I.
Eram 22 horas quando ele finalmente abriu a porta e saiu
daquele mundo. Não estranhou a areia grossa nos pés, nem o silêncio rochoso que
de um momento para o outro o rodeou. Não estranhou a noite azul púrpura na
retina dos seus olhos nem a brisa quase estática, quente e perfumada. Não tinha
tempo para estranhar, ocupado como estava a sentir-se feliz.
II.
Fazia já alguns anos que estas pontadas lhe surgiam. Como
dores agudas nos ossos, quando o tempo muda, estas pontadas iam e vinham. Ás
vezes demoravam-se um pouco mais e ele pensava “tenho de tratar isto”, mas
acabava sempre por se fazer esquecer. Até
à proxima pontada. E eventualmente a distância entre pontadas diminuiu o
suficiente para lhe começar a doer a toda a hora e ele perceber que as pontadas
raras que agora lhe surgiam, eram as de alívio.
III.
O seu amor fora esfriando lentamente, como uma chama ténue
de lareira. Ele ficara sentado no sofá a vê-la partir, sem mais combustível
para a alimentar. Quando finalmente se extinguiu, levantou-se, acendeu uma vela e caminhou
tropegamente, assustado com a falta de clareza. Quando chegou à porta, pousou a
vela e ajoelhou-se de olhos fechados. Devagar deixou os pensamentos que o
cutucavam sair em liberdade.
IV.
Quando era novo, há muitos anos atrás, vivera nas
montanhas perto do mar, onde a areia era grossa. Para quebrar o silêncio, costumava
gritar o seu nome nos desfiladeiros e o som do seu eco enchia-lhe o peito dum
amor que ainda não conhecia. Um dia, sufocado pela ausência de Tudo, pegou na
mochila e apaixonado, mudou de Mundo.