Ao menos os teus olhos
permanecem verdes
todo o ano.
Jorge Sousa Braga
Jorge Sousa Braga
A morte enche-nos a vida agora. Cheia de vazios, cheia de dúvidas sobre a última vez que vos vi. Cheia de angústias, por não ter havido mais uma vez - e havia tanto, mas tanto para dizer! A morte agora enche-nos a rua, abre-nos a porta, atende-nos o telefone. E enche-nos dum vazio que insufla. Estamos balofos de tanta morte. Cá dentro, tudo faz um eco incrível, não há respostas para nada. Tudo o que se ouve é a minha voz a perguntar ininterruptamente “quando foi a última vez que nos vimos?” E o vazio é exatamente esse fio de luz baço que se forma ao longo das palavras “não me consigo lembrar”.
Andava aqui pela vida em piloto automático desde que me deixaste. Deixaste-me sem a roupa que me tapa à noite e sem a poesia que me limpa os olhos. E assim continuei, sempre em frente, sem olhar para os lados e muito menos para trás. Todos os dias colhendo os trigos pela frente sem me permitir a pausar para olhar a flor amarela que nasceu fora de estação e se cruzou comigo. É que sabes, olhar a flor seria permitir-me a sentir a beleza. A sentir alguma coisa que fosse. O passado não volta e eu preciso de continuar a andar para que o passado seja longínquo o mais depressa possível. Mas hoje voltei a ouvir a minha música, e dei-me conta do que perco quando vivo em piloto automático. Com ela chorei e ri-me de felicidade, uma gratidão por ainda me conseguir sentir feliz e mais ainda por ser com esta minha música. É que afinal, não morri de todo. É que afinal ainda estou aqui, o espelho ainda me sorri. A música ainda me pode salvar e assim existe ainda a esperança de que eu seja quem costumava ser.