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Friday, December 19, 2014

Without the sour the sweet is never as sweet 
(Vanilla Sky)


A vida é tão boa. Mesmo quando é má.

Levanta-te e caminha, olha em volta.
Tu és dono de tudo e em ti estão todas as respostas.
Mesmo que haja dias negros, pensa que não morreste
ainda.

Há uma chance ainda.

Não me digas que sou optimista. Logo eu, que estou
tantas vezes triste. Não percas tanto tempo a pensar
onde falhaste ou de quem sentes falta:
esqueces-te de ti.

A vida és tu.  
E claro o sol, o mar, o cheiro da roupa lavada. As noites de Junho.
Todos os teus amores.

Enquanto há vida há sempre um recomeço
Por mais estreito ou duro ou amargo.
Há sempre mais uma oportunidade de te levantares
e te maravilhares com o bater do teu coração.

Deixa para trás os dias tristes,  vai fechando tudo em caixas.
Haverá sempre um dia em que percebes que tudo
valeu a pena.

Saturday, December 13, 2014

Nada

Near my home there used to be a beautiful lake, but then it was gone.
Did the lake dry up?
No, it just wasn't there anymore. Nothing was there anymore. Not even a dried up lake.
A hole ?
No, a hole would be something. It was nothing.

(Neverending story)

O tempo frio e chuvoso escondia-nos o que podia ser uma cidade linda. Debaixo desta neblina contínua, ela dirigia-se incertamente rápida como finjindo saber exactamente aonde queria ir. Como uma sombra discreta, eu segui-a também para todo o lado, aquecia-lhe as mãos quando ela parava e os dedos esguios se enregelavam como paus secos e sentava-me a seu lado nos bancos das paragens de metro, naqueles breves minutos em que ninguém estava no átrio e se ouvia assustadoramente o som grave do coração dela a ecoar pelas paredes.
Ela, claro não notava a minha presença, há muito tempo já que me habituara à minha mera condição de fantasma. Um tempo houve em que tivera um corpo quente mas isso era agora um passado tão distante que era como se simplesmente nunca tivesse sido.
Ela subia a rua íngreme, o bafo quente saia-lhe da boca como uma labareda tímida, e eu seguia-a como sempre curioso e inquieto. As iluminações de Natal mal se viam debaixo da neblina e indiferente a isso – e a quase tudo, ela continuava a escalar a rua. Parou à porta da igreja onde por breves segundos se deteve. Depois entrou e percorremos lado a lado aqueles corredores de pedra fria e de cheiro a musgo. Outras pessoas foram entretanto chegando e ocupando os vários lugares disponíveis. A meio da igreja ela decidiu também sentar-se. O frio era intenso e mais grotesco que nunca. Sentei-me a seu lado, os olhos dela olhavam para frente, um grupo de crianças com os seus bibes brancos imaculados agrupavam-se junto a um orgão ancestral.  Quando o relógio bateu as nove horas as crianças começaram a cantar. As suas vozes frágeis e inocentes encheram a ingreja, e cantavam com tamanha melodia que por momentos o frio desapareceu e uma paz avassaladora nos abraçou. Vi que uma lágrima tímida aparecera nos seus olhos e que ela automaticamente a limpou com a mão. Mas ao fazê-lo mais lágrimas apareceram e as suas mãos deixaram de ser suficientes.

Tinha já passado tanto tempo. No ínicio custou-lhe tudo.
Depois custou-lhe apenas a ausência .
Vi-o em todo o lado, em todas as esquinas
Em todos os passeios, em todas as ondas do mar
Costumava andar pela rua com ele
(lembra-se agora!)
Depois ficou apenas a rua e ausência dele pintada nas paredes
para onde quer que olhasse.
E o tempo passava implacável destruindo tudo,
reduzindo Tudo a Nada.
Passou tanto tempo que se esquecera
que um dia sentira dor e raiva
cada vez que esperava sozinha que o metro chegasse.
E que o vazio que ele lhe deixara era a única
coisa que tinha.

Abriu os olhos e sorriu-me. Sorri-lhe de volta, animado pelo calor das vozes que nos cercavam. E vi o braço dela erguer-se e devagar pousar a sua mão em mim. Debruçou-se e devagar sussurou-me ao ouvido:
                               Tenho saudades tuas.


                       


Sunday, November 16, 2014

Tentei escrever um texto,
para expelir a minha raiva.
Ou olhar pela janela o dia todo
para me conformar com a tua ausência.

