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Wednesday, July 21, 2021

Filtros de Poesia

Tenho filtros de poesia nos olhos, e já nasci assim.
Em criança parava para ver a água da chuva a cair nos beirais da escola. Os meus colegas berravam, que a chuva  era inoportuna. Mas eu gostava, tanto quanto gostava dos dias de Sol. Cada qual do seu jeito.
Lembro dos vestidos fresco do Verão, de acordar de mansinho com o Sol a espreitar plas frestas, da minha pele a roçar os lençois frescos. Esperava sempre no caminho do comboio, para ver o Aqueduto e os azuleizos coloridos quando ia de carro. Os rituais preenchiam-me e faziam tudo ter sentido, como se as próprias pedras nos ditassem que fazemos todos parte duma grande roda que não pára de girar.
Já mais velha perdi tempo a ver os peixes vermelhos nadar no lago de pedra, olhava as pessoas para perceber que crianças tinham sido. Olhei. Olhei mais do que vivi.
Alturas houve em que a poesia me pesou. Era barreira instransponível entre mim e todos os outros Mundos. E a certeza de que a cadeira vazia do autocarro seria sempre para quem me amasse.   
Mas nem assim essa poesia me largou os olhos. Consolava-me com o vento ao fim da tarde, o Mar. E as janelas, todas as janelas em que pudesse sonhar.

Tenho filtros de poesia nos olhos, e espero que fiquem comigo até morrer. Que debaixo dos filtros já não há nada e eu sou o que a poesia fez de mim.



Tuesday, July 13, 2021

Hensel ou Gretel?

Vivemos uma vida toda sem saber de nada. A grande maioria do que vemos acontecer aos outros desconhecemos profundamente se já nos aconteceu alguma vez. As dores e as cicatrizes saram para dentro enquanto dormimos ou estamos distraídos à janela. E criam raízes.
Vamos passando pela vida sem notarmos os abusos e as tristezas até ao dia em que, perto do precipício, uma onda de consciência se abate sobre nós e com os olhos molhados vemos um corpo mutilado, estragado. Irremediavelmente perdido, que nunca voltará.

Somos os escravos que trabalham continuamente para alimentar uma barriga vizinha? Ou somos os escravos obrigados a agradecer a comida que nos dão para engordarmos e justificarmos a nossa existência?

Ah.... que felicidade têm os miúdos que nunca se perderam na floresta...! É que uma vez perdidos, já nada os salva.


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