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Thursday, December 09, 2010

Humpty Dumpty

Ah, os estereotipos! As nuvens escondiam o Sol e a sala mantinha-se também ela fria apesar dos aquecedores estarem no máximo e as bochechas dela estarem a arder. Todas aquelas pessoas escondiam um olhar assustador debaixo dos casacos de simpatia. Ela pelo contrário, escondia a sua paixão na camisola demasiado grossa que a fazia parecer mais gorda, e o resultado era um olhar desadequado do mundo, que fugia pela janela.

O professor chegou e disse uma piada, da qual toda a gente se riu. O humor sempre fora a forma mais barata de comunicação e por isso ela sempre o detestara, mas riu-se também numa patética tentativa de integração.
Não tinha relógio mas começou a perguntar-se que horas seriam. Como um principio de uma tarde interminável.

"Vamos falar sobre os homens e as mulheres hoje! - Quero a vossa opinião: acham que os mulheres se preocupam mais com as aparências do que os homens?" E logo um coro excitado respondeu que sim, que as mulheres gostam de se produzir e que os homens gostam mais de ver futebol. São mais simples os homens e não têm paciência.
E até ele, até ele disse que gostava de ir ás compras sozinho e que não se imaginava a ir com uma mulher.

Ela mantinha-se impenetravelmente calada.
Até ele...

Timidamente disse-lhe " Eu gosto de ir sozinha e sou uma mulher". Ele demorou-se um pouco mais sobre ela, estavam proximos suficientes para ela ver o olhar confuso, talvez até desiludido, pensou ela.
Deu um suspiro interior e as suas bochechas tornaram-se ainda mais vermelhas e sentiu-se ainda mais gorda debaixo da camisola demasiado grossa que não se dera ao trabalho de escolher na loja.
Ele, pelo contrario, estava impecavel na sua roupa casual e o cabelo mal penteado para trás.
Aquele professor roubara-lhe toda a feminialidade num abrir de boca.

Chegara da aldeia para ver o Mundo. Onde estava seria um caminho facil para o casamento e os filhos e ela tinha sonhos. Foram alias esses sonhos que a projectaram em viagens e a trouxeram ali. Nao sem antes abandonar todo o pouco que tinha, rasgar o coração para o cesto dos papeis e limpar da agenda de telefones todos os que insitam em ser Passado.
Não sem antes olhar ao espelho e gostar de ser a mulher que nunca brincara com bonecas.

E agora o espelho era a cara do professor que a ignorava. "Meninas", dizia ele, entusiasmado com o tema "Quantas vezes por semana vão ao cabeleireiro?" E logo um coro excitado lhe respondia e falava da cor do cabelo. Ela esteve para lhe dizer que já tinha pintado o cabelo de azul, mas sentiu que era inapropriado.
Que silencio embaraçoso.
Ah, e os olhos dele continuavam nela: estaria ainda desiludido?
Ela sentiu isso e disse-lhe "Não sou uma mulher tipica, não me faças mais perguntas."

Nesse dia, no caminho para casa foi pisando as folhas do Outono enquanto contava o numero de coisas que fazia igual ao resto das pessoas pelas razões opostas.
E o Mundo era uma peça de teatro sobrelotada e alguém lhe derá um bilhete falso, com um lugar numa cadeira inexistente.

No dia seguinte porém ele apareceu ainda mais sorridente do que o costume e a brancura dirigiu-se para ela. Mas ela não queria saber, por isso despiu a camisola grossa e com o sentimento desapareceu a gordura. O sol lá fora iluminava-lhe a cara e ela gostou do aquecimento das bochechas, apesar de se ter despido dos preconceitos e ser só ela, diferente das outras mulheres.

Porém, ele ignorava o sol e olhava só para ela. "Que insensivel", pensara rapidamente enquanto ele lhe escrevia no papel "Porque achas que os homens hoje em dia se preocupam mais com as aparências?" Ela encolheu os ombros distraida " talvez porque as mulheres começaram a ser mais exigentes. Dantes, bastava a uma mulher ter um homem forte e que fosse um bom pai." Depois parou de baloiça a cadeira e disse-lhe " E tu, que pensas tu?"
Ele arrumou o caderno e nos seus dentes brancos, descansava uma resposta, breve como sempre " Acho que é uma questão de dinheiro, alguém descobriu que vender a moda a homens faz dinheiro."
E pela segunda vez ela pensou que aquilo era mesmo simplista.

