Translate

Thursday, December 09, 2010

Humpty Dumpty

Ah, os estereotipos! As nuvens escondiam o Sol e a sala mantinha-se também ela fria apesar dos aquecedores estarem no máximo e as bochechas dela estarem a arder. Todas aquelas pessoas escondiam um olhar assustador debaixo dos casacos de simpatia. Ela pelo contrário, escondia a sua paixão na camisola demasiado grossa que a fazia parecer mais gorda, e o resultado era um olhar desadequado do mundo, que fugia pela janela.

O professor chegou e disse uma piada, da qual toda a gente se riu. O humor sempre fora a forma mais barata de comunicação e por isso ela sempre o detestara, mas riu-se também numa patética tentativa de integração.
Não tinha relógio mas começou a perguntar-se que horas seriam. Como um principio de uma tarde interminável.

"Vamos falar sobre os homens e as mulheres hoje! - Quero a vossa opinião: acham que os mulheres se preocupam mais com as aparências do que os homens?" E logo um coro excitado respondeu que sim, que as mulheres gostam de se produzir e que os homens gostam mais de ver futebol. São mais simples os homens e não têm paciência.
E até ele, até ele disse que gostava de ir ás compras sozinho e que não se imaginava a ir com uma mulher.

Ela mantinha-se impenetravelmente calada.
Até ele...

Timidamente disse-lhe " Eu gosto de ir sozinha e sou uma mulher". Ele demorou-se um pouco mais sobre ela, estavam proximos suficientes para ela ver o olhar confuso, talvez até desiludido, pensou ela.
Deu um suspiro interior e as suas bochechas tornaram-se ainda mais vermelhas e sentiu-se ainda mais gorda debaixo da camisola demasiado grossa que não se dera ao trabalho de escolher na loja.
Ele, pelo contrario, estava impecavel na sua roupa casual e o cabelo mal penteado para trás.
Aquele professor roubara-lhe toda a feminialidade num abrir de boca.

Chegara da aldeia para ver o Mundo. Onde estava seria um caminho facil para o casamento e os filhos e ela tinha sonhos. Foram alias esses sonhos que a projectaram em viagens e a trouxeram ali. Nao sem antes abandonar todo o pouco que tinha, rasgar o coração para o cesto dos papeis e limpar da agenda de telefones todos os que insitam em ser Passado.
Não sem antes olhar ao espelho e gostar de ser a mulher que nunca brincara com bonecas.

E agora o espelho era a cara do professor que a ignorava. "Meninas", dizia ele, entusiasmado com o tema "Quantas vezes por semana vão ao cabeleireiro?" E logo um coro excitado lhe respondia e falava da cor do cabelo. Ela esteve para lhe dizer que já tinha pintado o cabelo de azul, mas sentiu que era inapropriado.
Que silencio embaraçoso.
Ah, e os olhos dele continuavam nela: estaria ainda desiludido?
Ela sentiu isso e disse-lhe "Não sou uma mulher tipica, não me faças mais perguntas."

Nesse dia, no caminho para casa foi pisando as folhas do Outono enquanto contava o numero de coisas que fazia igual ao resto das pessoas pelas razões opostas.
E o Mundo era uma peça de teatro sobrelotada e alguém lhe derá um bilhete falso, com um lugar numa cadeira inexistente.

No dia seguinte porém ele apareceu ainda mais sorridente do que o costume e a brancura dirigiu-se para ela. Mas ela não queria saber, por isso despiu a camisola grossa e com o sentimento desapareceu a gordura. O sol lá fora iluminava-lhe a cara e ela gostou do aquecimento das bochechas, apesar de se ter despido dos preconceitos e ser só ela, diferente das outras mulheres.

Porém, ele ignorava o sol e olhava só para ela. "Que insensivel", pensara rapidamente enquanto ele lhe escrevia no papel "Porque achas que os homens hoje em dia se preocupam mais com as aparências?" Ela encolheu os ombros distraida " talvez porque as mulheres começaram a ser mais exigentes. Dantes, bastava a uma mulher ter um homem forte e que fosse um bom pai." Depois parou de baloiça a cadeira e disse-lhe " E tu, que pensas tu?"
Ele arrumou o caderno e nos seus dentes brancos, descansava uma resposta, breve como sempre " Acho que é uma questão de dinheiro, alguém descobriu que vender a moda a homens faz dinheiro."
E pela segunda vez ela pensou que aquilo era mesmo simplista.

Antes de a aula terminar, porém, o professor passou-lhes um poema. Era um poema curto que falava da efemeridade do Amor, das rosas que se amam no lugar de corações. E enquanto ela lia silencosamente e pela primeira vez sentia a pele a respirar, ele deu curtas risadas e abanou a cabeça. As sobrancelhas dela no entanto colocaram-no no lugar e balbuciou "Só não gosto muito de poesia, mas gosto de ti".

Afinal ela era tão feminina como as outras.
E não gostou.

Tuesday, December 07, 2010

A Rosa Azul

Ás vezes, uma certeza claustrofica apanha-me à noite a chorar. Sempre tive o horror da morte a queimar-me a pele. Quando era mais nova, adormecia a pensar no Universo e em quão pequena eu era no meio dele. Depois, vinha uma onda de consciência que me abanava: era como se eu visse o plano de cima e entendesse a efemeridade do meu corpo. E do alto dos meus seis anos, eu percebia que tudo ia terminar, e que um dia não mais eu formularia pensamentos, ou estaria assim deitada a ter consciência das coisas.

Depois a onda de consciência avançava brutalmente sobre mim. E o plano visto de cima parecia apenas mortifero, sem proposito. E eu sentia-me um condenada sem ter tempo de perceber qual é o jogo que se está a jogar.

E perguntava: “porque é que vivemos?”, “o que é o Universo?”, “onde está o Universo e o que existe para além dele?”, “qual é o proposito de tudo isto?”. A minha mae olhava para mim confusa e limitava-se a dizer que um dia na escola eu perceberia. Ou não fosse eu a criança que aprendera a ler aos quatro anos.

Mas eu sabia que não. E por isso, essa onda de consciência horrorizava-me. Bloqueava-me o corpo na cama enquanto a noite lá fora continuava calma, como sempre. As imagens do futuro preenchiam-me o presente e eu só conseguia ver que tudo aquilo que eu tinha, toda aquela vida quotidiana ia acabar. E que eu seria apenas uns quantos ossos espalhados por uma terra qualquer.

Um dia, ainda nos meus seis anos, ganhei coragem para pronunciar o que tanto me angustiava de noite. Cheguei perto da minha mãe e tentei falar-lhe, mas inesperadamente surgiram lágrimas em vez de palavras. Logo a mim, que nunca chorava. “O que se passa?” dsse ela. E eu finalmente expeli os meus pesadelos “Não quero morrer!”.

E ela riu-se.

“Todos nós morremos.”

Lembro-me que nessa altura pensei que se ia ter que lidar com aquela angustia para sempre todas as noites era melhor nunca ter nascido. E porque tinha eu que pensar naquilo? Nenhum dos meus amigos com seis anos pensava na morte.

Comecei então a não deixar avançar a onda de consciência. Porque se tivermos os nossos dias preenchidos e atarefados, se tivermos sonhos e objectivos, a cama encntramo-nos cansados à noite e um dia morremos sem dar conta.

Pensar é um erro. Sim, descobri-o muitos e muitos anos mais tarde. Mas é um erro inato em mim. E mesmo cansada dou por mim sem sono à noite. E os pensamentos têm na minha cabeça o melhor sitio para se desenvolverem até se tornarem disformes e suicidas.

Por isso, depois passei apenas a ceder a uma parte da consciência que descia sobre mim.

Costumava dizer para mim mesma (como se não estivesse sozinha) que ainda faltava muito tempo para que a morte chegasse à minha vida. E que não valia a pena cansar-me em angústias futuras. Depois tentva pensar no mar e no barulho das ondas. E adormecia.

Agora que passaram mais de vinte anos sobre os meus seis já começo a não ter forma de me enganar e em noites de angustias e de choro compulsivo no meio de uma solidão fria até aos ossos, vejo-me confrontada com o meu dilema ancestral.

“Quem sou eu afinal? O que é isto, onde eu estou?Quem são as outras pessoas e o que está dentro delas? Para que é estou aqui?” E tudo parece ( ou efectivamente é) um enorme buraco sem fim. Um buraco da mais profunda solidão. O buraco onde a Alice caiu.

Nada parece fazer sentido.
Porque nada faz sentido.

Acendo a luz. É mais um pesadelo. Um sonho meio desfeito, meio real, com fronteiras dificeis de apalpar. As pequenas logicas vão aos poucos tomando conta de mim.

E a primeira é a que não estás ali, como de costume, para me abraçar e me dizer que o teu amor faz sentido ainda que o Universo seja um caos.

Acordei de um pesadelo para outro. Será sempre assim, até morrer.

Tuesday, November 23, 2010

Paris, une outre fois

“J’ai ainsi eu, au cours de ma vie, dês tas de contacts avec dês tas de gens sérieux. J’ai beaucoup vécu chez les grandes personnes. Je les ai vues de très près. Ça n’a pás trop amélioré mon opinion.
Quand j’en rencontrais une qui me paraissait un peu lucide, je fasais l’experience sur elle de mon dessin numero 1 que j’ai toujours conserve. Je voulais savoir si elle était vraiment compréhensive. Mais toujours elle me répondait: “C’est un chapeau” Alors, je ne lui parlais ni de serpents boas, ni de forêts vierges, ni d’étoiles. Je me mettais à sa portée. Je luis parlais de bridge, de golf, de politique et de cravates. Et la grande personne était bien contente de connaître un homme aussi raisonable…” Antoine de Saint-Exupéry


E ele sabia.
Eu. Eu vivo com uma jibóia nas mãos.
É o meu futuro na forma de segurança social ou da hipoteca da casa
que nunca chego a comprar.
É o chapéu deles.
É lá que escondem os coelhos atrofiados e esganiçados
que a falta de imaginação
já não cura.
E como não sabem o que fazer ao presente,
prometem tratar do futuro.