Mas quanto mais os dias passam,
menos tenho para dizer
menos janelas existem à minha volta.
Não sei o que fazer.

Se me enrolo nos  cobertores
não consigo dormir.
Se passeio na rua o céu é pesado
e esborracha-me.

A vida tem seguido em frente sem ti.
O Sol não parou de aquecer nem a chuva
de regar as plantas.
E ao fim de todo este tempo
isso é o que mais custa.

Nenhum texto te tráz de volta,
Nenhuma janela me consola.
Esta é a definição da vida por oposição
À morte. 

(em memória da Farrusca, e porque o melhor amigo do homem ás vezes é mesmo um cão) 

Friday, October 03, 2014

Essa Música

Conforta-me, respira-me. Faz-me saber quem sou.
Não há nada pior do que esta lenta perda de
indentidade.

Sem música e sem a arte
Tudo é monotonamente.
Sem mar, sem Lua, sem as constelações das
noites quentes.
Apenas um bater de horas de uma vida apressada
para nenhum lado.

Conforta-me. Faz-me respirar contigo. Ás vezes,
abro a janela, as folhas já cairam das árvores e eu
não sei o que foi do Verão: Morri momentaneamente
sem dar conta.

Preciso que me respires, para que saiba quem sou.
Porque enquanto te ouvir, tudo o que vale pena
existe,
E a minha existência existe, mesmo que
eu já esteja morta. 

Thursday, September 25, 2014

Amigos de Facebook

Encontros breves, palavras ligeiras. Rimos e brincamos quando eramos pequenos, quando a vida era fácil. Quando não havia opiniões de política, desporto ou economia. A vida era assim: “queres jogar à bola? então tudo bem”, nunca mais do que isso. Depois, vieram as guerras da adolescência, os amigos a sério e os inimigos ainda mais a sério. Não era a política que nos separava, mas o instinto primário. Largados ao acaso, agrupavamo-nos por gostos musicais, por aparência e beleza ou ausência dela. Uns desprezavam-me porque não era popular outros sentiam-se irredialvemente atraídos pela mesma razão. Até que um dia, crescemos definitivamente e olhámos uns para os outros com olhos de adultos. E agora parece ser tão fácil ver que cada um de nós se tornaria exactamente no que se tornou. Agora que entendemos as coisas de outra forma, secalhar julgamos de maneira diferente. Olhar para trás agora pode ser nostálgico. Parece que de repente as inimizades nasceram apenas na imaturidade dum contexto infeliz. Mas não te deixes enganar. Se adicionares os teus velhos “amigos” desses tempos no Facebook, vais ver dentro de uns meses, que eles e tu não mudaram nada. Que a política e o desporto e economia continuam a não contar para nada. E apenas com teu instinto primário acabas por apagar quem não interessa. Fisica ou virtualmente é tudo parte da mesma coisa.   

Monday, September 01, 2014

Pensamento

A tua ausência enche-me, mata-me devagar como a uma fome de excessos. Podia eu seres tu, talvez já tenha sido tu, depois de tudo. Agora sou uma cama vazia, enchida de corpos que não vejo, que caminha à deriva. Deixei o Kansas para nenhum destino.

Cave of swimmers

Saí pela boca profunda do metro e desemboquei num pequeno cais lateral onde a água batia na pedra, um pequeno muro se estreitava entre mim e aquele mar. Por cima e pelos lados corriam outras linhas de caminho-de-ferro e auto estradas, viadutos e pontes que ligavam aqueles pedaços de terra por entre a água que nos cercava de todos os lados.  
Deixara-os no restaurante e saíra naquela hora em que ninguem está na rua. Quando subi as escadas sujas e me deparei com aquela água a baloiçar como uma criança pronta a adormecer, parei. Subitamente, parei. A cadência daquele mar, as cores de poente pintalgadas naquele relevo de ondas hipnotizou-me e fui-me aproximando até lhe sentir o cheiro na pele.
De repente, tudo fez sentido, que é o mesmo que dizer que tudo ficou pequeno. O caís elevou-se e eu cresci sobre aquela ilha, afastando-me gradualmente de todos os restaurantes do mundo. E lá de cima tudo o que se contemplava era aquela água azul escura, ondulando para mim. Pisquei os olhos devagar, filtrei a luz e em cada poro a vida brotou cheia de intencionalidade.

Depois, nada mais importa. 

