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Tuesday, August 04, 2015

Sunday, July 19, 2015

Insatisfação

I.
Eram 22 horas quando ele finalmente abriu a porta e saiu daquele mundo. Não estranhou a areia grossa nos pés, nem o silêncio rochoso que de um momento para o outro o rodeou. Não estranhou a noite azul púrpura na retina dos seus olhos nem a brisa quase estática, quente e perfumada. Não tinha tempo para estranhar, ocupado como estava a sentir-se feliz.

II.
Fazia já alguns anos que estas pontadas lhe surgiam. Como dores agudas nos ossos, quando o tempo muda, estas pontadas iam e vinham. Ás vezes demoravam-se um pouco mais e ele pensava “tenho de tratar isto”, mas acabava sempre por se fazer esquecer.  Até à proxima pontada. E eventualmente a distância entre pontadas diminuiu o suficiente para lhe começar a doer a toda a hora e ele perceber que as pontadas raras que agora lhe surgiam, eram as de alívio.

III.
O seu amor fora esfriando lentamente, como uma chama ténue de lareira. Ele ficara sentado no sofá a vê-la partir, sem mais combustível para a alimentar. Quando finalmente se extinguiu,  levantou-se, acendeu uma vela e caminhou tropegamente, assustado com a falta de clareza. Quando chegou à porta, pousou a vela e ajoelhou-se de olhos fechados. Devagar deixou os pensamentos que o cutucavam sair em liberdade.

IV.
Quando era novo, há muitos anos atrás, vivera nas montanhas perto do mar, onde a areia era grossa. Para quebrar o silêncio, costumava gritar o seu nome nos desfiladeiros e o som do seu eco enchia-lhe o peito dum amor que ainda não conhecia. Um dia, sufocado pela ausência de Tudo, pegou na mochila e apaixonado, mudou de Mundo.   

Friday, July 17, 2015

Alentejo

Quando o sol se abre, e tudo mostra
E a paisagem a um canto se encosta
Passa direita, no vazio que fica
A verdade lisa.

Monday, June 22, 2015

Eutanásia

Recuso quase tudo o que me dão: comprimidos, conselhos ou maneiras de ver a vida. Não suporto esta maneira bem educada de saber o que se quer para a vida dos outros. Estou bem sozinha, muito obrigada. Quer dizer, ás vezes não estou. Ás vezes, até me apetecia estar com alguém, amar um coração perdido, cozer uma amizade em lume muito brando. Mas não sendo possível – e não o é a maior parte do tempo –fico-me pelo que tenho. É como ver um copo meio cheio que na verdade está mesmo quase vazio. Claro que posso sempre fugir para o campo e deitar-me no fresco chão dos campos de trigo a ouvir o vento embalar as espigas. Mas acabo sempre por guardar esse momento na mais pequena matrioska do meu coração. Ainda não é altura – um dia será. A vida é demasiado fodida para que eu ceda já. Quer dizer, tem de haver algo melhor do que isto, não se pode acabar simplesmente assim. Já se sofre tanto nesta puta de vida sem propósito nenhum, que resistir é a única careta que se pode fazer à morte.  E enquanto resistes, bebe as gotas que sobrarem dos copos esvaziados. Guarda, como diz a Sophia, as “coisas que sabes amar junto ao peito” e deixa que elas te preencham sempre que puderem. Já bastam as saudades, os mortos e os vivos que enterraste, as decisões que te estriparam. Já basta quando tens de assinar um papel a aceitar que a morte é a única solução.  No resto do tempo deixa-me me paz! Não faças da minha vida tua vida. Não faças dos meus pés o teu caminho. A vida é demasiado curta e cheia de tortuosidades para perdermos tempo com aquilo que não nos é verdadeiro. Mas é mesmo.

Sunday, June 21, 2015

Solstício


"Vais pela estrada que é de terra amarela e quase sem nenhuma sombra. As cigarras cantarão o silêncio de bronze"

Sophia de Mello Breyner Andresen

Thursday, February 26, 2015

Red queen effect

Sentes isto? Parece que a vida já acabou, que vai depressa de mais.
Não há cobertores ou camisolas quentes o suficiente para me aquecer deste frio grotesco que me vai mirrando os ossos. Todos os dias me parece que o tempo é cada vez mais curto e eu simultaneamente lenta de mais. Todos os dias me parece que quero sempre de mais, que preciso sempre de mais. Tu não queres?
Nós só queremos fazer com que valha a pena esta nossa viagem. Mas assim que paro para tirar uma fotografia da janela, a paisagem já mudou. O que aconteceu entretanto? É isso que me incomoda, a forma como tudo acontece nos entretantos. Onde é que eu estou nesse tempo?
Tudo gira descontroladamente. As épocas vão passando sem que eu as esgote. Sem que eu tenha a sensação que demos tudo o que tinhamos.  E nunca estou preparada para seguir em frente.

Parece que é sempre de noite, aquele momento em que me sento na cama de pijama e passo creme nas mãos. Nessa altura dou-me conta que os lençois vão mudando a cada dia e que a minha pele está diferente e prometo que no dia seguinte vou ser mais rápida,vou  fazer o que me vem à cabeça enquanto adormeço, que vou prestar atenção. Mas quando acordo de manhã, já vou atrasada e tudo fica, irremediavelmente, para trás. 

                              

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