Depois, dizes-me que eles não sabem de nada,
Que o Mundo é um lugar vasto e cheio
de oportunidades únicas.
Vestes as teclas do piano, e dás de beber aos
quadros que vais pintando por aí.
Até que um dia me telefonas do teu
escritório afagado em alfazema:
É assim que financias os teus
Poemas, dizes-me tu.
Que devia explorar o Mundo
Pela lente opaca de quem bebe de mais.

Mas na verdade, só te passou
a juventude, como te passam
as alergias.


(A caminho de Orly)

Wednesday, November 17, 2010

Espaço-Tempo de Einstein

Já nada é igual ao que era
E no entanto, todas as coisa estão no
mesmo sítio:
O teu livro na minha mão,
A minha mão na tua cidade,
E o avião partido
entre os nossos corpos.

Mas o tempo não é absoluto
por Ninguém.
O tempo é só mais uma dimensão
do espaço,
Que por ironia foi a única
que desprezaste.
E agora cheira-te sempre ao mesmo
quando o mar te bate à porta
E te relembra aquela tarde
salpicada de gritos
de gaivotas.

Leste poucos livros de física:
Porque o tempo é tão efémero
Que também morre.

Tuesday, October 26, 2010

Untitle

Durante a minha hora de almoço rodei pelo Saldanha e comprei em segunda mão um livro
sobre a origem Universo.

Enquanto descia para o metro prendendo as mãos na minha mala à tiracolo, que nunca mais
tinha usado, dei-me conta que o Outono tinha chegado.

E foi quando o metro chegou à minha estação que fechei o livro, sem nada para marcar
a página onde ficara.

Levei a mão à mala esquecida e procurei qualquer coisa que servisse. E veio-me um bilhete de
avião perdido, duma viagem que fizera.

Munique, estava escrito.

“O meu Universo é finito mas não tem fronteiras”. Porque já fui três vezes a Munique e deixo a minha vida por aí.

Às vezes encontro-a pela rua e dou-me conta de quanto gosto dela.

Monday, October 11, 2010

Icaro invertido

Tatua-me um Ícaro nas costas
Para que as asas dele abracem as minhas
Omoplatas
e delas nasça
Vencida, a minha coragem
Em saltar da plataforma e enfrentar
Um mundo que nunca esteve
Preparado para as minhas asas
De cera.

Porque este Ícaro invertido
Que me vive na pele
É o Sol do Mundo e funde-o
Quando ele é de ferro e se torna
Próximo.
Por isso nunca voa
E vive sozinho.

Friday, October 08, 2010

Futuro

Hoje estou farta do passado. Dos vasos cheios de tristeza que coleccionam belos poemas. Estou de farta de romantismos feudais, das folhagens de Sintra. De céus cinzentos e ácidos. De cidades barrocas e góticas. Estou farta da tristeza que nem sabe ser mórbida.

Hoje, para variar apetece-me o futuro. Os prédios enormes e listados de vidros, as ruas amplas e sem pessoas, os objectos geométricos. O sol.

Hoje apetece-me escrever sobre tudo o que ainda não aconteceu. Sobre o romantismo do jazz seco, sobre a decoração vanguardista. As roupas extravagantes e direitas.

Porque é ai que está a vida, é aí que estão todos os poemas necessários à minha sobrevivência. No futuro está a minha solidão inatingível, aquela que precisa de mim.

O passado é só uma folha borrada, que fingimos querer esquecer, para lhe espremer poemas como abutres. E o presente é uma espera dolorosa até que se cristalizem as palavras.


 
Mas não hoje.
Hoje o passado é mesmo passado e não se escreve sobre ele, porque não importa.

Wednesday, October 06, 2010

La Valse des Monstres

Lembro-me do inferno horrível que fora aquele Verão com calor e falta de esperança, gritos e lágrimas que não saiam da pele, mesmo depois de muitos banhos. Fora uma época tão triste, que nem as janelas nem o vento nem os sonhos em que via a Torre Eiffel da janela do meu quarto me faziam acreditar que algum dia a minha sorte mudaria.


E foi a primeira vez que a vida brincou comigo, porque eu nem sequer gostava especialmente de Paris, mas a minha ânsia em deixar tudo isto fazia-me sonhar constantemente com o ícon de França recortado no meu horizonte. E eu sentia o coração a bater descontrolado, como se de repente eu me apercebesse que afinal Paris estava perto, que eu estava a vê-lo. Bastava-me correr, bastava-me andar, estava tão perto, quase lhe conseguia tocar.

Depois acordava e esta sensação de felicidade custava a despegar-se dos poros. Parecia-me tudo possível, e só quando apanhava o comboio e estava limitada a um horário e ao dinheiro da minha carteira, só aí é que começava a acordar do meu sonho. Porque Paris estava perto, eu é que estava longe.

E foi a segunda vez que a vida brincou comigo: no fim desse Verão foi a minha janela que se aproximou de Paris, quando me apaixonei por um francês trazido a esta cidade deslavada que era Lisboa.

Tentei fugir várias vezes, mas uma noite não resisti mais, e fechei os olhos enquanto me equilibrava numa curta vara sobre o precipício em redor duma total escuridão. Nessa noite, lembro que alguém me fez companhia, quando vim cá fora apanhar ar e focar um pouco o Mundo. Mas tudo aquilo era demais para mim, como se vomitasse os excessos de um corpo que permanecera demasiado tempo estático. E lembro-me que lhe confessei “Isto vai ser a minha desgraça”. Era tudo tão explícito, que aquela sombra riu-se nervosamente e pôs-me a mão no ombro. E a confissão dela foi essa, naquele silêncio estava a sua profunda vontade de se apaixonar como eu.

Nessa última noite, rodei por Lisboa como um fantasma que já cá não está. As sombras do Bairro Alto e de Santos, gritantes e espampanantes abraçavam-me e tocavam-me, como se lhes pudesse passar por osmose um bocado daquela minha paixão que se via em todo o lado. De repente, o Mundo inteiro queria estar apaixonado como eu. De repente toda a gente queria encontrar Paris como eu encontrara.

Mas a minha confissão àquela sombra permanecia como um presságio sob a forma de música. E aquela Valsa começou a tocar para mim nas ruas de Lisboa e sobrepôs-se ao êxtase de paixão que todos cobiçavam. Mas aquela Valsa, a Valsa dos Monstros só eu a ouvia.

E estava fora do sítio, desenquadrada nesta Lisboa deslavada. Como as marcas do amor que eu ia deixando a caminho de Belém.

E tudo correu mal, como a verdade que o meu corpo vomitara àquela sombra. Lisboa parecia enxotar-me, fechou-me a torre de Belém e o Padrão dos Descobrimentos, avariou-me os eléctricos e impediu-me de comer pastéis.

E nesse momento só eu e Lisboa sabíamos que tudo tinha acabado antes de começar.

A terceira vez que vida brincou comigo, foi quando finalmente coloquei os pés na Torre Eiffel e ela devagar olhou para mim, baixou-se e acarinhou-me o cabelo. Via a desilusão no seu esqueleto férreo quando a Valsa dos Monstros voltou a tocar, e eu já sabia que era para mim. E assim, quando cheguei a Paris, cresceu em mim o sonho de ver Lisboa na minha janela.

Quando te conheci e me disseste que gostavas muito de Paris, pensei que a vida se estava a rir de mim mais uma vez. Nessa altura já Lisboa e eu não nos podíamos ver, já éramos demasiado confidentes para nos ouvirmos, ainda que a Valsa nunca mais tivesse tocado. Como seria possível? Seria que a maldita França nunca me deixaria em paz? Não, eu não queria voltar e não queria acender o televisor e ver de novo uma história francesa que não me cabia no corpo desajeitado de Amélie desempregada, que ficou de parte por não ter jeito suficiente para albergar um papel com o qual nasceu.

E sobretudo, eu não queria ouvir aquela Valsa outra vez.

Mas Paris voltava na tua boca. Uma e outra vez. Às vezes eu dizia-te que sim, outras dizia-te que não. E tu esquecias e voltavas a lembrar. A vida não parava de brincar comigo e eu não parava de me indignar com ela.

A Valsa voltou a tocar contigo em Lisboa em noites em que te amava demais e sentia que estavas longe de mim, que pensavas em alguém que não era eu. Á tua janela, a valsa dos Monstros lembrava-me quem eu era e escarnecia cada pedaço horroroso da minha imagem. E Paris vinha no vento e parava na tua janela. E o meu amor desajeitado encolhia-se sobre si mesmo. E eu tapava os ouvidos.

Que Paris se fodesse.

Mas tu abraçavas-me e dizias-me que eram só fantasmas o que eu via naquela janela. Que me amavas demasiado. E tinhas a magia na voz ao baixar o volume da Valsa enquanto eu adormecia no silêncio dos teus braços.

Mas cada vez fui sendo mais desajeitada no meu papel de Amélie e cada vez afastava mais aquele filme da memória da minha carreira. E dei por mim de cigarro descolado do coração. De janela limpa e de amor remendado.