Saturday, July 05, 2014

A Casa do Rio

(inspirado no conto de Sophia de Mello Breyner Andresen, "A casa do Mar")

Para o Ricardo.


A casa existe na cidade, como um casulo resguardado que mantém a sua própria identidade. Da envolvência suspendem-se gritos de luz e ruídos de semáforos que nunca perturbam a casa. Ela existe paralelamente a eles e ao mesmo tempo existe no meio deles, ignorando-os.
Quando se entra no vão da escada, sente-se o fresco do Rio que está lá mais longe. É aí que a casa começa, no inicio das escadas de madeira que conduzem ao último apartamento. Quem sobre as escadas, é obrigado a dar passos curtos e a encostar o corpo nas paredes, como se a própria casa exigisse a intimidade, tornando impossível aos visitantes não se envolverem com ela.
Os pequenos lanços de escada conduzem ao último patamar. Dali, apoiando a mão no ferro, vê-se o vão da escada que se percorreu e as plantas exóticas que alguém nunca se esquece de regar. Ali, sente-se o cheiro de mistérios e de novas especiarias. A porta de madeira sustem-se impenetrável, e aguarda na expectativa os visitantes que subiram aquelas escadas em busca de Outro Mundo. Que perscrutaram nas sombras frescas os movimentos vanguardistas, como que adivinhando que dali se vê o Mundo por outra lente. 
Quando se mete a chave à porta, ela cede com um soluço. Após a violação sente-se uma electricidade que chega ás pontas dos dedos e é acalmada pelo cheiro da Casa que abafa todos os outros cheiros. Porque a Casa impõe-se, comanda o tempo e o som. A pouca mobília existente cria espaços densos onde dança a luz filtrada pelas portadas, normalmente fechadas para não deixar entrar o calor ou o frio excessivo. A Casa é assim, mediadora e é nela que tudo se passa.
Do corredor estreito surge, à direita, a cozinha e a sala e à esquerda o escritório. A meio, entre estes dois polos, está o quarto.
Só as janelas do escritório dão para o Rio. Assim que se fecha a porta de madeira, esta é a divisão da casa mais apetecível. Da entrada, vê-se a enorme secretária preta, de tampo de vidro e os pequenos mapas onde repousam viagens. Como se a própria divisão tivesse viajado pelos setes mares e conhecesse, ela própria o sabor dos cinco continentes.
Para além da secretária que se encontra perpendicularmente à janela, só existem duas estantes, estrategicamente colocadas para coleccionar conhecimento e amor catalogados em livros e em discos. Perdidos pelas prateleiras estão também postais e lembranças: um leque de Sevilha e uma piranha da Amazónia conferem um ar de museu intimista, onde se conta uma história sem princípio e onde se decide, a cada segundo de ar engolido, o fim.
É desta janela que se tem a vista mais arrebatadora. Quando se abre a portada e se olha em frente, o azul do Rio perde-se nos olhos. Ao longe vê-se a ponte que liga a cidade ao infinito, tornando a casa num princípio de Adeus inadiável.
De noite, a água fica iluminada pelas luzes azuis e vermelhas da ponte que serpenteia o rio. Com a janela aberta, entra a tépida luz do candeeiro para dentro da casa, despindo-a. Quando a lua está cheia este efeito é ampliado e o rio torna-se pastoso no sítio onde incide o luar. E é impossível a quem se debruça na janela não ficar preso. É assim que a Casa mantém os visitantes como reféns, quais prisioneiros dum Mundo demasiado belo.
No Verão, quem abre a janela sente também o cheiro a flores e o ruído dos grilos que se fixam nos jardins das pequenas casas velhas que se entrepõem entre o Rio. Quando se espreita perpendicularmente vê-se a rua de alcatrão e os poucos carros que passam assustam a Casa, fazem-na enquadrar-se numa realidade que não a habita.
O escritório no entanto, não tem só esta divisão. Entre as duas estantes que se dispõem em frente à secretária fica uma abertura para outra divisão contígua. Neste espaço totalmente branco, não há qualquer mobília ou adereço. É um espaço continuamente à espera de ser ocupado por ideias e por isso mesmo mantém o doce desígnio de todas as possibilidades. À noite apetece jogar ao quarto escuro e de dia, quando o sol entra generoso, a música de rádio que vem de fora, pela janela aberta obriga a ocupar o espaço com uma dança espontânea, que enfeita o ar de movimentos.
