde eu estou.

Wednesday, December 23, 2009

Paris revisited

A tarde na Notre-Damme foi agradável. Passei todo o tempo a tentar perceber se o Quasimodo me espreitava lá de cima. Definitivamente, eu poderia convencê-lo a descer. Mas como ele não apareceu, comecei a desconfiar que era eu quem deveria subir ao campanário. Afinal as “caras mais feias” de Paris devem estar escondidas.

O Sena estava calmo. Como tudo. Os vidros dos edifícios no entanto explodiam para dentro violentamente.

O pôr-do-sol apareceu no rio. Lembrei-me de Monet, que deixara em Orsay de manhã. Toda aquela impressão nos quadros e eu sem impressão nenhuma. Aquele pôr-do-sol inóspito que alguém ali deixara sobre o rio: Monet nunca pintaria aquilo. Lembrei-me de convidar Monet para o campanário. E abandonei aquelas pontes interminavelmente curtas entre a ilha e o resto da cidade.

A Torre Eiffel conheci de noite. Falou-me de mim, para meu espanto. Falou-me daquele sonho que eu tivera um dia quando a vi da janela do meu quarto. Mas não a dei por muito certa. Afinal, eu não sonho. E ela provavelmente imagina todos os dias um amor longínquo que chegará de longe. E que não sou eu.

Paris visto de cima é ainda maior. As praças, as casas, as ruas. É tudo gigante. E nesse espaço amplo e limpo ecoa a minha solidão.

Gostava de retirar a minha solidão da rua. Em Paris já há demasiados mendigos. Levei-a pela mão até La Defense.
Os turistas ficaram longe a tirar fotografias ao Arco do Triunfo. Eu prefiro aquele Arco. Ali tudo foi reflectido no espaço de vidro. O futuro é assim: honesto.
Não há ali nada que se veja. Tudo o que se vê é o que se sabe. Inúmeras reflexões em espelhos corridos. Mas há música. Jazz.
E uns bancos simples corridos, junto a uma fonte com repuxos altos, como numa igreja ou num teatro. Sentei-me humildemente no primeiro banco.

A música. Uma introspecção num fio de luz claro.
A música claro. Ele tinha a música no cemitério. Eu fora a Pére Lachaise e trouxera a música que ele me dera.

Paris é um excelente sítio para se morrer.

Monday, December 21, 2009

Autobiografia

Vivo a espaços desconexos.
Entre os pequenos "Nadas" e "Tudos" da minha vida não sei o que existe. Talvez a vida normal. Talvez alguma coisa da qual eu não saiba o nome.
Talvez alguma coisa que eu não conheça. Que não é Nada, não é Tudo nem é o contrário de nenhuma das duas.
Nos espaços entre eles não sei se estou viva. Também não sei de morri. Não sofro, é tudo o que sei.
Nos outros sou Eu. A face branca e negra. O cume gélido da montanha e a profundeza do pântano lamacento.
O êxtase e o suicídio.
De mãos dadas. De costas voltadas.
Um sempre puxando o outro. Um sempre afogando o outro.
Um sempre ignorando a existência do outro.
Alice

Sunday, December 20, 2009

Coração de papel

O coração de papel voltou. Frágil e delicado como um origami. Tinha nele toda a imaginação do Mundo.
Mas tu choraste sobre ele.

Thursday, December 17, 2009

Sotão

O tempo passou.
O bolor do sotão que tranquei à chave cresceu. Tornaste-te nesse bolor.
Um dia, a realidade mudou: a chave desapareceu porque nunca existiu.

O sotão sempre foi uma casa impenetrável, sem portas ou janelas.

Friday, December 11, 2009

Sem argumentação

A minha questão não é argumentativa.
Não quero explicar. Ou compreender. Não quero expor. Não quero convencer.
Só quero que me deixes partir. Que te esqueças que alguma vez aqui estive. Que ignores que durante este tempo fui como tu.
(Esta dor que me doi todos os dias por ser como tu. Importa lá que me digam que eu não sou como tu... Os dias passam e estou como tu. Nas mesmas esquinas. Vemos as mesmas nuvens. Olhamos os mesmos relógios. Cresce-me um ódio profundo nas mãos de vidro. Um ódio cego por existires. Um ódio cego por eu existir. Por ambos termos de coexistir e não termos nada em comum e ainda assim sermos iguais. )
Quero que não me olhes, como não olhas os mendigos na rua. Quero que não me oiças como não ouves a música na rádio. Quero que não me toques como não tocas a areia da praia ou as folhas secas do Outono.
Quero que não me consideres. Como não consideras essa parte do Mundo.
É dessa parte do Mundo que quero fazer parte. Porque se não a consideras, é porque ela merece ser vivida.

Thursday, December 10, 2009

Rosa Azul II

Nunca houve outra hipótese. Nunca houve alternativa.

Troquei a morte por ti. Essa sedução negra que me salvou. Que me agarrou. Que me insuflou de vida.
Eu só não queria morrer. Não queria morrer todos os dias.
E aceitei essa troca. Aceitei o teu amor incondicional. A tua mão, sempre (e para sempre) junto ao meu coração. Aceitei a tua lealdade honesta. Cegamente.
Nunca me trairás.
Colaste-te às batidas do meu coração. Ouvê-lo primeiro do que eu. Sentê-lo primeiro do que eu.
Se eu te abandonar, tu vais saber. Será como trair-me. Essa faca, nas costas do meu reflexo.

Nunca houve outra hipótese. Não tenho alternativa.
Morrer é tudo o que me é permitido.

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