E um dia, sem que eu pudesse prever, a Valsa voltou a tocar. Preencheu a noite e fez eco nos azulejos. Eu acordei surpreendida e percebi que não era para mim que ela tocava, era para ti. E senti-me um monstro.



Thursday, September 30, 2010

Odeio Política

Nunca costumo formalizar este meu tipo de ódios, mas é verdade: odeio política. E não odeio especificamente a política vagabunda de homens-macacos. Não quero saber se essa é a política a brincar, se esses são os aldrabões que nos roubam o dinheiro com estratégias de marketing, iguais às que se fazem para se promover batatas fritas oleosas que nos entopem as veias.

Porque mesmo quando é a sério, eu também me levanto da mesa, peço muita desculpa e venho cá para fora fumar um cigarro. Esquecer-me que o Mundo é mais sério do que eu. Prefiro olhar para os mendigos que estão cá fora e invejá-los do que voltar ao púlpito e discutir o meu ponto de vista.

Porque eu sei que o tenho, mas faço por me esquecer dele. E prefiro, por razões diferentes, juntar-me à manifestação de ignorantes. E fazer como um amigo, que um dia me disse que votava na Lista da Associação que passava a melhor música.

Tuesday, September 21, 2010

Indução Magnética

De repente mudaste de nível.
Hoje já não te reconheço
A não ser por essa electricidade inconfundível
de quem muda inconfundivelmente.

Não me interessa onde estás:
Interessa-me quanto mudas.
Cheiro os campos magnéticos
Que vais deixando como trilhos
germinados,
Que florescem no cérebro da multidão
orientada.

Cheiro esses campos para te localizar.
Porque já não sei quem és.
Distingues-te porque mudas. E nessa
mudança, só a faísca da tua electricidade
me corre nas veias.

E eu sei que és tu.

Friday, September 10, 2010

Where I lay my head is home

Pelo meu quarto de manhã, passam-me as sombras das pessoas já ali viveram. Mortos para mim, ainda que nunca os tenha conhecido, dormiram na minha cama, usaram os mesmos lençóis e debruçaram-se na mesma varanda. Temos isso em comum: vimos a vida da mesma janela.

Ouvi dizer que eles partiram de Lisboa para o Mundo. Avisaram-me desde o início, como se aquela casa fosse uma mera plataforma de passagem. Como se não chegasse a ser uma casa.

E a verdade é que se eles foram esses viajantes, os sonhos deles estão pintados nas paredes do meu quarto. Porque sonho a mesma coisa todo as noites e já não sei se sou eu ou eles quem ali está.

Foram sonhos o que eles deixaram?

Porque os objectos pessoais e a roupa foram removidos e deram lugar aos meus. É essa a diferença, agora o armário tem alguns cabides com as minhas calças e vestidos. Nas gavetas dispõem-se as minhas camisolas. Em cima da mesa tenho fotografias e as minhas baquetas. O Baixo ocupa um espaço tímido e modesto num canto.

E agora sou eu que chego ao quarto à noite, que fumo à janela, que durmo sozinha, que durmo acompanhada. Que não durmo. Agora sou eu que escrevo no computador dentro da cama ou tiro fotografias abstractas. Sou eu que espreito devagar pela fresta da porta e atravesso o resto da casa sem roupa, enquanto oiço Lisboa a encher-se do vazio da noite. Aquele é o meu quarto, é o onde deito a minha cabeça, onde estou exposta nos mapas que colei na parede ou no poster do Jim Morrison que me lembra sempre que a Musica está lá para mim.

Sou eu que habito aquele quarto, da melhor forma que sei. Mesmo quando não estou, aquele quarto é melhor espelho de mim.

Agora que também eu vou partir de Lisboa para o Mundo, também a minha sombra já por ali paira em algumas noites, vai juntar-se às outras e fabricar mais um pouco daquele fato que o quarto veste. Como se fosse um Arlequim formado de retalhados que nós vamos deixando.

Agora que também eu vou partir de Lisboa para o Mundo deixo aquelas sombras e com isso torno-me numa delas. Preparo-me para morrer, para me tornar no próximo sonho da próxima pessoa que vai dormir na minha casa e vai tentar imaginar como eu era. E assim, morrendo de mansinho, vou nascer noutro sítio, noutra casa com outras sombras.

Estou viva enquanto estiver em casa, e a minha casa é onde eu estou. E estou sempre de passagem, como as melhores casas.

Tuesday, September 07, 2010

Não existe tal coisa como o Amor

É quase uma desilusão, mas não chega a ser. Não existe tal coisa como o Amor. Um dia sentas-te no sofá e dizem-te de mansinho: “O Pai Natal nunca vai chegar”.

E lá no fundo a criança já sabe. Já chegou àquela idade em que lhe dizem, só para que ela pare de arranjar desculpas para se mentir a si mesma. E a desilusão é só isso: a formalização. De repente já não tem permissão para mentir de forma tão profunda. Ou para sonhar – é a mesma coisa. A dor só chega depois, quando percebe a falta que aquela mentira faz.

Um dia mais tarde, acontece o mesmo. Chegas a casa, sentas-te no sofá e dizem-te que não há tal coisa como o Amor. Mas desta vez, riem-se de ti. E desta vez, a mentira dói mais, quanto mais não seja porque é a segunda.

Mas admites que já desconfiavas. Afinal toda aquela aprendizagem sobre a imagem do Pai Natal estendeu-se por toda a tua vida. Foi isso que ele te deixou acima de tudo, a certeza da solidão e a inevitabilidade das coisas certas. E sentes essa desilusão no eco gasto do teu ser, em todas as vezes que passaste noites à espera do teu Amor ou nas noites em que julgaste tê-lo e as gargalhadas que te atiram são quase cruéis. Mas são sinceras, e uma vez que percebas que tudo isto é uma ilusão também te vais rir dos jovens apaixonados. Na verdade hoje ris-te das crianças que não dormem com a excitação de esperar pelo Pai Natal. E é tudo a mesma coisa.

Não existe tal coisa como o Amor. Mas não é fim do Mundo. A dor, a grande dor vai chegar quando perceberes que tens saudades de estar apaixonado.

O amor não existe. Mas és tu que o crias.

Thursday, September 02, 2010

Desabafo IV

De certeza que já te aconteceu. Escrever folhas e folhas e depois apagar tudo. E depois de apagar tudo, olhar para a folha em branco e sentir consolo. E é esse consolo que me perturba. Sinto-me revista numa folha em branco esvaziada do seu propósito.
De certeza que já te aconteceu. Sentir que as ideias não são minhas, ou sendo minhas não são ideias. São cópias ordinárias, caminhos desabrochados com a criatividade de serem medíocres. Acendo candeeiros de todas as cores no meu caminho, mas depois só me apetece a luz da escuridão e corro a apagá-los novamente. E durmo consolada no escuro onde alguém me pinta pesadelos.
Se calhar já te aconteceu. De certeza que já te aconteceu. A vida ser um gigantesco precipício de vazio, mas poder cair indefinidamente nesse buraco e nunca morrer.
Ou talvez nunca te tenha acontecido. Talvez esta seja mais uma das minhas folhas prestes a ser apagada, a versão de algum outro texto que já escrevi. Talvez nada disto exista e agora que percebi isso, esteja preparada para me consolar novamente com a folha vazia.

Mas hoje escolhi uma forma de masoquismo diferente. E aqui fica o reflexo no espelho do meu vazio: uma folha preenchida.

Wednesday, September 01, 2010

Não-Vivido

“Mais tarde será tarde e já é tarde
O tempo apaga tudo menos esse
Longo indelével rasto
Que o não-vivido deixa”


O que me deixaste foi isto, um rasto fluorescente de não-vivido. Um caminho bem delineado feito de nadas, de vazios, de buracos no queijo, de ausências em bancos de metro onde não era suposto ninguém sentar-se.
O que me deixaste foi esta crença para acreditar nesta não-vida e buscar nela as vantagens que não existem. Essa crença patética de palavras luminosas e extravagantes onde pisca publicidade enganosa.

E eu habituei-me como mendigo a ir ao caixote do lixo e a vasculhar a vida entre os restos dos outros, como para que usar o que eles já não quiseram e deitaram fora.

Porque a tua crença não me deixou nada; não tenho restos para deitar fora. Acorda apenas em mim esta humilhação de ver a vida por entre as gotas de chuva, quando em alguma janela eles me estendem pedaços de pão (ou de coração) para que não os perturbe com esta estranha maneira que tenho de não-existir.

Hoje, com as mãos cortadas à força de as sonhar calejadas, sento-me à tua porta e admito que me vendas a tua crença. Pelo dinheiro que quiseres, tornaste-te no meu traficante predilecto, a minha droga é esse caixote do lixo esquelético.
E imploro-te que me injectes disso, dessa visão. Não aguento mais abrir os olhos no escuro todas as noites e ver essa fluorescência. Não sei como deixar de não-viver quando toda a minha não-vida me persegue.

Só que já é tarde.
Já é demasiado tarde. Já nada apaga esse trilho.
E vendo-te o meu corpo, já meio desgastado por esta fluorescência que te encandeia os olhos. É o único que vai existindo, mesmo sem contexto.

Vende-me um contexto. Pode ser que assim o tempo o apague.

Wednesday, August 25, 2010

Grunge Girl

A friend is nothing but a know enemy
(Kurt Cobain)


Vivi a minha adolescência ao som duma guitarra simples e agressiva. Vestia as calças de ganga como uma farda de orgulho. Os all star rotos a caracterizar o meu cérebro avariado.

