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Friday, October 28, 2011

Os Fosforos

Acende-se um cigarro no lugar onde costumava ter a boca, os rumores adiantam que já não tenho coracão. Sempre quis ser o Espantalho, e acabei como o Homem de Lata. 

Um dia houve em que parada na estacão de comboios troquei meia duzia de palavras com uma velha que vendia pensos rápidos a cinco vezes menos do que eles custavam. Estava um dia de chuva, sem chover e eu a reparar nos pormenores. Que inferno! – esta minha mania.  Ela tinha um tornozelo ligado e a pele enrugada estava cheia de pequenos pontos altos, enregelados. Ficamos as duas a trocar palavras pequenas enquanto ela me passava os pensos que lhe comprei por o triplo do que eles custam. Nao sei porque fiz isso.
Mas fiz.
E foi ai que ela se agarrou a mim e começou a chorar. E percebi – que Inferno outra vez! – que era agora que a verdadeira esmola saia do meu bolso.
Quando o comboio chegou, ambas direitas na passadeira olhamos em frente. Eu em silêncio, ela com a  voz elevada a pedir que Deus me abencoasse pela minha bondade.
Quando me sentei no lugar soturno da janela cinzenta do comboio, tive vontade de vomitar.

Aquela  criança contava os trocos para comer uma sandes de fiambre na hora de almoço. Lá fora chovia a sério, agua suja como aquela que enchia o copo. E que empurrava o pão para baixo, quando já nao sobrava dinheiro para mais nada.
Sentada nas escadas, comia em silêncio. Chegava-lhe o cheiro do cinzento do céu e das paredes da escola. E dos risos podres à sua volta.
“Era a pobreza a chegar” – pensava. “Espero que se fique pelos meus bolsos.”
Cansada de ter pena de si mesma, ia para casa ler a Menina dos Fósforos. Mas aquela insuportavel mania impressionista gravava-lhe na memória a imagem dos pés gelados e azuis da menina, arrastados pela neve branca ; e o desespero silencioso congelado em clarões luminosos de segundos.
E Invariavelmente, acabava a vomitar. 


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