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Wednesday, March 24, 2010

Insónia

Levanto-me de noite. Noite escura, apesar do luar intenso que me entra pelo quarto. Ou apesar de todas as luzes que vou ligando. Acendo um cigarro, com a ilusão que pode fazer a diferença.
Um fósforo nas ruas geladas da Copenhaga do meu quarto.
A noite é escura porque em algum momento do tempo (não me lembro exactamente quando) alguém nos afastou. Éramos exactamente iguais, sendo totalmente diferentes. O mundo não respeitou essa diferença e fomos escolhidos, triados como sacos de batatas. Até hoje não sei porque me colocaram aqui. Podia estar aqui ou ali. Tanto me faz, desde que estivesses comigo.
É isso que me incomoda, mais do que os caminhos tortuosos que cada um de nós escolheu depois. Provavelmente ambos estamos no sítio errado. Provavelmente ambos fomos triados e empacotados pelas pessoas erradas, nas caixas erradas. E por isso vivemos amargurados e inconsequentes da mesma forma. Ainda que em caixas diferentes.
É isso que não percebo. Lá no fundo, sempre fomos iguais. Podíamos passar por esta vida juntos. Eu compreendia a tua diferença. E tu alimentavas a minha.
Qualquer que fosse o caminho incerto ter-te comigo era suficiente.
Em que momento nos separámos? Quem nos separou?
Somos iguais. Que mundo diferente é este, que nunca viu isso?
Sinto-me sem capacidade de perdoar.

E igualmente sem a mesma capacidade para dormir.

Friday, March 12, 2010

Delírio

Vou dizer-te um segredo.
Sabes quando não tenho limites?
É como hoje.

Hoje queria que as janelas pegassem fogo. Que o calor invadisse o meu corpo pirómano. Sempre me senti atraída para o fogo. A intensidade da morte suga-me os pensamentos.
Ou talvez esse fogo me trouxesse essa vida que eu quero.
Batem-me à porta. De repente percebem que não tenho jeito para coisa alguma do que faço. A não ser para me destruir.
Mas há um resquício em mim que deseja salvar-te. É por isso que escrevo poemas.
Batem-me à porta outra vez. É a mim que querem. Há um circo na cidade e precisam de alguém que brinque com o fogo.
Sou eu.

Friday, March 05, 2010

Constatação

Entraste na sala com passos incertamente certos. E tu és como os teus passos, parecem tão certos que quase me enganam.
Mas eu sempre desconfiei de pessoas certas. E por isso, tu foste mais um, um que coloquei no poço das almas. Almas que podiam ter sido, mas cuja certeza de que não eram as não tornaram.
Hoje já não me entristeces. Gastei as minhas lágrimas e a minha solidão com todas almas que, tal como tu caíram no poço. No meu poço. Pensava eu que cristais de gelo me cobriam a íris por nunca estender o braço às almas que conduzia ao poço. A crueldade que me circulava nas veias: Convencia-te que tinhas asas, depois saltavas da janela e caías.
A minha solidão gritou tantas vezes desesperada, mas eras mais um. Um que se perdia eternamente. Cheguei a tentar atirar-me para o meu próprio poço... Matar a minha solidão, ou dar-lhe de beber. Mas ao contrário de ti, eu sou certamente incerta.

E por isso, tu entraste na sala e eu sabia que serias mais uma alma sem salvação. A minha solidão estava aprisionada e amordaçada, para que não lhe falasses nunca mais.
Pegaste na guitarra com toda a delicadeza. Podia ver-se que pegares nela te fazia feliz. Podia tão bem ver-se que aquela era a única altura em que te dispunhas a ser feliz.
Por isso fizeste a guitarra chorar por ti. As lágrimas que incertamente garantias a ti próprio que não existiam.
Eras sublime.
Mas de seguida voltaste. E eu senti pena. Tanta pena...
Uma tristeza inultrapassável. Mas não de ti... Tu já tinhas escolhido a tua (in)felicidade há muito tempo:
Senti pena da guitarra.

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