Nem na adolescência consegui a rebeldia de rebelar-me contra a minha solidão. Ao invés disso, procurei-te por entre os discos obscuros e solitários que ouvia e as camisas de flanela próprias de que quem está mal no mundo e não quer comprar a sua vida com meia dúzia de atractivos.

Nunca aquela rebeldia foi rebelde. Aquilo era eu. Aquilo sou eu, ainda hoje.

Porque todo aquele ambiente hostil e honesto apelava à minha consciência do mundo. Sempre soube que estamos irremediavelmente e assustadoramente sós, fechados numa concha incomunicável. Sempre soube que despir a pele é ceder a pistola ao inimigo.

E a vida é uma guerra calada e sofrida entre o que sabemos que somos e o que supomos que os outros sabem de nós. Esta selva constante de olhares atentos, de gestos medidos. A amizade é só mais uma táctica de guerra. Ou uma aliança simbiótica em que o inimigo está descrito e não apresenta muita variabilidade.

Mas é só isso.
Se não apontas a pistola ao inimigo, mais vale que a metas na boca.

Monday, August 16, 2010

À janela

Ontem peguei nesse pedaço de culpa e tirei-o da gaveta. Expu-lo à luz dos meus olhos e à vergonha das minhas mãos. Nos pequenos relevos, formaram-se ondas de consciência.

Enumero todas as minhas razões e justificações. Faço uma corda com elas e tento enforcar-me, mas a morte foge-me por entre a minha fraca cobardia.

Thursday, July 29, 2010

Sem culpa

Abriu o armário e viu o fato único pendurado num cabide de madeira.
Olhou para o espelho colado à porta esquerda do armário e decidiu trocá-los. De um trago despiu o fato que tinha vestido e enrolou-se no novo, esticando as pernas e os braços nas dobras de uma nova pele.

Agora tinha um cadáver escondido no armário.
Mas aparentemente, carregar um cadáver dentro de si, não era crime.

Wednesday, July 28, 2010

Ouvir Sophia

Que a arte não se torne para ti compensação daquilo que
Não soubeste ser
Que não seja transferência nem refúgio
Nem deixes que o poema te adie ou divida: mas que seja
A verdade do teu inteiro estar terrestre

Então construirás a tua casa na planície costeira
A meia distância entre a montanha e o mar
Construirás – como se diz – a casa térrea –
Construirás a partir do fundamento

A casa térrea - Sophia de Mello Breyner Andresen

Thursday, July 22, 2010

Dia Mundial da Amizade

“Preciso de um amigo”, ocorreu-me dizer.
“Preciso de um amigo”, ocorreu dizer-me.

E a segunda frase desceu por mim, como um golo de água fresco. Atingiu-me as entranhas. Porque eu sempre acreditei na amizade como nunca acreditei no amor.
E hoje, não tenho amigos.

Hoje, olho para as pessoas em círculos e vejo corpos mecânicos, com pensamentos mecânicos. E eu há procura de um amigo, sou mais um desses corpos religiosos com uma lista de verificações. A minha lista é diferente da maioria, mas é só isso.

Já tentei deitar a lista fora, mas ela está-me escrita nos neurónios e activa-se com a electricidade da vida. Se quero parar com os preconceitos, mais vale fechar o quarto e as janelas e desligar o meu motor.
Mais vale que morra.

Mas hoje dei um passo em frente. Não deitei fora a minha lista, nem a verifiquei. Hoje, não fiz perguntas nem dei respostas no silêncio às perguntas que lá não estavam.
Hoje, não procurei entender, nem esforçar-me pela vida de outros ângulos.

Hoje resolvi admitir que há coisas com as quais nunca vou concordar, nem entender, nem melhorar, nem ajudar, nem solucionar. Há coisas que permanecerão uma blasfémia, um desastre, uma epidemia, um segredo, um destino cruel.
Hoje resolvi admitir que todos estamos irremediavelmente sós.

Hoje não me limitei a deixar o julgamento de lado por um amigo. Hoje, ele é meu amigo e por isso o julgamento não existe.
Porque a amizade é a humildade perante a impotência de tocar a solidão alheia.

E resta-me tentar tocar a tua solidão da única forma possível: gostando simplesmente de ti.

Alice

Wednesday, July 21, 2010

Sem título

Tocou o telefone.
Ele atendeu e disse-me de forma impessoal: “é para ti”.
Já tinha tantas vezes sonhado com esta cena em toda a diversidade de movimentos e palavras que foi como se a estivesse a viver de novo, numa das minhas divagações. Naquele momento, o meu coração não se mexeu do sítio. O telefone tocou como eu previra. A voz dele era impenetrável, como eu previra. A luz era clara e fresca e contrastava com o meu interior negro e roído, como eu mecanicamente previra.
Atendi e a voz nervosa do lado de lá disse-me o que eu já sabia “Ele morreu. Suicidou-se”. Fiz um compasso de espera, como se estivesse em estado de choque e após alguns segundos voluptuosos respondi de forma grave “Vou apanhar o avião para ir para aí”.
Desliguei o telefone e ele olhava para mim, desconfiado. Mas aquela cena era minha. E como protagonista que ganha o papel sem esforço, espremi algumas lágrimas e contei-lhe que um grande amigo tinha morrido. Em França.

Só quando entrei no aeroporto e confirmei o meu voo para Paris no painel, só quando estava sozinha no meio da multidão do aeroporto a meio do dia é que o meu coração tremeu. E de repente entendi que ele tinha morrido. Que desta vez era a sério e ele já não renasceria das minhas divagações para morrer outra vez.
E ainda agora mesmo ele acabara de morrer e eu já sentia saudades da morte dele. Ali em pé, a ler o número do meu voo, tive consciência do longo e frio inferno que me esperava.
Saí para o calor atípico de Paris nesta época como o tinha feito há dois anos atrás. As escadas do avião que desceram para mim perderam o interesse perante a ausência de vento. Aparentemente, o inferno que previ estava a começar de forma avassaladora. Lembrei-me então de apanhar o metro, ao menos esse era um Inferno que tinha sempre existido.
Foi incrível descobrir que me lembrava de todos os pormenores, das estações exactas onde me encontrei com ele dois anos antes. Estávamos os dois vivos nessa altura. Agora ambos nos arrastávamos numa realidade que já não era a vida.
Parei na estação onde era ficava a casa dele. E de repente, lembrei-me que ele podia já não morar ali. Lembrei-me que não sabia nada dele há dois anos. Tudo o que eu sabia era a morte dele todos os dias na minha cabeça e aquele eterno telefonema que finalmente chegara. De repente lembrei-me que eu não sabia nada sobre a realidade.

E por isso, deixei o inferno chegar devagar sobre mim. Saí em Montmartre, e percorri as mesmas ruas daquele dia.
Tudo aquilo me era tão familiar. Eu passara os últimos meses a viver em Paris e ele era o meu amigo francês com quem eu passeava ao domingo de manhã em Pere Lachaise ou que me acompanhava em noites longas de puro álcool para matar as saudades do meu amor que ficara em Portugal. Estávamos tão vivos nesse tempo. Tínhamos amores no peito e ideias elaboradas em fumo de cigarros que faziam corar os pudicos. Visitámos cidades, conhecíamos Paris à noite como mais ninguém e o mundo pulsava-nos nas mãos quentes.
Às vezes ligava para Portugal e as cerejas do meu país sabiam-me a um doce arrastado pelo tempo na voz dele. Falávamos ao telefone à noite. E eu tinha a minha larga janela aberta e um luar intenso a penetrar o meu quarto. E aquela paixão na distância era quase insuportável. Mas enquanto não era insuportável era flamejante. Já por uma vez naqueles meses ele tinha apanhado o avião de surpresa numa sexta-feira e aparecera à minha porta. A paixão viajara até mim, como no meu maior sonho.
Tudo isso fora no passado longínquo do tempo em que vivia em Paris. E éramos os três vivos.

Nada havia que nós não fizéssemos. Nada havia que nós não experimentássemos. Por isso, um dia telefonei-lhe às 3 da manhã e disse-lhe “Vou a Portugal encontrar-me com ele”. A voz ensonada e um mau português responderam-me “Não vais trabalhar?”. “Digo que estava doente. Tenho mesmo de ir, já não aguento mais”.
E fui. Nas asas da paixão do avião. Novamente.
Cheguei a Lisboa às 6 da manhã. O tempo parecia parar para mim, para o marinheiro que cruza os sete mares e não fica com a mesma vida todos os dias.
Passei pelos mesmos caixotes do lixo onde coloquei a minha vida antiga, a caminho da casa dele. Abri a porta devagar, sem fazer barulho. E a única imagem que nunca esperei ver, foi a única que apareceu aos meus olhos quando abri a porta do quarto e vi a rapariga deitada ao seu lado enrolada no sítio onde eu costumava dormir.
Nesse dia o meu coração não tremeu. Não porque tivesse vivido aquela cena muitas vezes, porque nunca a tinha a vivido e decidi naquele segundo que também não a estava a viver. Mas por ironia, ele abriu os olhos naquele momento e neste breve encontro de consciências eu percebi que por desígnio das probabilidades do mundo, aquela fora a única noite em que aquilo acontecera.
Eu fechei a porta do quarto e a porta de casa e a porta do meu coração, todas de seguida. Não senti qualquer barulho, nem ele se mexeu no seu rigor mortis. Nem ele podia.

