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Tuesday, December 07, 2010

A Rosa Azul

Ás vezes, uma certeza claustrofica apanha-me à noite a chorar. Sempre tive o horror da morte a queimar-me a pele. Quando era mais nova, adormecia a pensar no Universo e em quão pequena eu era no meio dele. Depois, vinha uma onda de consciência que me abanava: era como se eu visse o plano de cima e entendesse a efemeridade do meu corpo. E do alto dos meus seis anos, eu percebia que tudo ia terminar, e que um dia não mais eu formularia pensamentos, ou estaria assim deitada a ter consciência das coisas.

Depois a onda de consciência avançava brutalmente sobre mim. E o plano visto de cima parecia apenas mortifero, sem proposito. E eu sentia-me um condenada sem ter tempo de perceber qual é o jogo que se está a jogar.

E perguntava: “porque é que vivemos?”, “o que é o Universo?”, “onde está o Universo e o que existe para além dele?”, “qual é o proposito de tudo isto?”. A minha mae olhava para mim confusa e limitava-se a dizer que um dia na escola eu perceberia. Ou não fosse eu a criança que aprendera a ler aos quatro anos.

Mas eu sabia que não. E por isso, essa onda de consciência horrorizava-me. Bloqueava-me o corpo na cama enquanto a noite lá fora continuava calma, como sempre. As imagens do futuro preenchiam-me o presente e eu só conseguia ver que tudo aquilo que eu tinha, toda aquela vida quotidiana ia acabar. E que eu seria apenas uns quantos ossos espalhados por uma terra qualquer.

Um dia, ainda nos meus seis anos, ganhei coragem para pronunciar o que tanto me angustiava de noite. Cheguei perto da minha mãe e tentei falar-lhe, mas inesperadamente surgiram lágrimas em vez de palavras. Logo a mim, que nunca chorava. “O que se passa?” dsse ela. E eu finalmente expeli os meus pesadelos “Não quero morrer!”.

E ela riu-se.

“Todos nós morremos.”

Lembro-me que nessa altura pensei que se ia ter que lidar com aquela angustia para sempre todas as noites era melhor nunca ter nascido. E porque tinha eu que pensar naquilo? Nenhum dos meus amigos com seis anos pensava na morte.

Comecei então a não deixar avançar a onda de consciência. Porque se tivermos os nossos dias preenchidos e atarefados, se tivermos sonhos e objectivos, a cama encntramo-nos cansados à noite e um dia morremos sem dar conta.

Pensar é um erro. Sim, descobri-o muitos e muitos anos mais tarde. Mas é um erro inato em mim. E mesmo cansada dou por mim sem sono à noite. E os pensamentos têm na minha cabeça o melhor sitio para se desenvolverem até se tornarem disformes e suicidas.

Por isso, depois passei apenas a ceder a uma parte da consciência que descia sobre mim.

Costumava dizer para mim mesma (como se não estivesse sozinha) que ainda faltava muito tempo para que a morte chegasse à minha vida. E que não valia a pena cansar-me em angústias futuras. Depois tentva pensar no mar e no barulho das ondas. E adormecia.

Agora que passaram mais de vinte anos sobre os meus seis já começo a não ter forma de me enganar e em noites de angustias e de choro compulsivo no meio de uma solidão fria até aos ossos, vejo-me confrontada com o meu dilema ancestral.

“Quem sou eu afinal? O que é isto, onde eu estou?Quem são as outras pessoas e o que está dentro delas? Para que é estou aqui?” E tudo parece ( ou efectivamente é) um enorme buraco sem fim. Um buraco da mais profunda solidão. O buraco onde a Alice caiu.

Nada parece fazer sentido.
Porque nada faz sentido.

Acendo a luz. É mais um pesadelo. Um sonho meio desfeito, meio real, com fronteiras dificeis de apalpar. As pequenas logicas vão aos poucos tomando conta de mim.

E a primeira é a que não estás ali, como de costume, para me abraçar e me dizer que o teu amor faz sentido ainda que o Universo seja um caos.

Acordei de um pesadelo para outro. Será sempre assim, até morrer.

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