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Friday, April 12, 2024

Kurt

Kurt morreu há trinta anos. Tinha eu onze e lembro-me bem de ver anunciada a sua morte na televisão, apesar de não saber bem quem ele era. Antes de ser Nirvana na música, fui Nirvana nas calças e nas camisas e sobretudo no desapego doce que tinha das coisas. Fui Nirvana no meu estado meio andrajoso de ser adolescente. Tinha colegas, já nessa altura, que ouviam Nirvana. Eu não ouvia. Vivia noutro planeta, mais estreito e escuro. E por isso mesmo, talvez já nessa altura só conseguisse vestir Nirvana. Mais tarde, já perto dos vinte, ouvi uma música chamada “Dumb”, cantada pelo Kurt. A versão unplugged, a que mais gosto, cantada nesse concerto mágico - por alguém que está prestes a morrer e sabe- diz que ele é parvo, tão parvo, e se calhar é por isso mesmo que é feliz. Diz que ele não é como eles, os outros. Que a sua luz continua quando o sol acaba, e que ele se diverte mesmo quando o dia já acabou. Uma estranha e parva forma de ser diferente e feliz.  Ao ouvir estas palavras e uma melodia que me acompanha até hoje, finalmente o fato de Nirvana serviu-me por inteiro e pude abraçar o Kurt da música.  A música era o que faltava. A música é o que falta sempre. Kurt Cobain para mim é honestidade. O descanso eterno de sermos quem somos, a pele mais virgem com que posso ambicionar morrer.  

Thursday, April 11, 2024

Calor de Primavera

Veio o calor de Primavera esta semana. E com ele a minha vontade de ouvir Doors, andar descalça e voltar a Paris para dançar as valsas da Amélie na rua.

Friday, April 05, 2024

A falta que me fazes

Fazes-me tanta falta, tanta tanta falta.
Fazes-me tanta falta, tanta, e há tanto tempo
Que deixei de perceber a falta que me fazes.
 
Vivo, sem me faltares, mas sei que faltas todos os dias.
Sei, porque me lembro do dia antes do passado começar,
Em que faltaste e eu dei pela tua falta.
 
Hoje, são mais os dias da minha vida com a tua falta do que
contigo. Já não sei o que é sentir a tua falta.  
E essa é a falta mais triste que me fazes.  
 

Tuesday, April 02, 2024

O grande Ciclo da Vida

Com a primeira morte, veio a pergunta desesperada da criança. A primeira angústia, e a maior de todas. Porque na primeira angústia vem de vómito a primeira consciência. Tudo a andar à roda nos seus olhos vivos, que nasceram naquele instante. Olhei e neles vi a verdadeira consciência da vida, através da morte. Expliquei o ciclo da vida, da natureza, do nosso corpo a transformar-se na terra, quando o que fomos se terá misturado nas estrelas. Ele percebeu o conforto das leis naturais: seremos a comida dos pequenos bichos que tantas vezes matamos e adubo para futuras plantas. E agora diz-me sempre: “Seremos plantas quando morrermos. E as plantas estão vivas, por isso, na verdade nunca morremos.”

Thursday, March 07, 2024

Tanta vez que me doeram as costelas

Caí e doem-me as costelas. Uma dor por dentro, que as minhas mãos não apalpam. Deito-me e não consigo dormir, há uma intermitência de latejar que não me deixa. A cada golfada de ar que me mantém viva, aquele aperto no peito. Estamos vivos e estamos a morrer.

Caí e doem-me as costelas. E é bom.  Tanta vez que me doeram as costelas e não tinha caído.

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