Só mais tarde, ao poente voltei a vê-lo. Sentamo-nos os dois numa mesa de café. Ele perguntou-me se eu estava triste e eu disse-lhe que sim, que estava triste comigo. E acho que foi a última vez em que fui sincera. Não que tenha mentido mais tarde, não. Mas nunca mais expus directamente o pano do coração às verdades de nenhum mundo.
Portanto especializei-me em dizer mentiras que são verdades. Especializei-me em ser outras pessoas quando preciso. Ainda que esses meus heterónimos me contradigam em tudo e eu seja acusada de uma suja incoerência.
Recordo um enevoado de conversa em que ele me disse que não tinha conseguido evitar a situação. Que muitas coisas tinham acontecido na minha ausência sem ele as controlar. E que a vida monótona o estagnava. Que ele precisava de adrenalina, principalmente da adrenalina errada da noite errada com a pessoa errada no lugar errado.
Não havia nada que eu não pudesse perceber, e sentia-me triste pelo meu posto correcto num outro sítio correcto. Talvez perfeito de mais.
“Ama-la?” perguntei. “Claro que não!”e foi a primeira vez durante a conversa que pareceu estar vivo. “Eu só não queria morrer”.
Pensei que ele podia morrer de outras formas, mas não conseguia evitar estar triste comigo e só comigo. Afinal aquela situação só não me acontecera porque eu era eu. E porque eu limitava-me a fintar a morte para sustentar amores como aquele e o resultado era que perdia sempre e nunca chegava a evitá-la.
Por isso naquela noite, antes de voltar a Paris, dormimos juntos. Uma noite de amor tão intensa como aquela em que ele me visitou em França.
Antes de me aproximar devagar e de o beijar, pensei que ele tinha estado com outra na noite anterior. Por segundos, achei que a tristeza me ia bloquear os lábios. Mas agora era a minha vez de experimentar tudo. Tudo.
E foi muito mais fácil do que eu previra. Ao fim do segundo beijo, já não me interessava o passado. O presente queimava, e só o presente queima realmente.

No dia seguinte voltei a Paris. Sozinha, no meio da multidão, confirmei o número do meu voo e tive a consciência total de que deixava o meu amor sozinho. De novo entregue à sede da morte para ser saciada. Era demasiado insuportável. Não. Nada é demasiado insuportável, com o remédio certo.
Liguei-lhe e espremi umas lágrimas. E quando cheguei a Paris, ele estava à minha espera no aeroporto de Orly. Saímos directamente para o metro e apanhamos a linha que nos levava a Montmartre. Almoçamos enquanto eu lhe contava o que me tinha acontecido em Lisboa. Noutra língua tudo parecia adquirir outro sentido, como se tivesse sido outra pessoa, que não eu a foder o homem que me traiu. E por isso mesmo fez-me um sentido tão grande que nunca mais falei daquela situação em português.
Perguntei-lhe se não ia para casa. Ele olhou-me de lado, com o vento a bater-lhe nos cabelos, enfrentou-me e disse “Não”. Às vezes o mundo cabe numa palavra. E eu decidi experimentar tudo, todos os remédios, todas as curas, todas as doenças.
Por isso, fomos para casa dele e só acordamos de manhã enrolados um no outro. De madrugada, abri os olhos e julguei ver a imagem dele a espreitar-me à porta, desolado. Mas eu não senti rigor mortis nenhum, não havia sequer passado nenhum a recordar.

Nos dois meses que passei em Paris, entendi na perfeição o que significava “não conseguir evitar a situação”. Meia despida de mim passava metade das noites com o meu amigo francês. Ele estava demasiado apaixonado por mim, e era irresistível aquele amor que lhe saltava dos olhos. Como um reflexo de mim que eu nunca teria. Não agora que sabia enfrentar a morte. Às vezes, quando falava com ele ao telefone, na minha janela larga e com o meu luar generoso, pensava que já não sabia o que era o amor.
Mas talvez fosse aquilo o amor. Eu passara demasiado tempo presa a convenções de liberdade.
Adiei vezes sem conta a minha conversa com o francês. Disse-lhe várias vezes para me deixar, que não o amava. Mas aquele amor latino dele não entendia nada que não fosse o desejo e a teimosia. Até que um dia, eu já não tinha credibilidade e todas as noites ele acabava por aparecer. E todas as noites eu acabava por fugir.

Quando finalmente acabou o meu tempo em Paris, fiz a minha mala e deixei uma carta em cima da mesa. Sabia que ele ia achar que era mentira ou mais um dos meus estratagemas para adiar a inevitável loucura que se seguiria pela noite. Sabia que ele não era como eu, que ele acreditava que podia oferecer-me genuinamente o coração e bater-me à porta de joelhos. Eu sabia.
Mas eu queria experimentar tudo. E agora queria experimentar voltar. E se falasse com ele, ele ia cansar-me e esgotar-me e fazer-me acreditar num amor que eu nunca senti.
Por isso, deixei tudo e apanhei o avião de regresso.
Voltei para casa e para ele, com Paris no passado. Sem nervos de Paris.
Queimei os álbuns de recordações e isso era tudo o que era preciso. Ele abraçou-me com saudades.
Com os olhos molhados de alguma vergonha, senti que sentia. E um remorso gigantesco apoderou-se do meu coração e estrangulou-o à beira do colapso. Ficou assim, por uns segundos estático, como meio-morto.
Mas o mundo não é justo, como o amor. O mundo é um lugar horrível cheio de gente horrível, como o amor.
Por isso o meu coração voltou à vida, cheio de electricidade. Ao longe, alguém morria.
Podia não ser exactamente hoje, mas alguém morria.

E esse dia concretizara-se. Fora hoje. Ali estava eu em Montmartre, sem coragem para enfrentar a vida que deixara abruptamente.
Voltei ao metro e caminhei até casa dele. Ele morava ainda no mesmo sítio. A porteira que me telefonara a avisar, estava à minha espera como se não tencionasse deixar o posto sem me punir primeiro.
Disse-me tudo de uma só vez. Que ele nunca acreditara que eu tivesse partido. Que esperou durante meses o meu regresso. Que esperou as minhas cartas, os meus emails, os meus telefonemas. Depois, deixou de pintar.
E de repente, eu lembrei dos quadros que ele pintava.
Ela insistiu que ele deixara de pintar. E quando deixou de pintar, começou a frequentar o médico todas as semanas. Depois, voltara aos quadros, mas todas as pinturas lhe saiam frenéticas, demasiado loucas. Tão loucas que eram desconexas e sem interesse.
E eu lembrei-me dos quadros lindos que ele pintava a meio da noite, quando eu voltava secretamente.
Ela insistiu “Ele deixou de pintar”. E depois terminou “Ontem abriu a janela e saltou”. Depois acrescentou o nome do cemitério.
Mas antes, eu pedi-lhe para ver a casa. Ela sorriu-me maliciosamente e disse “Também deitou a chave fora?”.
E eu permiti-me um raro momento de sinceridade e respondi-lhe “Eu nunca tive a chave”. Lá dentro, encontrei uma casa impecavelmente tratada e arrumada, como se ele esperasse o meu regresso.
Cheguei tarde de mais.
Cheguei tarde de mais a mim mesma.

Trouxe um quadro comigo. Um quadro sem valor nenhum, um dos últimos que ele pintara, uma quantidade de riscos sem nenhum sentido. Senti-me um Dorian Gray com o retrato merecido entre as mãos. Então, deixei que o quadro me torturasse. Deixei que aquela fosse um inferno perpétuo tomado em doses pequenas.
Fechei a porta daquela casa e corri em direcção ao cemitério. Se não me despachasse não teria oportunidade de o ver, uma última vez.
Mas cheguei tarde de mais, outra vez.
O cemitério permanecia calmo e o segurança indicou-me a campa fresca. “O enterro acabou há meia hora” disse-me ele. E de facto a terra húmida envolvia o ambiente num cheiro forte e adocicado.
E eu senti uma tristeza por ele, semelhante àquela que sentira por mim um dia. Quem me dera que ele tivesse sabido evitar a morte. Quem em dera que ele tivesse sabido mudar de coração e fosse mais resistente ao horror do mundo. Quem me dera que ele nunca tivesse acreditado em mim.
Porque eu já não acreditava em mim. Por isso é que estava viva.

Friday, July 16, 2010

Abertura para o Buraco Branco

Às vezes sonho com um buraco branco que me receba. Com uma luz intensa, igual àquela que me envolve na praia, quando tenho os olhos fechados e olho directamente para o sol na minha cegueira.
Às vezes sonho com essa limpeza a vestir-me a pele enquanto desço pelo buraco. Essa calma que só a solidão me dá. E desta vez sem coelhos pretos para perseguir. Sem histórias horrorosas de mortes e de rebeldias açucaradas. Sem drogas nem álcool para camuflar o horror que me vive nas veias.
Só isso, a brancura da paz.
Às vezes sonho com isso. Essa ausência de palavras e sentimentos. A ausência de silêncio. A ausência de Nada.
Um mundo invertido que me receba.

Thursday, July 15, 2010

Poema do dia

Não sei o que dizer sobre essa estratégia de amor.
Nunca amei por quadrantes.
Nem calculei distâncias entre corações

Não sei o que dizer sobre essa sedução:
Esse perfume ou esse silêncio que usas
Nesse jogo de tabuleiro.

Deixa-me na escuridão a fermentar os amores
Que nunca serão meus.
Não quero corpos sucessivos na minha cama
Aldrabados pelo cheiro nefasto dum
Perfume de rosas que me simula.

Eu prefiro ser eu, na maior parte do tempo.

Monday, July 12, 2010

Smile like you mean it

Às vezes quase me esqueço que Barcelona foi o primeiro destino da minha vida. Foi a primeira descolagem, o primeiro aeroporto. Foi o primeiro cheiro para além da minha janela do quarto.

