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Tuesday, June 25, 2013

A condição Humana

 Never let me go revirou-me o estomâgo. Tal como na maioria das mentes tambem na minha cedo se formou a fundamental pergunta, logo  que nos apercebemos do destino mórbido dos protagonistas: porque nao fugiram? No entanto foi apenas uma ideia breve que me povou o cerebro, quase um grito pessoal que se escapou de alguém que nao se conforma com nada e que recusa tudo o que nao seja a própria liberdade. Porque eu sabia que eles não iam fugir, é esse aliás o intuito do filme, mostrar-nos como podemos ser pássaros presos em gaiolas de portas abertas
O que me perturbou por demais neste excelente filme foi essa noção de passividade, de aceitamento de um destino dado como único. E para o qual nao há revolta ou indignacão. Para o qual não há sequer uma dúvida, um ligeiro ponto de interrogacão. Nem o sofrimento, nem a miséria, nem a injustiça conseguem ver mais do que as frageis camadas dum cérebro condicionado a aceitar. E neste ambiente, cada porção de felicidade é agradecida, esmiuçada e assim – quase eterna. Mais do que vê-los tratados como objectos em prateleiras de supermercado, entristeceu-me este seu apego a pequenas migalhas.
O autor do livro que deu origem ao filme, Kazuo Ishiguro, é ingles de origem japonesa e dizem os críticos que a historia do filme faz juz justamente ao pensamento nipónico de  inclusão de regras e de um cultural aceitamento. A verdade é que a última vez que esta sensacão de tristeza funda me assolou, foi no final do filme “Memorias de uma gueixa”. Depois de vendida pelos pais, escrava desde criança e gueixa sem qualquer opção, a jovem Sayuri consegue tornar-se a exclusiva do homem por quem esteve sempre apaixonada. E apesar de ele ser casado, ela termina com a seguinte citação:

To a man Geisha can only be half a wife. We are the wives of nightfall. And yet to learn of kindness, after so much unkindness... To understand that a little girl with more courage than she knew, would find that her prayers were answered. Can that not be called happiness?

 Podemos ser ingratos. Podemos ser ambiciosos. Mas podemos também, alimentar sonhos e quebrar impossíveis. Não será isso afinal que faz de nós humanos?


Saturday, June 15, 2013

Some girls are bigger than others

Era o primeiro dia de aulas da faculdade de Inês. O secundário estava finalmente para  trás e com ele longas horas de desespero mudo entre colegas atarracados e professores petulantes, obesos de uma banalidade que enjoava. No entanto, enquanto apanhava o metro sentia ainda o passado como presente; um corpo ligado à maquina cujo obito acabara de ser declarado. Todo aquele passado, embora maioritariamente vazio era tudo o que conhecia. E sem ele a sua nova pessoa era uma tábua rasa à espera de nova escrita.

Ao longo dos anos colecionara pessoas das diferentes escolas por onde passara, sem nunca se relacionar profundamente com nenhuma. Gostava de escrever, mas saiu do Jornal da Escola quando um dos professores não aceitou o seu artigo sobre a efemeridade da Neve que caira nesse ano, numa cidade sempre quente. Mais tarde, noutra escola o ensaio de Português sobre o seu escritor favorito Oscar Wilde veio rejeitado por estar escrito de forma arrogante. No último ano recusou-se a participar no programa da escola de voluntariado a crianças com cancro. Todos os seus colegas de classe o fizeram, apregoando as desgraças das vidas que viram desaparecer. Lembro-me de ver Inês nesse ano, sentada ao fundo da sala do pavilhão onde a apresentação teve lugar. Quando os seus colegas terminaram de falar, a audiência chorava em peso sem se dar conta que não eram os clichés daquelas frases baratas mas a ideia da sua própria morte que lhes molhava os olhos.  Inês limitava-se a ouvir e a observar passivamente e de vez em quando os seus olhos pretos cor de azeitona afastavam-se. Nessa noite, talvez pela fragilidade da vida que mais ninguém vira naquela sala, Inês confessou-me à saída da sala que conhecia uma rapariga cuja mãe tinha apenas 6 meses de vida. “É tua amiga?” perguntei-lhe eu, enquanto ela se sentava na beira do lago de pedra que era o Mundo absoluto de três peixes vermelhos. Ela riu-se naquele seu jeito sempre bem disposta: “Importa apenas o que estas pessoas não sabem quendo fazem apresentações como estas”.

Inês adaptou-se à nova vida na faculdade em menos de uma semana. Um novo mundo cheio de novas pessoas estremeceram as suas articulações e balançou-lhe as perspectivas. Ao fim de algum tempo tinha um grupo de amigos com quem estudava e ouvia música. Cada dia a vida lhe trazia uma nova surpresa e Inês descobriu-se uma pessoa diferente capaz de apreciar pequenos doces da vida sem se sentir mutilada. Pensava frequentemente que na antiga escola era um dos peixes vermelhos presos num ridiculo lago de pedra, mas que o oceano era infinito. Nunca vi Inês tão feliz como nesse tempo e talvez nunca mais a volte a ver. Nestas noites ela escolhia a roupa que melhor lhe acentava sem uma ponta de narcisismo. Ria de forma perfeitamente espontanea e agitava-se na sua pele uma tranquilidade de quem encontrou o que procurava. Havia uma inocência nessas noites que cheirava a alecrim. Lembro-me dessas noites porque essa inocência que exalava dela me acalmou a mim também.
Durante esse tempo Inês estabeleceu uma relação silenciosa com um rapaz tímido que se sentava à sua frente nas aulas de matemática. Os seus olhos pretos perscutavam toda a intencionalidade das mãos grande e delicadas e do corpo franzino preso numa roupa quadrada e impessoal. Quando lhe perguntei porque é que ela gostava dele, disse-me que ele não a julgava. Na altura não entendi a resposta. Mas agitei-me com a  estranheza de a ver estabelecer a relação mais profunda da sua breve vida com alguém com quem não falava. Quando o semestre chegou ao fim eu sabia que ela estava irremediavelmente apaixonada. Não era um amor físico e vadio e tão pouco uma paixão platónica. Inês tinha finalmente conhecido os laços de uma amizade profunda e sucumbira ao seu efeito mais radical.  Mas a vida na sua lentidão e podridão ainda não lhe tinha mostrado tudo. Com o passar do tempo a sua nova vida era agora tudo o que conhecia. E um dia houve em que se apercebeu novamente da sua estranheza entre os seus. As conversas perderam-se porque nunca evoluíram com ela e aquele silêncio das aulas de matemática era cada vez mais reconfortante, como a Neve que caíra e que ela imortalizara naquele pedaço de papel. E numa tarde igual ás outras atendeu o telefone para que a rapariga de que me falara meses antes, lhe dizer que a mãe tinha finalmente morrido. Os seus colegas riam na esplanada enquanto ela recebia a notícia sem saber o que dizer. Quando desligou, sentou-se à mesa e contou-lhes. As suas expressões vazias eram iguais  às lagrimas ignorantes que nunca derramaram. Depois de umas poucas palavras ocas voltaram às suas realidades de peixe vermelho sem que nada mudasse nos seus pensamentos sequer por um segundo.  

Só a vi semanas mais tarde. Disse-me que agora estudava sozinha, num outro pavilhão. Quando lhe perguntei pelo rapaz limitou-se a encolher os ombros com uma indiferença que me emocionou. Eu vi-o também algum tempo depois de Inês ter endurecido. Sentado num banco de madeira resistia com dificuldade a uma rapariga ruidosa que o rodeava e lhe tentava entrelaçar as mãos nas suas. 


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