Hoje é segunda-feira e chove. Entre as cortinas de gotas, tudo se passa num
clima morno de passividade. Há uma calma zen que me pertuba. Uma eterna aula de
yoga que não paguei e da qual não consigo sair. Onde está o meu ódio? Mudo de
música. Visto o casaco, saio à rua.
Os meus movimentos bruscos desvanecem, ninguém parece notá-los. Que se
passa na minha face? Ninguém vê a minha raiva? Ninguém reage aos murros que dou
no ar? Que desapontamento.
Se ao menos parasse de chover. Se ao menos aparecesse alguém que eu pudesse
odiar. Mas odiar a sério, visceralmente. Alguém que me fizesse tremer. Sinto
saudades dessa paixão invertida.
Mas a chuva é a simbologia da calma drogada que se abate sobre todos – eu incluída.
Neste mundo cor-de-rosa todos são iguais e igualmente bonitos. Todos estão
certos – a vida é que tem demasiados caminhos possíveis. As diferentes faces
esticam-se na minha direcção “acerta-me e amar-te-ei de qualquer forma”. Um
gesto tão apaziguador, que para além de aniquilar qualquer ódio que pudesse
florescer, acaba por apodrecer tudo. O que resta de ti é nada. Um vazio
insuportável de sentimento algum. Porque quando a chuva limpa tudo, não gosto de
ti nem deixo de gostar.
Mas o tempo há-de mudar. E ao virar da esquina, voltará a aparecer alguém
tão medonho que o meu corpo se irritará só de ouvir a sua voz. Alguém que
detestarei de coração inteiro e até ás pontas de todos os meus nervos.
Porque odiar é amar ao contrário. E só tendo ambas as metades podes dizer que realmente vives.
Porque odiar é amar ao contrário. E só tendo ambas as metades podes dizer que realmente vives.