Com o tempo algumas coisas ocuparam aquele espaço. A primeira foi um mapa do mundo gigante sobreposto na parede imaculada. Neste Mapa acendem-se sonhos e desenham-se rotas pelos dedos sôfregos de quem vive feliz, permanentemente insatisfeito. Em frente ao Mapa fica a outra janela que dá para o Rio. E quem acaba de imaginar viagens à Austrália e à China vira-se para o Rio e na corrente de vento azul cresce uma bolha no lugar do coração: tudo é possível.
Mais recentemente, há uma pequena mesa redonda de metal preta entre o mapa e a Janela. É aqui que ele escreve, e as suas sobrancelhas movimentam-se com os movimentos do Rio e das nuvens que o cercam. Ao longe só se ouvem os sons suaves das teclas do computador onde crescem personagens que indignadas ou aventureiras se espalham pelo vão de escada, fazem ranger as madeiras e apagam as luzes. São os fantasmas que habitam a casa e é ele que os cria.
O lado direito da Casa é ocupado pela cozinha e pela sala. Percorrendo o corredor no sentido contrário ao escritório chega-se à cozinha. Aqui reina a ordem e arrumação. Os pratos pretos estão meticulosamente arrumados nas prateleiras brancas e o frigorífico ronca cronometricamente. Na cozinha vive um pássaro que se alimenta das migalhas do pão do pequeno-almoço. Entra normalmente pela chaminé e sai pelas janelas abertas, carrega no bico o sustento dos filhos instalados no ninho.
Na cozinha cheira a castanhas e a vinho do Porto, a compota e comida rápida. Misturam-se sabores tradicionais empacotados com a ligeireza de saladas com temperos chineses e a tentação de sobremesas carregadas de chocolate.
Embora a cozinha seja um espaço diminuto, tem tudo o que é preciso para confeccionar as refeições enquanto, estranhamente parece vazia.
Ao lado da cozinha fica a sala. Tal como na divisão anterior, a janela desta divisão tem uma vista alargada para a linha de caminho de ferro que se estende no horizonte de ervas secas e amarelas. De um lado, vê-se a cidade cintilante com telhados de vidro que brilham à noite. Do outro, vê-se a anti-cidade: o afastamento gradual da luz e a entrada num deserto de erva e de barracões ocasionais que permitem ver a base das nuvens em dias de aguaceiro.
Esta é a divisão mais prometedora de toda a casa. As suas paredes brancas contrastam com a mesa comprida e o sofá único, ambos pretos. As poucas peças de mobília podiam falsamente indiciar a pobreza das relações que aqui se estabelecem, mas é no estalar amplo da madeira que se começam as conversas. É no sofá que o amor aquece o copo e a bebida fica ainda mais fácil de tragar. É na mesa que a árvore de Natal espreita os sonhos antigos.
E é aqui o coração da Casa. É aqui que ela mais afastada da realidade está, ainda que seja da realidade que se fala, em doses leves, misturadas com ilógica.
E assim, fuma-se e bebe-se a vida num sofá solitário onde as tábuas rangem mantendo a Casa na Terra do Nunca, ou em Oz. É esta a característica da Casa: inventa o que ainda não existia e não se parece verdadeiramente com Nada que já existisse antes, quebrando todos os preconceitos, mesmo até o próprio conceito de preconceito.
E assim, quebram-se os copos e as próprias bebidas, inventa-se o amor em sexo debaixo de uma luz frouxa de candeeiros que voam de fora. E a noite foge em doses de segundos pelas frestas. E por isso, no dia seguinte repete-se.
A meio caminho da Casa está o quarto. Esta é a única divisão interior e a luz chega-lhe por osmose das janelas do Rio e da linha de comboio. Ao contrario de todas as outras divisões o quarto está  preenchido com uma cama uma comoda e um guarda-fatos.  Em cima da comoda está um candeeiro que espalha estrelas pela noite do quarto lembrando outros lugares e outras historias. Mas de noite, o quarto é selvagem e irrequieto. Mantem a paixão acesa como se quisesse durar para lá do tempo. A luz vermelha indicia muitas vezes que o sexo é quase destrutivo: de preconceitos e de muitos Antigos e Passados. Porque a Casa só quer saber do Futuro. E por isso, a paixão é mais intensa porque é prometida.
Mas de manha o quarto enche-se de sonolências, porque é demasiado apetecivel. Os lençois suaves convidam a mais uma divagação matinal, onde se percorrem outros momentos. Nesta altura e só nesta altura é permitido o Passado. E a chuva cai lá fora mas só o seu rumor chega ao quarto. Assim como a luz é indirecta, também as percepções o são e chegam ao coração lambidas por uma onda retardadora de nostalgia.
Assim a Casa renova-se, começa um novo dia. Como se amanhecesse nela um novo trabalho, um novo objectivo. Porque está sempre à frente, nela guarda-se o destino da aleatoriedade.
E nela as coisas são, nunca foram.   