Mas tudo aquilo tinha um fado que se precipitava para o abismo da minha alma. Porque Barcelona foi só uma cidade estranha que vi das janelas ávidas do autocarro. Não cheguei a sentir qualquer cheiro daquele sítio e hoje guardo uma impressão estranha que não era mais do que a minha euforia patética pôr o longe estar à distância dos meus dedos.
Lembro-me de ter saído pela porta do aeroporto e ter vindo cá fora fumar um pouco da cidade. Mas o que vi dali foram apenas umas árvores esquisitas que pareciam palmeiras e uns táxis amarelos e pretos.
Aquilo não era bem o que eu sempre tinha sonhado para a minha primeira viagem. E no entanto, a minha patética alegria era tanta que nem isso eu consegui processar entre as passas que dei daquela cidade.

Às vezes esqueço-me que não foi Paris, com o seu tom turvo, o meu primeiro destino. Porque Paris foi o que eu sonhei. Foi descer as escadas do avião. Foi ouvir a língua diferente no autocarro que apanhei no aeroporto e sair para a metrópole ruidosa. O metro confuso e a nossa indecisão na escolha de linhas. O nosso riso nervoso e excitante. A procura de uma morada que tínhamos no papel ao que nos parecia, no fim do Mundo.

Devia ter previsto em Barcelona que tudo aquilo era um sonho estropiado que acabou por morrer em Paris.
Porque de Barcelona guardo um nevoeiro confuso, uma música constante que não parava de rodar no meu mp3. O meu amor utópico que continuava longe de mim.
E aquele meu amor por viagens. Sempre, sempre. Como uma doença.
E essa música repetia-se. Oh sim, e repetiu-se em Paris. Lembrei-me tantas vezes dela lá, como se o mp3 não se conseguisse desligar.

Devia ter previsto tudo aquilo. Mas era nova de mais.

Hoje sou velha de mais para viver as viagens daquela forma patética e infantil.

Smile like you mean it -The Killers

Monday, July 05, 2010

Desabafo III

Que sentido tem tudo isto?
Abre o meu coração, disseca-o como fazias nas aulas de laboratório. Vais ver que não sobra nada. O meu amor não está no coração, como a inteligência nunca esteve em alguma parte do cérebro do Einstein.
Gosto de pensar que há uma ilógica escondida no mundo. Que as pessoas mais interessantes são as que andam de cabeça para baixo. Mas não metaforicamente, isso seria demasiado lógico.
Às vezes procuro esta quebra de lógica, em todo o lado, até na forma como me abres o coração e percebes como ele funciona em cada peça do meu comportamento. Procurar ilógica em sítios lógicos é a única lógica da minha vida.
Porque eu sei lá que sentido tem tudo isto!
Nasci com um faro apurado para a minha morte. Por isso, retiro o meu coração da bancada. Preciso dele para escrever os meus textos, para tocar o meu baixo e para viver, sempre que quero mesmo viver.
No resto tempo, compreendo que vivo.

Friday, June 18, 2010

Viking girl


Podes perguntar-te várias vezes se isto não é uma incoerência. Se tudo o que eu digo que sinto não me fica afinal apenas na pele.
Se os esforços que faço para largar este pontinho minúsculo no meio do Universo que é a minha casa em Lisboa não são apenas frases de engate que seduzem um trago maior do que a vulgaridade.



Quantas vezes ele me disse que eu nunca sairia daqui. Que quem fala, nunca age. E a minha fúria atada inquietava-se sem lágrimas. Porque eu sempre fui nórdica, até na minha tristeza.
Ele sim, nunca sairia daqui! Eu sempre soube onde era a minha casa. E não confundas a minha certeza com a certeza dos vagabundos que ao meu lado, no prédio de Lisboa, se contorcem com as vitórias duma selecção que alguém escolheu por eles.

Eu tenho uma casa, sim. Tenho um hino. Tenho um país. Mas não me julgues, como ele me julgava. Eu não quero trocar uma casa por outra, como um miúdo birrento que olha para o brinquedo do lado e quer sempre mais.
Não ando à procura de uma vida mais confortável. Ando à procura de vida.

E quero ver a Patagónia e a Austrália e quero sentir o sangue a ferver, como nestes dias em que sei que vou viajar e já sinto a aceleração da descolagem dentro de mim.
Sabes? Entrar num aeroporto e sentir-me viva de repente, como se tivessem desligado o piloto automático que me controla.
É aí que me conheces. Essa sou eu. No resto do tempo é uma cópia mole, adaptada à vida que este país decidiu chamar vida.
E não julgues, como ele julgava, que sou uma tonta qualquer sem destino fustigada pelas memórias. Ou que te seduzo com esta minha hospitalidade de ter a estrada como casa permanente.

Porque quando o Mundial chega, e o hino toca, o meu coração agita-se pelo meu país. Porque a Dinamarca mora em mim, com os seus vikings pragmáticos, os seus silêncios glaciares e um estilo de vida sempre vanguardista em que todas as pessoas são possíveis, mesmo aquelas que como eu, vivem em casa à distância.

Tuesday, June 15, 2010

Ao Léon

Les grandes personnes aiment les chiffres. Quand vous parlez d’un nouvel ami, elles ne vous questionnent jamais sur l’essentiel. Elles ne vou dissent jamais: “quell est le son de sa voix? Quels sont les jeux qu’il préfère? Est-ce qu’il collectionne les papillons?"
Elles vous demandent
“Quel âge a-t-il? Combien a-t-il de frères? Conbien gagne son père?"

Le petit prince

Foi a primeira vez em que pensei na matemática de forma diferente. Foi a primeira vez em que os números no meu caderno de quadrados olharam para mim como se fossem estranhos de rua, com um sorriso disfarçado e uma implícita atitude pré-concebida, de quem calcula.
Ironicamente, eu que tanto gostava de matemática, nunca calculava.
Foi, desde que me lembro, a primeira vez em que me senti sozinha. E comecei por odiar o Saint-Exupéry na sua eterna história diabólica sobre as pessoas grandes e a fixação pelos números.
E eu até tinha gostado do prólogo. Lembro-me que li vezes sem conta aquelas frases sobre o Léon. E pensava nele com mais cuidado do que pensava no principezinho que tinha a sua rosa, ou no Saint-Exupéry que tinha o principezinho.
Às vezes, à noite, ainda dou por mim a pensar nele, que não tinha nada e passava fome e passava frio. Dantes, até imaginava um romance vadio com esse francês moribundo que conservava intacto um coração. Sempre me pareceu a alma perfeita para amar.
Mas isso era dantes, em que havia sonhos e eu não era caloira. Hoje continuou a pensar nele, na sua breve passagem pelo mundo naquele prólogo daquele livro que me roubou a matemática. Mas o romance ficou preso dentro do livro e nunca mais voltou.

Dizem que eu aprendi a fazer contas antes de falar. E nunca me serviram as palavras, quando as usei na escola. Desde cedo que o Mundo não quis comunicar comigo e eu encontrei na matemática uma exactidão universal que bania da minha vida os incompetentes e os falaciosos.
Porque os números abstractos nunca me mentiam.

Até aquele dia em que li o Principezinho. E o Léon me aparecia de noite a morrer numa rua sem nome e me dizia “ As pessoas grandes só pensam em números”. E olhava para mim de forma desiludida e morria sem fazer barulho.
E nunca consegui deixar de sentir a desilusão dele. Sempre que comprava cadernos de quadrados. Sempre que passava a mais uma cadeira do meu curso de engenharia. Sempre que resolvia uma equação.
E sempre que passo mais tempo com os números e eles me dão um pedaço do velho descanso da minha infância é a voz do Léon dos meus sonhos que oiço.
E dou por mim com a garganta presa por palavras que nunca saem “Eu nunca quis crescer!”

Hoje, vou voltar para os números, porque afinal eu nunca soube comunicar e as palavras nunca quiseram o meu amor infantil. Há talvez um mundo paralelo onde eu existo e que seria difícil de conceber para o Saint Exupery.
Por isso, antes de voltar para os números num amor resistente e desgastado em discussões de intimidade,

Gostava de pedir desculpa ao Léon pela minha falha abstracta imperdoável. E garantir-lhe que nunca vou crescer.

Monday, June 14, 2010

Saturday, June 12, 2010

A Queda do Muro de Berlim

Como se comer, beber e dormir com roupa quente fosse liberdade. Como se escolher o melhor caminho, fosse liberdade. Como se nunca ver o Mundo fosse liberdade.
Consideras a liberdade como um bem menor, um consumo supérfluo. A metáfora coloca-a debaixo da redoma, como se fosse muito frágil essa liberdade.

Sempre considerei as redomas como prisões e qualquer metáfora como uma grade da jaula. Lamento quebrar essa fina capa de ilusão na qual não ter frio é um nobre propósito. A morte é dura, eu sei. Mas a verdade é que quando morremos, todos temos frio.
E eu conto com um cobertor na alma mais quente do que todas as mantas que arranjas enquanto não atravessas fronteiras, não cedes a tentações e vives numa aldeia confortável onde todos são iguais e escondem a ambição debaixo do tapete.

Eu sei que a liberdade é tenebrosa. Tal como é o silêncio no qual tu desenhas os teus pensamentos e crias a tua filosofia.

Mas a liberdade é isso mesmo, esse caminho rebelde e teimoso. Pode ser medíocre ou pode ser genial.
Mas se não for irresponsável, nunca será livre.

Qualquer coisa que construas sem liberdade, não é verdade.
Não existe.
Todo esse frio que evitas é uma ilusão.

