Ela entrou na sala, mas ele já lá estava. Havia um ruído de fundo que roía como uma traça o background daquela cena. E eles falavam entrecortados, de forma casual, entre as vozes animadas dos outros que por ali andavam. O ruído das vozes impedia-os de ouvirem com nitidez a música que passava na rádio, e que ambos, sem notarem trauteavam com os pés. Até que alguém achou que havia demasiado ruído na sala, e apagou o rádio. No silêncio estreito daquela confusão, a conversa banal entre eles morreu; ouviam o eco das suas próprias vozes. Por isso, pousaram o copo e voltaram para casa, como sempre faziam.
No dia seguinte, a cena repetia-se, monotonamente, sempre com a mesma intensidade frouxa. Estabelecia-se sempre uma conversa causal que não significava nada sem que no entanto, eles se sentissem desconfortáveis. Ela falava um pouco sobre o tempo, sobre as greves da semana, a chatice de ter que ficar até mais tarde no trabalho. Ele falava do bom que era almoçar sem falar de trabalho, falava das férias do Verão e dos livros de banda desenhada. E aceitavam naturalmente esse limite da sua relação – não se pode amar toda a gente. E mantiveram-se casualmente assim por semanas indeferidas, num mar plano e doce, sem que existissem ondas ou tremores. Boiavam um no outro.
Um dia, porém, ele entrou na sala e ela estava a falar sobre o seu baixo. Casualmente, como sempre, ele disse-lhe que também tocava baixo. “Ah, então também gostas de ouvir o que escorre por detrás das músicas?”Ficaram mais do que o costume a trocar várias impressões sobre isso, sem que no entanto, se sentissem subitamente apaixonados um pelo outro. No fim, ele disse “ devíamos experimentar tocar essa música que tu gostas. Eu também sei tocar guitarra, podemos experimentar”.
Ela aceitou de imediato, porque a fascinava aquela simbiose da música partilhada. Tentara algumas vezes, sem muito sucesso. Há sempre muitos sapos a beijar no caminho – fora uma lição que lhe ficara desde pequena.
No dia seguinte, perante uma audiência curiosa eles sentaram-se frente a frente. Antes de começarem, avisaram que eram ambos inexperientes.
Depois as luzes fecharam-se e ela começou a tocar, sentindo-se estranhamente nervosa. Devagar, sem entrar na música, ele começou lentamente a despi-la. Beijou-lhe o pescoço que oscilava naquele tom grave e profundo que só o baixo capta. A audiência perdeu a respiração e congelou-se. A luz baça pousava-se apenas nela e ele continuou de forma sensual a tocar-lhe todas partes do corpo. Há medida que aquele prazer lhe preenchia o corpo, de olhos fechados, a linha de baixo foi ficando mais intensa. E num pequeno clímax, ela abriu os olhos e olhou-o fulminantemente. Ele tirou a camisa que lhe faltava e a guitarra entrou na música. Primeiro devagar, completando aqueles pequenos espaços de som vibrante, depois mais depressa, estendendo-se numa melodia ousada que aumentava as notas dela. E ela gritava, no seu tom baixo, a seu tempo enquanto ele ia acrescentado pedaços irregulares daquele amor que faziam em conjunto. Olhavam-se agora de forma provocatória e simbiótica, enquanto a guitarra se tornava cada vez mais forte, cada vez mais poderosa, sem nunca ameaçar, no entanto, a beleza dos sons repetidos que ela deixava escapar.
E presos àquela inevitável paixão, conjugaram-se ambos para o mesmo fim. Com a mesma força, a guitarra chegou ás mesmas notas do baixo, tocavam agora a mesma melodia; encontraram-se e os seus corpos misturavam-se num prazer demorado e intenso que fazia corar a audiência. Quando a música atingiu o seu auge, eles atingiram o orgasmo mais violento que haviam experimentado: o Amor explodiu e desfragmentou-se em pequenas ondas de prazer que os electrizaram, muito para além de terem desligado os amplificadores.
Quando a última onda de som abandonou a sala, a audiência, envergonhada, aplaudiu timidamente. Outros saíram simplesmente da sala.
Eles vestiram-se, pegaram nos instrumentos e saíram da sala sem trocarem uma palavra. Nunca pensaram, um dia, casualmente fazerem sexo em público.