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Thursday, September 30, 2010

Odeio Política

Nunca costumo formalizar este meu tipo de ódios, mas é verdade: odeio política. E não odeio especificamente a política vagabunda de homens-macacos. Não quero saber se essa é a política a brincar, se esses são os aldrabões que nos roubam o dinheiro com estratégias de marketing, iguais às que se fazem para se promover batatas fritas oleosas que nos entopem as veias.

Porque mesmo quando é a sério, eu também me levanto da mesa, peço muita desculpa e venho cá para fora fumar um cigarro. Esquecer-me que o Mundo é mais sério do que eu. Prefiro olhar para os mendigos que estão cá fora e invejá-los do que voltar ao púlpito e discutir o meu ponto de vista.

Porque eu sei que o tenho, mas faço por me esquecer dele. E prefiro, por razões diferentes, juntar-me à manifestação de ignorantes. E fazer como um amigo, que um dia me disse que votava na Lista da Associação que passava a melhor música.

Tuesday, September 21, 2010

Indução Magnética

De repente mudaste de nível.
Hoje já não te reconheço
A não ser por essa electricidade inconfundível
de quem muda inconfundivelmente.

Não me interessa onde estás:
Interessa-me quanto mudas.
Cheiro os campos magnéticos
Que vais deixando como trilhos
germinados,
Que florescem no cérebro da multidão
orientada.

Cheiro esses campos para te localizar.
Porque já não sei quem és.
Distingues-te porque mudas. E nessa
mudança, só a faísca da tua electricidade
me corre nas veias.

E eu sei que és tu.

Friday, September 10, 2010

Where I lay my head is home

Pelo meu quarto de manhã, passam-me as sombras das pessoas já ali viveram. Mortos para mim, ainda que nunca os tenha conhecido, dormiram na minha cama, usaram os mesmos lençóis e debruçaram-se na mesma varanda. Temos isso em comum: vimos a vida da mesma janela.

Ouvi dizer que eles partiram de Lisboa para o Mundo. Avisaram-me desde o início, como se aquela casa fosse uma mera plataforma de passagem. Como se não chegasse a ser uma casa.

E a verdade é que se eles foram esses viajantes, os sonhos deles estão pintados nas paredes do meu quarto. Porque sonho a mesma coisa todo as noites e já não sei se sou eu ou eles quem ali está.

Foram sonhos o que eles deixaram?

Porque os objectos pessoais e a roupa foram removidos e deram lugar aos meus. É essa a diferença, agora o armário tem alguns cabides com as minhas calças e vestidos. Nas gavetas dispõem-se as minhas camisolas. Em cima da mesa tenho fotografias e as minhas baquetas. O Baixo ocupa um espaço tímido e modesto num canto.

E agora sou eu que chego ao quarto à noite, que fumo à janela, que durmo sozinha, que durmo acompanhada. Que não durmo. Agora sou eu que escrevo no computador dentro da cama ou tiro fotografias abstractas. Sou eu que espreito devagar pela fresta da porta e atravesso o resto da casa sem roupa, enquanto oiço Lisboa a encher-se do vazio da noite. Aquele é o meu quarto, é o onde deito a minha cabeça, onde estou exposta nos mapas que colei na parede ou no poster do Jim Morrison que me lembra sempre que a Musica está lá para mim.

Sou eu que habito aquele quarto, da melhor forma que sei. Mesmo quando não estou, aquele quarto é melhor espelho de mim.

Agora que também eu vou partir de Lisboa para o Mundo, também a minha sombra já por ali paira em algumas noites, vai juntar-se às outras e fabricar mais um pouco daquele fato que o quarto veste. Como se fosse um Arlequim formado de retalhados que nós vamos deixando.

Agora que também eu vou partir de Lisboa para o Mundo deixo aquelas sombras e com isso torno-me numa delas. Preparo-me para morrer, para me tornar no próximo sonho da próxima pessoa que vai dormir na minha casa e vai tentar imaginar como eu era. E assim, morrendo de mansinho, vou nascer noutro sítio, noutra casa com outras sombras.

Estou viva enquanto estiver em casa, e a minha casa é onde eu estou. E estou sempre de passagem, como as melhores casas.

Tuesday, September 07, 2010

Não existe tal coisa como o Amor

É quase uma desilusão, mas não chega a ser. Não existe tal coisa como o Amor. Um dia sentas-te no sofá e dizem-te de mansinho: “O Pai Natal nunca vai chegar”.

