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Sunday, November 17, 2013

Thursday, October 17, 2013

Poema lido

Poema "Posso escrever os versos mais tristes esta noite" de Pablo Neruda
Música: Banda sonora do filme "O Piano"



Monday, August 05, 2013

A Bela e Monstro

Maria partiu todos os corações quando era muito jovem. Social, faladora e ciente de como chamar as atenções isso nunca lhe foi dificil. Desde muito cedo que assimilou a necessidade  de se impôr num mundo onde nada mais existia para além da graciosidade, do poder do pódio e da beleza das conquistas. Trazia inevitavelemente atrás de si, uma longa colecção de corações que acabava sempre por destroçar. Os rapazes mais populares viam igualmente nela um prémio apetecivel, mas eram sobretudo os rapazes tímidos e frágeis que a seguiam. Para eles, Maria era uma espécie de Deusa,uma celebridade que enche as paginas das historias côr-de-rosa. Dona de um corpo perfeito, o seu sorriso sempre aberto mostrava uma aparente generosidade que a santificava. Mas aquele muro empático escondia a sua voracidade egocêntrica: Maria colecionava pessoas. Como uma viciada em heroina, Maria atraía os homens para os ter à espera. O seu vício consistia nesse prazer constante de saber o desejo dos que a rodeavam. E sempre que um partia, ela arranjava outro como para não desmanchar aquela aurea que mantinha em sua volta e que, nem nunca se dar conta, era o que usava para evitar confrontar-se com a sua mais profunda solidão.  
Percebi, depois de a conhecer, que ela nunca estivera apaixonada e tão pouco sabia o que era essa dor e essa alegria de finalmente se encontrar viva. Por detras daquela fachada perfeita, escondia-se uma imperfeição de pessoa, constantemente inacabada ou superficial. E por isso, na correria dos seus dias sempre ocupados, Maria nunca percebeu a dor que foi causando. No entanto, Maria valorizava a amizade acima de tudo, muito acima de qualquer amor que pudesse ter. Era com amigos que conseguia relaxar e deixar as suas poses. Era com amigos que aproveitava a vida, e foi com amigos que aprendeu a ouvir outras histórias e a relativizar o seu ponto de vista, sempre tão unilateral e pragmático.
Em mim, Maria viu uma pessoa contrastante e misteriosa. Confessou-me a sua vida em pouco tempo, não resistindo à minha maneira taciturna de ser bom ouvinte.  Pediu-me conselhos, expôs as suas falhas e levou-me em viagens obscuras até ao seu passado. Assim conheci a história de Jorge, um dos seus namorados. Conheceram-se numa festa e a Maria agradou-lhe o seu visual latino e fresco. Jorge tinha um excelente aspecto, a sua barba por fazer rente à face era charmosa sem ser vadia. O seu corpo alto e cuidado, a sua forma simpatica de acolher convidados, tudo isto Maria achou delicioso. Em menos de uma semana, conseguiu levá-lo a jantar. Mas aquela aparência em breve pôs a nú um rapaz frágil e demasiado empenhado no conforto dos outros. Jorge era estudante de música e tocava saxofone. Passava muito tempo sozinho e gostava da sua vida pacata e elitista que se alimentava sempre dentro do mesmo círculo. Maria confessou-me que tivera sido difícil convencer Jorge a sair com ela. Como quase sempre acontecia, Maria forçava as situações até ao limite do impossível. E perante tamanha  desfaçatez, Jorge sucumbiu. Porque era sempre assim, Maria era capaz de sair depressa do pântano que causava, mas uma vez entrando naquelas areias, sabia que Jorge jamais saira delas. E assim aconteceu, quando ao fim de algum tempo Maria se cansou das horas que Jorge passava a ensaiar, ou se queixou dos poucos amigos que tinha. Fora uma desilusão, dissera-me ela. Ele não era o que prometia. Nessa altura, pela primeira vez, percebi quão dura era a sua crueldade. A sua pretensa perfeição estilhaçou-se aos meus pés e tudo o que conseguia ver era um Monstro embelezado.
Jorge sofreu para além do limite com aquela separação. Mais do que perder um amor, perdera a sua identidade. Sentia que a sua vida era ridicula, e que o seu estilo de vida melancólico era um empecilho. Quando mais tarde o vi, ele parecia ter seguido literalmente as passadas de Maria, borrara da sua vida a ternura e a compreensão e agora dominava a arte do pragmatismo, e procurava incenssantemente a luz de qualquer ribalta.

