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Sunday, August 26, 2012

Se um dia escreverem a minha biografia quero que a façam por aeroportos


Viajar sempre foi um sonho tão desejado que possivelmente o Mundo o repelia de mim, como para me obrigar a ver um pouco mais do espectáculo antes de ir embora.
Chegaria o dia, diziam-me, em que entrar no avião seria tão banal como apanhar o comboio, ligar os phones e adormecer um pouco para acordar rapidamente noutro sítio.

Como amar uma pessoa e chegar um dia a casa e perceber que a música de fundo é só uma forma de o tempo andar mais depressa, até uma estação que não foi ainda desenhada.
E como se ao amar, já estivesse implícito que não se ama. Como se o começo contivesse o fim dividido infinitamente pelas vezes em que o pensamos.

Tremem-me as mãos manchadas à porta do aeroporto. Que é porque amo demais as coisas que elas se desgastam como fósforos. 
Que é porque não as sei beber por goles que as paixões não duram.
Não as estico. Não as permaneço.

Mas isso é como entrar no aeroporto e por os phones, sentar-me na cadeira e esperar pela chamada da voz rouca. É permanecer semi-indiferente à realidade das cosias que chamam por mim. Se o amor devia ser assim, então mais vale que não comece. Que acabe antes de ser morto às fatias.

Saturday, August 25, 2012

O Mar


Ao andar pelas ruas pequenas e encarquilhadas tudo voltou à minha lembrança. Aquelas noites de Junho quentes e cheirosas, como se o calor cheirasse ele proprio a manjericos, os vestidos frescos, os lençois sedosos, o sol a espreitar as persinanas de manhã. Os sonhos que existiam mas sobre os quais não se tinha consciência.
A cidade antiga é branca e caótica como um labirinto. As janelas estão todas abertas, a roupa lavada está estendida nas varandas mas fica seca como farrapos de bandeiras de navios naufragados. Passo por baixo dos vários arcos em busca de uma praça, mas não há ordem nenhuma, a não ser aquela ordem natural de se ir acrescentando paredes sem pensar no futuro da casa.
A minha pele está castanha e brilhante, sequiosa por este calor que lhe nasceu nos nervos, os pés sabem o caminho sobre aquela pedra branca silenciosa até ao mar. A maresia está em cada atomo de vento, irrompe os pensamentos e os passos tornam-se salgados. As minhas mãos tacteiam o vazio que de repennte se torna cheio de espaços. E para lá daquelas paredes brancas, o Mar surge como uma risca de azul borrada de esperança.

Thursday, August 23, 2012

O mito do D.Sebastião


Lembro-me que entre nós pouco ou nada foi bom. Talvez uma tarde em que havia Sol e nós fomos passear ao pé do rio. Ou talvez aquele momento difuso em que tu disseste não sei o quê. Aquilo. Qualquer coisa que até foi bonita mas que se escapa da minha memória.
Lá no fundo, é como se fosses apenas um fumo branco e cheiroso, uma nuvem que promete eternamente um D.Sebastião. O anteceder de um concerto onde o nevoeiro possibilita todas as notas de musica, todos os riffs, todos os solos que estão por inventar.  
Tudo entre nós acabou de forma abrupta e encarceradora, numa guerra feita de sangue seco que coagulou nas únicas linhas de comunicação que poderiamos ter tido mas que nunca soubemos usar. Assim morre o amor, dizem os livros. Dizem as pessoas. Até tu me gritaste isso aos ouvidos, quando me atiraste com a porta no meio de anseiras rancorosas. Afinal o amor tinha mais de amargo do que as horas dolorosas passadas à espera que ele chegasse.
Mas não há nada que o tempo não cure. Ou, mais correctamente, não há nada que o tempo não mude. Porque hoje, lembro-me que entre nós pouco ou nada foi bom. Mas  a verdade é que quando afasto o nevoeiro saudosista que me atiram para os olhos, sei que na verdade nunca houve amor nenhum e as boas memórias nunca tiveram chão para medrar, porque nunca as chegamos sequer a semear. 

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