E um dia a verdade acaba sempre por bater à porta.
E mais vale que os muros não estejam lá para te separar dela.


Em memória do Muro que caiu em Berlim, a 16 de Agosto de 2009.

Friday, June 11, 2010

10 de Junho

A morte comemorada assim
Entrou na minha casa,
De madrugada.

E enquanto me alinhavava
com essas agulhas toscas
e mal afiadas,
a morte comemorada assim
cobria os meus livros
obrigatórios
cheios de rimas estratégicas
e nobres objectivos.

Mas não são permitidos
Livros obrigatórios
Enquanto se cose
um ser humano de trapos
e de saudades.
E a poesia nunca
teve
um propósito.

Sou livre para nunca
Gastar as minhas mãos
Em livros obrigatórios
Mas antes ensaiar em mim
Uma camada de recheio
Que de vez em quando
Solta versos
Que nunca estarão
Disponíveis para leres
em bibliotecas construídas
de propósitos.

Monday, June 07, 2010

A mão de Deus

Dois bafos de cigarro.
Duas noites e dois copos de vodka.
Eis o espaço que dou a perguntas
alheias.
Gosto de deglutir essa ideia
na minha língua.

Nunca gostei de falsas vitórias. Não existe nada
para além do tudo.
A verdade não é ausência de mentira.
E se a desconfiança habita a planície aberta,
a imensidão do silêncio
transcende o teu eco.

Mas as verdades habitam silêncios puros,
E não têm raízes.
Por isso, se não amas
mais vale que eu
o saiba agora.
Grita-o nesse vento
latino que nunca destrói a pampa
seca.
Não marques um golo como o Maradona.
Posso sobreviver a uma derrota,
mas nunca me chegaria orgulho
para regar
uma vitória inventada.

Wednesday, June 02, 2010

Incompreensão

Dantes, a depressão viveu em mim.
Deixei de comer e de dormir. Deixei de escolher a roupa para me vestir de manhã. Deixei de escovar o cabelo. Deixei de carregar no botão do Play do mp3.
Deixei de ir ao café ou a festas. Deixei de sair sozinha. Deixei de escrever.
Deixei de querer viajar.
Deixei de estar à janela.
Deixei de abrir o computador. Deixei de ver fotografias.
Deixei de ver televisão. Deixei de ir ao cinema. Deixei de comer pipocas.
Deixei de comprar roupa. Deixei de ir ao curso de alemão.
Deixei de trabalhar. Deixei de saber onde estava o telemóvel.
Deixei de ler.
Deixei de receber prendas ou visitas.
Deixei de ver jogos de futebol. Deixei de olhar para mapas. Deixei de cozinhar.
Deixei de fumar.

Cicatrizes escondidas dum osso roto,
destapadas por esse amor ligeiro.

Um dia não me sobraram hipóteses:
Deixei-me.

Tuesday, June 01, 2010

Humildade arrogante

Hoje estou num daqueles dias de ego inchado, mas com uma humildade que me credibiliza.
Vá, faz lá esse teu movimento de rotina. De passeio pela mediocridade. Faz essa tua voltinha de circo que arranca aplausos aos outros, não menos ignorantes do que tu.
Em dias como o de hoje, apetece-me bocejar ao som do teu espectáculo. E nem sequer é uma atitude de desprezo. Não pretendo que saibas que te acho ridículo.
Tu és ridículo.
Hoje, vejo-te tão bem cá de cima. Vejo tão bem as tuas rugas enfadonhas e a luta desesperada, quase cómica, para te tentares construir a pessoa perfeita que encaixa no mundo que desejas.
E vejo bem como és feio e desinteressante. Em como tens que compensar todas as carências físicas, com uma inteligência comprada para que estas mulheres olhem para ti e te aceitem. Ou pelo menos, que não te deixem. E aposto em que hoje em dia, isso já é o suficiente para ti.
Vá mostra lá a tua dança de todos os dias. Acredita, que isso vai diminuir com o passar dos tempos.
Já ganhaste a tua mulher para foder todos os dias. E um emprego para poderes brincar aos senhores importantes. O teu “show” é cada vez menos preciso e as luzes apagar-se-ão muito antes de morreres.
Eu nem vou gastar tempo a apupar-te.
Enterra-se contigo o teu fim, todos os dias.

Thursday, May 27, 2010

Amores banais

Nunca quis amores banais.
Não tenho qualquer interesse em não estar
sozinha.
Tenho em mim este narcisismo
Que arranquei à força de espelhos.
E aperto contra o peito todas as
noites.

Nunca gostei de metáforas e
máscaras para a solidão,
que usam camas sucessivas
para fabricar amores sucessivos.
Laivos de prazer que enchem páginas
de escrita de poetas
boémios.
Únicos, neste país de invenção,
onde ler duas palavras seguidas
é cultura.

Nunca gostei de cozinhas partilhadas
E camas partilhadas.
Tenho horror à fusão
de vidas.
E a casamentos de conveniência
Que inventam vestidos compridos
E crianças ranhosas,
Numa dança cíclica que a inteligência
que não existe não permite
não questionar.

Nunca tive paciência para histórias de amor
De televisão
papadas entre sexo explícito
e bordados cor-de-rosa.
Tresandam a mofo.

E eu,
gosto de respirar à janela e sentir os
meus pulmões doentes.
Assassinados pelo meu amor.
O melhor futuro que se pode
prometer é o presente.

Sempre quis um amor de morte
Suspenso em viagens.
Com açafrão e o calor do deserto.
Nas palmas das mãos.

Sempre quis fugir de madrugada
E viver um amor de cinco minutos.
Que durasse para sempre.

Monday, May 24, 2010

Amor cíclico

Do sítio onde estava via toda a praia:
O extenso areal branco sem margens e o risco de mar azul claro,
borrado
pelos dedos de um qualquer Deus
descuidado.


Do sítio onde estava via, repetidamente,
uma mancha negra de pessoa
que atravessava o areal
sem grãos de rasto;
um cenário deformadamente
escurecido de branco.


Mas trazia-lhe o mar um gosto
amargo
a consciência de morte,
sempre que de manhã passava na praia e
aquela mulher lhe comia
mais um pedaço de coração.


"Porque te vestes de preto?"
Estou de luto permanente por mim.


Há um agoiro de vento que me adoece
as asas.
Vem de terra.
Sempre veio de terra. E por isso
passeio a minha consciência
pelo mar,
enquanto espero a minha vez de
morrer.

Sunday, May 16, 2010

Palavras certas

 “Prefiro a morte”, disse ela.
Oh, ela estava sempre a dizer esse tipo de coisas. Essas e outras, todas misturadas eram difíceis de entender.
Sempre tive vontade de lhe dizer que a morte era uma coisa séria. Que ela devia pensar bem na morte. Tal como pensava na vida.

Mas ela não pensava em nada. As palavras fugiam-lhe da boca, como eu sempre fugira de qualquer responsabilidade.

Outras vezes ela chorava. E eu, tal como um boneco demasiado desajeitado, entupia o ar com o meu silêncio.

Mas naquele sítio escuro ao pé do rio, eu pensava na morte. Como sempre, os pensamentos esquivos do meu último momento angustiavam-me as mãos retorcidas. Cada golfada de ar a saber á ultima, sem ser a última.
Esse gosto de sangue ressequido nos lábios e uma vontade de vodka: acabar com esta consciência e perpetuá-la indefinidamente.

E porque é que eu nunca sabia dizer as palavras certas?
A morte. Ninguém prefere a morte.

Ontem encontrei-te por acaso. Ias na rua certa para me encontrares e sabes que não acredito em coincidências. Agarraste essa minha fragilidade e levaste-a para a cama num abraço de prazer demorado.
Só acordei de madrugada, na tua cama fria, e entre um beijo demasiado molhado encontrei as palavras certas para a tua presença dentro de mim naquela noite.

E senti-me a pessoa errada.

Ela sempre dizia que eu sou uma pessoa permanentemente insatisfeita.

Friday, May 14, 2010

Perfeição

Tu sempre foste o melhor.
A tua força calcária atravessava os tempos, como se vivesse permanentemente em ti uma guerra ganha.
Sempre afogaste os medos como gatos recém-nascidos indesejáveis.
E ao som da morte, tu limitavas-te a baixar o volume; sempre controlaste a realidade.
E ganhavas em perfeição a todos, porque te ultrapassavas em corridas sucessivas. Deixavas cascas de ti mesmo para trás todos os dias.
Naquela noite, decidiste tocar perfeitamente para a assistência que te idolatrava. E como sempre, a perfeição estava ali ao teu alcance, como uma maçã numa árvore demasiado baixa.
Nunca soubeste o que correu mal nessa noite. Ainda hoje não sabes: a árvore continua do mesmo tamanho, tal como os teus nervos queimados. A perfeição continua tão fácil hoje como naquela noite. Ainda não sabes onde erraste, porque nunca chegaste a errar.

Mas eu vi. Eu vi-te ser perfeito. E vi-o enganar-se nas primeiras notas. Vi o desespero humano na figura física que transpirava das mãos; o amor que trouxera para o palco traíra-o. Ao contrário de ti, ele não era perfeito e errou irreversivelmente em notas que se perderam na música transfigurando-a, enquanto a assistência segurava uníssona a respiração dele que podia quebrar-se a qualquer momento.
O que foi perfeito, foi a força dele. O mesmo amor que o traíra, salvou-o e ele deu essas notas por perdidas. Mas só essas. Depois esqueceu-se de quem era e chorou a sua imperfeição em palco.
A assistência aplaudiu de pé, como nunca te aplaudiu a ti e, agora tu sabes, nunca te vai aplaudir.
Porque a verdadeira perfeição só emerge depois da falha.
E tu não sabes falhar. Por isso nunca serás perfeito.