Foi nessa altura que também eu deixei Maria. Cansada de esperar que o Monstro começasse a amar, percebi que não havia chão para que medrassem rosas. Nunca Maria mudaria quem era. Por isso escrevi-lhe uma carta em que me despedi da nossa breve amizade, dizendo-lhe que seguiramos caminhos diferentes e que não mais fariam sentido as suas confissões. E não mais pensei nisso, até receber as cartas e os telefonemas destroçados de Maria que vez após vez me pediam a nossa amizade de volta. Dizia que eu lhe fazia falta e não compreendia as minhas razões. Quando lhe disse que a empatia entre nós se tinha esvaído e que eramos duas pessoas demasiado diferentes para irmos tão paralelas, Maria percebeu que era uma desilusão para mim e que não dera tudo o que prometera. E eu dei-me conta que sem querer, fui o seu primeiro Monstro.  

Sunday, July 28, 2013

Quando eu sonhava contigo.

Lembro-me que que costumava sonhar repetidamente contigo e nunca te disse.
Primeiro porque estive apaixonada.
Depois porque o tempo mudou. E a vida mudou.
E as casas trocaram de lugar.
A seguir a uma vida veio outra.
E de vez em quando sonhava contigo. Mas não te dizia.

Depois tu estiveste apaixonado. E o teu tempo mudou. A tua vida mudou.
As casas voltaram a trocar de lugar.
E parecia não haver mais vidas a seguir àquela.
E claro, não te dizia que sonhava contigo.

Mais tarde desencantados seguimos solitários:
Eu sem ninguém, Tu com toda a gente.

Eventualmente um dia acabámos por nos encontrar no mesmo sítio, com o mesmo
número de vidas e de casas trocadas.
Mas já não eramos nós e sim os resultados de todas essas versões.  
E tu dizias que nunca sonhavas.

Hoje já não há casas para trocar e acostumámo-nos a ser felizes porque estamos vivos.
Se morrermos amanhã, nunca saberás que sonhei contigo.
Senão morrermos, talvez te diga. Ou talvez, como sempre,
acabe por esperar mais um pouco.

Monday, July 22, 2013

Existência

Não tenho moral
nem qualquer valor
para além de ti.

Não acredito em nada que não
seja isto.
Não vejo nenhum propósito que
não seja o de viver
para sentir isto.
E todo o mar, todo o vento,
todas as coisas que me fazem sentir,
trazem-te carregadas ás costas.

Quer porque me lembram de ti,
Quer porque me falavam de ti antes,
Quer porque permanecerão lá
como um tecido arrancado à nossa pele
quando desvanescermos.

Nao existe nada para além do tudo.
Nos intervalos somos conchas mudas,
cada uma na sua interminável existência
Despropositada.
Aninhados na total ignorância uns dos outros.

Mas eu tenho-te. Que e como quem diz: conheço-te.
E nao mais as pedras são só pedras. Ou a vida apenas
um conceito.




Música de fundo da bandasonora do filme "Beginners".

Tuesday, June 25, 2013

A condição Humana

 Never let me go revirou-me o estomâgo. Tal como na maioria das mentes tambem na minha cedo se formou a fundamental pergunta, logo  que nos apercebemos do destino mórbido dos protagonistas: porque nao fugiram? No entanto foi apenas uma ideia breve que me povou o cerebro, quase um grito pessoal que se escapou de alguém que nao se conforma com nada e que recusa tudo o que nao seja a própria liberdade. Porque eu sabia que eles não iam fugir, é esse aliás o intuito do filme, mostrar-nos como podemos ser pássaros presos em gaiolas de portas abertas
O que me perturbou por demais neste excelente filme foi essa noção de passividade, de aceitamento de um destino dado como único. E para o qual nao há revolta ou indignacão. Para o qual não há sequer uma dúvida, um ligeiro ponto de interrogacão. Nem o sofrimento, nem a miséria, nem a injustiça conseguem ver mais do que as frageis camadas dum cérebro condicionado a aceitar. E neste ambiente, cada porção de felicidade é agradecida, esmiuçada e assim – quase eterna. Mais do que vê-los tratados como objectos em prateleiras de supermercado, entristeceu-me este seu apego a pequenas migalhas.
O autor do livro que deu origem ao filme, Kazuo Ishiguro, é ingles de origem japonesa e dizem os críticos que a historia do filme faz juz justamente ao pensamento nipónico de  inclusão de regras e de um cultural aceitamento. A verdade é que a última vez que esta sensacão de tristeza funda me assolou, foi no final do filme “Memorias de uma gueixa”. Depois de vendida pelos pais, escrava desde criança e gueixa sem qualquer opção, a jovem Sayuri consegue tornar-se a exclusiva do homem por quem esteve sempre apaixonada. E apesar de ele ser casado, ela termina com a seguinte citação:

To a man Geisha can only be half a wife. We are the wives of nightfall. And yet to learn of kindness, after so much unkindness... To understand that a little girl with more courage than she knew, would find that her prayers were answered. Can that not be called happiness?