Antes de a aula terminar, porém, o professor passou-lhes um poema. Era um poema curto que falava da efemeridade do Amor, das rosas que se amam no lugar de corações. E enquanto ela lia silencosamente e pela primeira vez sentia a pele a respirar, ele deu curtas risadas e abanou a cabeça. As sobrancelhas dela no entanto colocaram-no no lugar e balbuciou "Só não gosto muito de poesia, mas gosto de ti".

Afinal ela era tão feminina como as outras.
E não gostou.

Tuesday, December 07, 2010

A Rosa Azul

Ás vezes, uma certeza claustrofica apanha-me à noite a chorar. Sempre tive o horror da morte a queimar-me a pele. Quando era mais nova, adormecia a pensar no Universo e em quão pequena eu era no meio dele. Depois, vinha uma onda de consciência que me abanava: era como se eu visse o plano de cima e entendesse a efemeridade do meu corpo. E do alto dos meus seis anos, eu percebia que tudo ia terminar, e que um dia não mais eu formularia pensamentos, ou estaria assim deitada a ter consciência das coisas.

Depois a onda de consciência avançava brutalmente sobre mim. E o plano visto de cima parecia apenas mortifero, sem proposito. E eu sentia-me um condenada sem ter tempo de perceber qual é o jogo que se está a jogar.

E perguntava: “porque é que vivemos?”, “o que é o Universo?”, “onde está o Universo e o que existe para além dele?”, “qual é o proposito de tudo isto?”. A minha mae olhava para mim confusa e limitava-se a dizer que um dia na escola eu perceberia. Ou não fosse eu a criança que aprendera a ler aos quatro anos.

Mas eu sabia que não. E por isso, essa onda de consciência horrorizava-me. Bloqueava-me o corpo na cama enquanto a noite lá fora continuava calma, como sempre. As imagens do futuro preenchiam-me o presente e eu só conseguia ver que tudo aquilo que eu tinha, toda aquela vida quotidiana ia acabar. E que eu seria apenas uns quantos ossos espalhados por uma terra qualquer.

Um dia, ainda nos meus seis anos, ganhei coragem para pronunciar o que tanto me angustiava de noite. Cheguei perto da minha mãe e tentei falar-lhe, mas inesperadamente surgiram lágrimas em vez de palavras. Logo a mim, que nunca chorava. “O que se passa?” dsse ela. E eu finalmente expeli os meus pesadelos “Não quero morrer!”.

E ela riu-se.

“Todos nós morremos.”

Lembro-me que nessa altura pensei que se ia ter que lidar com aquela angustia para sempre todas as noites era melhor nunca ter nascido. E porque tinha eu que pensar naquilo? Nenhum dos meus amigos com seis anos pensava na morte.

Comecei então a não deixar avançar a onda de consciência. Porque se tivermos os nossos dias preenchidos e atarefados, se tivermos sonhos e objectivos, a cama encntramo-nos cansados à noite e um dia morremos sem dar conta.

Pensar é um erro. Sim, descobri-o muitos e muitos anos mais tarde. Mas é um erro inato em mim. E mesmo cansada dou por mim sem sono à noite. E os pensamentos têm na minha cabeça o melhor sitio para se desenvolverem até se tornarem disformes e suicidas.

Por isso, depois passei apenas a ceder a uma parte da consciência que descia sobre mim.

Costumava dizer para mim mesma (como se não estivesse sozinha) que ainda faltava muito tempo para que a morte chegasse à minha vida. E que não valia a pena cansar-me em angústias futuras. Depois tentva pensar no mar e no barulho das ondas. E adormecia.

Agora que passaram mais de vinte anos sobre os meus seis já começo a não ter forma de me enganar e em noites de angustias e de choro compulsivo no meio de uma solidão fria até aos ossos, vejo-me confrontada com o meu dilema ancestral.

“Quem sou eu afinal? O que é isto, onde eu estou?Quem são as outras pessoas e o que está dentro delas? Para que é estou aqui?” E tudo parece ( ou efectivamente é) um enorme buraco sem fim. Um buraco da mais profunda solidão. O buraco onde a Alice caiu.

Nada parece fazer sentido.
Porque nada faz sentido.

Acendo a luz. É mais um pesadelo. Um sonho meio desfeito, meio real, com fronteiras dificeis de apalpar. As pequenas logicas vão aos poucos tomando conta de mim.

E a primeira é a que não estás ali, como de costume, para me abraçar e me dizer que o teu amor faz sentido ainda que o Universo seja um caos.

Acordei de um pesadelo para outro. Será sempre assim, até morrer.

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