Para todos os músicos que têm a pretensão da perfeição.

Wednesday, May 12, 2010

Love cannot save you from your own fate

Sinto-te com todas as extremidades.

Quero chegar a casa e partir
todos os teus móveis.
Amarrar a sereia com a minha
corda, fazê-la gritar
e ser
um Ulisses desvairado
saciado pela sede
de não voltar para a Penélope.

Quero destruir-te e deixar-te
caído no chão, ao pé
da faca com que me cortarás
o coração.

Eu sinto-te demais. E sou
um fantoche de
mim mesma, que não sabe
obedecer ao mestre.

O amor latente é este
que nunca devia começar.
Nunca soube pôr o amor em cima
da mesa quando chego a casa.
E por isso, um dia vais bater a porta
e encontrá-lo espalhado
pelos móveis que nunca cheguei
a partir.
E perceber que eu sou a causa
da morte
do nosso amor imortal.

Monday, May 10, 2010

Pensamento do dia

Hoje tenho vontade de voltar a Paris e dizer-lhe que ele sempre esteve certo.
Eu não volto a Paris.
Mas hoje sinto o orgulho dele em mim.

Friday, May 07, 2010

Poema

Dois quadrados de sol:
Eis o triunfo do meu dia.

E tu atravessada com uma espada
no enquadramento
Sorris com esses dentes de
desenho animado.
e essa roupa de bolor
que está na moda.

Chega-me no ar o cheiro
do teu caixão
e uma vontade incontrolável de
vomitar-te para cima
pinta-me os lábios.

Hoje estou grávida
de solidão.

E vejo os meus quadrados de sol
trincados.
Um enjoo
por saber que o meu caixão
está ao lado do teu.

Tuesday, May 04, 2010

Jacques Brel

Existe uma aparente indiferença sobre o que não se vê. Ou como se tudo o que se visse fosse simplificado numa equação de imagens.

Eu sempre rejeitei a realidade dos meus olhos, esses órgãos viciados num mundo demasiado feio para não enviesar o mais refractário dos ângulos.

Hoje oiço Jacques Brel à janela da cozinha. E tu dizes-me que ele era feio. Como se a vida dele, como se a existência dele se resumisse a um corpo abandonado dentro de uma voz. Como se essa voz, essas palavras que oiço neste momento fossem a compensação cedida por um qualquer Deus. Como se esse Deus que me inventas tivesse pena da cara dele, das rugas dele, do nariz torto dele. Como se ele cantasse daquela forma porque nasceu assim, fechado num corpo horrível e lamentasse em cada nota, a solidão da sua fealdade que o afastou do mundo das pessoas bonitas onde o sexo é garantido.

Mas na realidade ele era feio, tu repetes. E isso quase me magoa, de tão complexamente superficial. Eu sei que ele era feio. Sei-o porque me habituei aos estímulos deste mundo mudo. Sei-o porque reconheço os padrões.

Mas eu não compreendo que ele seja feio. Eu não o acho feio. Mesmo com as rugas e o nariz e todos esses defeitos, que aparentemente o tornam horrível. No meu mundo invertido eu só lhe vejo a voz. A voz é o único corpo que lhe conheço.

Importa-me lá que ele tivesse essas características todas que lhe apontas. Não são relevantes, não existem. Não precisam de ser compensadas. Elas são aquilo que eu quero ver e não o contrário.
Por isso não digas que te estou a fazer um elogio pela metade quando te digo que podes ser-me tão lindo como o Jacques Brel. Tomara esse Deus que não existe, em algum momento conseguir compensar o corpo grego que tem, com uma existência tão cheia como a que existe na voz de Brel.
Este é o melhor elogio que te posso fazer. Porque significa que não tens nada a compensar.



Para o Ricardo

Monday, May 03, 2010

Um cigarro no caís do Sodré

Ia a sair de casa, quando o encontrei. A noite estava tão quente que os vidros da janela escorriam mel de Verão. E por isso larguei o quarto aberto, silencioso como um gato para poder lamber esse doce, cuja ausência me tornava ainda mais anémica.
“Onde vais?”
Perguntas de vão de escada, de prédios multiplicados.
“Vou lá a baixo fumar um cigarro”
Olhares cúmplices em lâminas de instantes. Por há sempre sinónimos para aquilo que não queremos dizer. E há uma linguagem de esgotos, que nos vive debaixo da pele onde sabemos as respectivas correspondências.
Eu repito-me que ele conhece essa linguagem proibida. Que sabe exactamente o que cada uma destas palavras quer dizer no meu universo restrito que é o mundo inteiro.
“Está bem, fazes bem”
Mas ele não sabe.
Desço as escadas em busca de ar, sinto-me repentinamente presa numa rotina de vida. Como se este calor puxasse em mim aquele amor escondido. Como se nunca tivesse deixado de amar a minha adolescência e esse primeiro amor voltasse sempre que faz calor e eu estou presa em quatro paredes de uma rua.
Ar puro.
Afasto-me da porta do prédio. Dos vizinhos. Da rua. Do bairro.
O cigarro sabe-me a mel, neste vento que me leva para longe. Gostava era de voltar ao meu amor, que ficou esquecido.
Este calor inquieta-me, faz arder a pouca razoabilidade que me sobrou desse sonho antigo. Porque é que este calor não me explodiu nas mãos? Vive-me aqui, numa implosão constante. Gostava tanto de vê-lo explodir, como gosto de o sentir aqui, sensualmente perto da minha pele a ameaçar a explosão.
Há uma distância ilimitada que nunca poderei percorrer. E não vale a pena dizer que amo Lisboa. Amei-a dantes, nestes anos podres barrados de ócio. Ou talvez nunca tivesse chegado a amá-la. Porque não amo nada.
Só amo o que não se ama: o próximo instante, as ruas sem paredes. As gotas do mar e a saudade do futuro.
Não a vale a pena arranjar todos os dias desculpas para poder amar. Estou farta de desculpas que turvam o mundo para eu poder suportá-lo.
Não quero amar coisas que não quero amar. Tal como não quero ouvi-lo dizer coisas que ele não disse.
Voltei. Abro a porta.
“Demoraste! Foste fumar um cigarro ao Caís do Sodré?”
Até parece. Mas ele não sabe.

Thursday, April 29, 2010

Os meus dois amigos

Os meus dois amigos são dois.

Vieram montados nesses cavalos do faroeste. E nesta vila onde as moscas do bar são mais rápidas do que as mentes a sacar uma pistola de originalidade, eles foram os cowboys dos filmes.
Os meus dois amigos são dois.
Mas vieram lado a lado. Com a liberdade vergonhosamente gravada nas crinas do cavalo único, que ambos montavam. E eu afaguei esse cavalo com a mão da minha solidão.
Os meus dois amigos são dois.
Os meus dois amigos são um.

Depois, quando eu já era outra, revirada no par de olhos novos que me deram, apaixonei-me por esse fim de tarde que se impunha ao fim da estrada.
Porque um deles foi mais rápido. Um deles sabia de cor a podridão falada deste lugar esquecido no fim do mundo dos esquecimentos. Um deles sabia a língua das vizinhas à janela a cozinhar a vida alheia, a língua das miúdas de bar de strip no seu show vulgar e ordinário. E o outro não.
O outro era só um viajante ocasional que passeava a sua solidão trancada. Uma solidão mais honesta.
E foi por isso que quando o meu amor me deixou no fundo dum frasco de vodka, ele foi o único amigo.
Verdadeiro como o álcool. Quente e inflamante como o álcool.

Os meus dois amigos que eram dois.

Os meus dois amigos que eram um.

O meu amigo que era um.

Porque afinal no cavalo só viajava um amigo.
E ele usou esse mesmo cavalo em que chegou, para me levar da casa dele onde eu ia morrendo aos pedaços, entre os risos e o algodão doce daquela feira popular social.
Porque o que nos aproximou de forma proibida foi esse peito aberto à guerra, com o estandarte da solidão à frente. Foi essa mão que nunca passamos um no outro, cada vez que sentíamos a dor do isolamento, a sustentação da ausência de hipocrisia.
Foi assim que nasceu esse amor de amizade. Foi tão honesto que ninguém percebeu, nesta vila social onde toda a gente se ata e se remenda com as linhas de quem gostava de ser. Foi tão honesto que nem nós soubemos, que entre as nossas duras palavras, um abraço significava o amor mais puro. Um amor nórdico que contrastava com o meu tom de pele.


O meu amigo que era um.
As saudades desse meu amigo que me deitou na cama e me aconchegou quando voltei para casa... Para a vila de monstros deformados e estáticos que obrigavam o relógio a andar para a frente para se convencerem de que evoluíam.
O meu amigo que era um. Mas que sempre valeu por todos.

Mas hoje o meu amigo está mudo. Chegou-lhe a notícia de que me libertei daquela vila e que estou prestes a correr a mundo. Chegou-lhe a notícia de que talvez passe à porta dele.

E os ciúmes latinos que herdou da minha pele povoam-lhe a ausência de palavras.

Os meus amigos que eram dois.
Os meus amigos que eram um.
O meu amigo que era um.
O meu amigo que afinal nunca foi meu amigo.


Porque eu escolhi o amigo errado.
Porque eu escolhi o amor errado.
E nesse erro crasso carregado de partículas sociais,
condenei ambos a falharem comigo.



Popular Posts