E lá no fundo a criança já sabe. Já chegou àquela idade em que lhe dizem, só para que ela pare de arranjar desculpas para se mentir a si mesma. E a desilusão é só isso: a formalização. De repente já não tem permissão para mentir de forma tão profunda. Ou para sonhar – é a mesma coisa. A dor só chega depois, quando percebe a falta que aquela mentira faz.

Um dia mais tarde, acontece o mesmo. Chegas a casa, sentas-te no sofá e dizem-te que não há tal coisa como o Amor. Mas desta vez, riem-se de ti. E desta vez, a mentira dói mais, quanto mais não seja porque é a segunda.

Mas admites que já desconfiavas. Afinal toda aquela aprendizagem sobre a imagem do Pai Natal estendeu-se por toda a tua vida. Foi isso que ele te deixou acima de tudo, a certeza da solidão e a inevitabilidade das coisas certas. E sentes essa desilusão no eco gasto do teu ser, em todas as vezes que passaste noites à espera do teu Amor ou nas noites em que julgaste tê-lo e as gargalhadas que te atiram são quase cruéis. Mas são sinceras, e uma vez que percebas que tudo isto é uma ilusão também te vais rir dos jovens apaixonados. Na verdade hoje ris-te das crianças que não dormem com a excitação de esperar pelo Pai Natal. E é tudo a mesma coisa.

Não existe tal coisa como o Amor. Mas não é fim do Mundo. A dor, a grande dor vai chegar quando perceberes que tens saudades de estar apaixonado.

O amor não existe. Mas és tu que o crias.

Thursday, September 02, 2010

Desabafo IV

De certeza que já te aconteceu. Escrever folhas e folhas e depois apagar tudo. E depois de apagar tudo, olhar para a folha em branco e sentir consolo. E é esse consolo que me perturba. Sinto-me revista numa folha em branco esvaziada do seu propósito.
De certeza que já te aconteceu. Sentir que as ideias não são minhas, ou sendo minhas não são ideias. São cópias ordinárias, caminhos desabrochados com a criatividade de serem medíocres. Acendo candeeiros de todas as cores no meu caminho, mas depois só me apetece a luz da escuridão e corro a apagá-los novamente. E durmo consolada no escuro onde alguém me pinta pesadelos.
Se calhar já te aconteceu. De certeza que já te aconteceu. A vida ser um gigantesco precipício de vazio, mas poder cair indefinidamente nesse buraco e nunca morrer.
Ou talvez nunca te tenha acontecido. Talvez esta seja mais uma das minhas folhas prestes a ser apagada, a versão de algum outro texto que já escrevi. Talvez nada disto exista e agora que percebi isso, esteja preparada para me consolar novamente com a folha vazia.

Mas hoje escolhi uma forma de masoquismo diferente. E aqui fica o reflexo no espelho do meu vazio: uma folha preenchida.

Wednesday, September 01, 2010

Não-Vivido

“Mais tarde será tarde e já é tarde
O tempo apaga tudo menos esse
Longo indelével rasto
Que o não-vivido deixa”


O que me deixaste foi isto, um rasto fluorescente de não-vivido. Um caminho bem delineado feito de nadas, de vazios, de buracos no queijo, de ausências em bancos de metro onde não era suposto ninguém sentar-se.
O que me deixaste foi esta crença para acreditar nesta não-vida e buscar nela as vantagens que não existem. Essa crença patética de palavras luminosas e extravagantes onde pisca publicidade enganosa.

E eu habituei-me como mendigo a ir ao caixote do lixo e a vasculhar a vida entre os restos dos outros, como para que usar o que eles já não quiseram e deitaram fora.

Porque a tua crença não me deixou nada; não tenho restos para deitar fora. Acorda apenas em mim esta humilhação de ver a vida por entre as gotas de chuva, quando em alguma janela eles me estendem pedaços de pão (ou de coração) para que não os perturbe com esta estranha maneira que tenho de não-existir.

Hoje, com as mãos cortadas à força de as sonhar calejadas, sento-me à tua porta e admito que me vendas a tua crença. Pelo dinheiro que quiseres, tornaste-te no meu traficante predilecto, a minha droga é esse caixote do lixo esquelético.
E imploro-te que me injectes disso, dessa visão. Não aguento mais abrir os olhos no escuro todas as noites e ver essa fluorescência. Não sei como deixar de não-viver quando toda a minha não-vida me persegue.

Só que já é tarde.
Já é demasiado tarde. Já nada apaga esse trilho.
E vendo-te o meu corpo, já meio desgastado por esta fluorescência que te encandeia os olhos. É o único que vai existindo, mesmo sem contexto.

Vende-me um contexto. Pode ser que assim o tempo o apague.

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