 Podemos ser ingratos. Podemos ser ambiciosos. Mas podemos também, alimentar sonhos e quebrar impossíveis. Não será isso afinal que faz de nós humanos?


Saturday, June 15, 2013

Some girls are bigger than others

Era o primeiro dia de aulas da faculdade de Inês. O secundário estava finalmente para  trás e com ele longas horas de desespero mudo entre colegas atarracados e professores petulantes, obesos de uma banalidade que enjoava. No entanto, enquanto apanhava o metro sentia ainda o passado como presente; um corpo ligado à maquina cujo obito acabara de ser declarado. Todo aquele passado, embora maioritariamente vazio era tudo o que conhecia. E sem ele a sua nova pessoa era uma tábua rasa à espera de nova escrita.

Ao longo dos anos colecionara pessoas das diferentes escolas por onde passara, sem nunca se relacionar profundamente com nenhuma. Gostava de escrever, mas saiu do Jornal da Escola quando um dos professores não aceitou o seu artigo sobre a efemeridade da Neve que caira nesse ano, numa cidade sempre quente. Mais tarde, noutra escola o ensaio de Português sobre o seu escritor favorito Oscar Wilde veio rejeitado por estar escrito de forma arrogante. No último ano recusou-se a participar no programa da escola de voluntariado a crianças com cancro. Todos os seus colegas de classe o fizeram, apregoando as desgraças das vidas que viram desaparecer. Lembro-me de ver Inês nesse ano, sentada ao fundo da sala do pavilhão onde a apresentação teve lugar. Quando os seus colegas terminaram de falar, a audiência chorava em peso sem se dar conta que não eram os clichés daquelas frases baratas mas a ideia da sua própria morte que lhes molhava os olhos.  Inês limitava-se a ouvir e a observar passivamente e de vez em quando os seus olhos pretos cor de azeitona afastavam-se. Nessa noite, talvez pela fragilidade da vida que mais ninguém vira naquela sala, Inês confessou-me à saída da sala que conhecia uma rapariga cuja mãe tinha apenas 6 meses de vida. “É tua amiga?” perguntei-lhe eu, enquanto ela se sentava na beira do lago de pedra que era o Mundo absoluto de três peixes vermelhos. Ela riu-se naquele seu jeito sempre bem disposta: “Importa apenas o que estas pessoas não sabem quendo fazem apresentações como estas”.

Inês adaptou-se à nova vida na faculdade em menos de uma semana. Um novo mundo cheio de novas pessoas estremeceram as suas articulações e balançou-lhe as perspectivas. Ao fim de algum tempo tinha um grupo de amigos com quem estudava e ouvia música. Cada dia a vida lhe trazia uma nova surpresa e Inês descobriu-se uma pessoa diferente capaz de apreciar pequenos doces da vida sem se sentir mutilada. Pensava frequentemente que na antiga escola era um dos peixes vermelhos presos num ridiculo lago de pedra, mas que o oceano era infinito. Nunca vi Inês tão feliz como nesse tempo e talvez nunca mais a volte a ver. Nestas noites ela escolhia a roupa que melhor lhe acentava sem uma ponta de narcisismo. Ria de forma perfeitamente espontanea e agitava-se na sua pele uma tranquilidade de quem encontrou o que procurava. Havia uma inocência nessas noites que cheirava a alecrim. Lembro-me dessas noites porque essa inocência que exalava dela me acalmou a mim também.
Durante esse tempo Inês estabeleceu uma relação silenciosa com um rapaz tímido que se sentava à sua frente nas aulas de matemática. Os seus olhos pretos perscutavam toda a intencionalidade das mãos grande e delicadas e do corpo franzino preso numa roupa quadrada e impessoal. Quando lhe perguntei porque é que ela gostava dele, disse-me que ele não a julgava. Na altura não entendi a resposta. Mas agitei-me com a  estranheza de a ver estabelecer a relação mais profunda da sua breve vida com alguém com quem não falava. Quando o semestre chegou ao fim eu sabia que ela estava irremediavelmente apaixonada. Não era um amor físico e vadio e tão pouco uma paixão platónica. Inês tinha finalmente conhecido os laços de uma amizade profunda e sucumbira ao seu efeito mais radical.  Mas a vida na sua lentidão e podridão ainda não lhe tinha mostrado tudo. Com o passar do tempo a sua nova vida era agora tudo o que conhecia. E um dia houve em que se apercebeu novamente da sua estranheza entre os seus. As conversas perderam-se porque nunca evoluíram com ela e aquele silêncio das aulas de matemática era cada vez mais reconfortante, como a Neve que caíra e que ela imortalizara naquele pedaço de papel. E numa tarde igual ás outras atendeu o telefone para que a rapariga de que me falara meses antes, lhe dizer que a mãe tinha finalmente morrido. Os seus colegas riam na esplanada enquanto ela recebia a notícia sem saber o que dizer. Quando desligou, sentou-se à mesa e contou-lhes. As suas expressões vazias eram iguais  às lagrimas ignorantes que nunca derramaram. Depois de umas poucas palavras ocas voltaram às suas realidades de peixe vermelho sem que nada mudasse nos seus pensamentos sequer por um segundo.  

Só a vi semanas mais tarde. Disse-me que agora estudava sozinha, num outro pavilhão. Quando lhe perguntei pelo rapaz limitou-se a encolher os ombros com uma indiferença que me emocionou. Eu vi-o também algum tempo depois de Inês ter endurecido. Sentado num banco de madeira resistia com dificuldade a uma rapariga ruidosa que o rodeava e lhe tentava entrelaçar as mãos nas suas. 


Sunday, May 12, 2013

I hate you so much!


Hoje é segunda-feira e chove. Entre as cortinas de gotas, tudo se passa num clima morno de passividade. Há uma calma zen que me pertuba. Uma eterna aula de yoga que não paguei e da qual não consigo sair. Onde está o meu ódio? Mudo de música. Visto o casaco, saio à rua.
Os meus movimentos bruscos desvanecem, ninguém parece notá-los. Que se passa na minha face? Ninguém vê a minha raiva? Ninguém reage aos murros que dou no ar? Que desapontamento.
Se ao menos parasse de chover. Se ao menos aparecesse alguém que eu pudesse odiar. Mas odiar a sério, visceralmente. Alguém que me fizesse tremer. Sinto saudades dessa paixão invertida.
Mas a chuva é a simbologia da calma drogada que se abate sobre todos – eu incluída. Neste mundo cor-de-rosa todos são iguais e igualmente bonitos. Todos estão certos – a vida é que tem demasiados caminhos possíveis. As diferentes faces esticam-se na minha direcção “acerta-me e amar-te-ei de qualquer forma”. Um gesto tão apaziguador, que para além de aniquilar qualquer ódio que pudesse florescer, acaba por apodrecer tudo. O que resta de ti é nada. Um vazio insuportável de sentimento algum. Porque quando a chuva limpa tudo, não gosto de ti nem deixo de gostar.  
Mas o tempo há-de mudar. E ao virar da esquina, voltará a aparecer alguém tão medonho que o meu corpo se irritará só de ouvir a sua voz. Alguém que detestarei de coração inteiro e até ás pontas de todos os meus nervos. 

Porque odiar é amar ao contrário. E só tendo ambas as metades podes dizer que realmente vives.


Saturday, May 11, 2013

"Quando morrer, voltarei para buscar os instantes que não vivi junto do mar"

A praia só tem duas cores : azul e amarelo. Tudo o que fica para além delas está para lá do horizonte e nunca interfere.
O sol está sempre a pique, é meio dia em todos os relógios do mundo. A areia recorta-se em lascas de conchas onde o sol reflecte tímidos arco-íris. Os grãos graúdos enterram-se com os passos, deixando para trás pequenas dunas que se emperigam com a brisa. O calor torna a areia morna e ela liberta aquele odor a doce,  sempre quente.
Chegando à beira mar, os pés arrefecem e a água das ondas rasas deixa uma linha na pele separando o seco do molhado. O cheiro da areia junta-se ao da maresia. O bater das ondas contínuo é reconfortantemente sempre o mesmo. Um som que acalma e espevita a vida.
Não há sombras nem projecções. A luz ilumina todos os espaços e aquece tudo.

E rompendo a orla, o meu corpo entra na água. A espuma desfaz-se nas minhas mãos e sabe a sal. O mergulho é amplo, repleto de continuidade. A minha pele escura brilha dourada enquanto os meus cabelos húmidos absorvem o cheiro a iodo. As ondas levantam-me no ar para momentos depois me pousarem de novo, delicadamente.

Fico assim, eternamente. E é sempre tão pouco. 



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