(Novembro de 2010) 

Sunday, June 01, 2014

Mar do Norte

Na viagem a Ostend conheci o Mar do Norte. É verde e as ondas que chegam à praia desenrolam-se de mansinho, como se não te quisessem acordar.


Sunday, May 11, 2014

Dez vidas

Meu amigo olha para nós. Passaram-se dez vidas entretanto e tudo está diferente. Houve tantas coisas que deixamos de fazer ou chegamos a fazer na altura errada quando eramos velhos demais. Porque descobrimos que existe o demasiado tarde. Muitas vezes choramos sozinhos, sem chamar ninguém. Olha para nós agora. Tantas vidas passaram que é dificil reconhecer alguma coisa. Reconheces alguma coisa? O mundo está diferente e a maior diferença é a forma como olhamos para ele. Será que algum dia vamos aprender a fazer as coisas na altura certa? Será que vamos algum dia pertencer ao clube do qual estivemos sempre à parte? Meu amigo, eu sei que não. Hoje, depois de mais de dez vidas terem passado por nós eu sei que este é o nosso caminho tortuoso e espantosamente feliz. Talvez já nao tenhamos esperanças ou talvez estejamos agora (mais uma vez tarde de mais) a sentir a constatação do inevitável. Mas sabe bem finalmente admiti-lo. No meio de tanta confusão, esse é o unico padrão que faz sentido.  Porque quando as coisas se tornam duramente insuportaveis e a vida parece um novelo enrolado não é o teu telefonema que eu anseio, mas a sensação de que sempre estivemos juntos enquanto o mundo dá mais uma volta. E quando me apercebo do que somos sinto uma alegria tao grande que penso,
                Meu amigo temos tanta sorte. 

Sunday, February 09, 2014

Aniversário com Sophia

Penélope

Desfaço durante a noite o meu caminho.
Tudo quanto teci não é verdade,
Mas tempo, para ocupar o tempo morto,
E cada dia me afasto e cada noite me aproximo.

Sophia de Mello Breyner Andresen - Coral 

Sunday, January 26, 2014

Os meus all star

Quando comprei aqueles all star tudo regressou como se de um milagre se tratasse: o vento a bater-me no cabelo, as t-shirts frescas de Verão, as horas passadas na rua a falar de nada. O dia estava quente, com aquele calor que sufoca e queima a respiração.  Mas a vida era cinzenta e o bolor começava a apoderar-se terrivelmente de mim. Parecia que ainda não tinha vivido tudo, que era ainda pequena demais para morrer. Quando os calcei, voltou a mim esse sentimento de ser jovem. Usava-os aos fins-de-semana, nas férias. Usava-os quando saia durante a semana depois do jantar. Esperava pelo metro sentada no chão, as pernas dobradas por cima das calças de ganga. Tocava nas solas e sentia aquele breve frenesim de fazer parte de Mundo e ao mesmo tempo ser ignorada por ele. Um dia percebi que ainda não tinha chegado a minha hora e decidi calçá-los definitvamente. Eles moldaram-se sem surpresa e juntos fugimos e vimos cidades estrangeiras, quartos de hotel, autocarros vadios. Vimos tantas ruas e estações de comboios, vimos tanta gente, tantas línguas. De tanto gostar deles, os meus all star começaram a ficar velhos. Apareceram os primeiros rasgões, a borracha da sola foi-se soltando. Primeiro, deixei de os poder usar no Inverno, depois foram sendo empurrados para o fundo do armário. Mas ocasionalmente quando o Verão voltava, eu calçava-os de novo, mesmo rotos. Sentava-me nas pedras, nos bancos com as pernas dobradas e fumava um cigarro. Aquela sensação ainda me percorria e iluminava-me por mais alguns dias. Até que finalmente, na minha ultima viagem os all star deram de si. Já não podiam mais. Sem tecido e com as solas totalmente gastas, guardei-os no armário, sabendo que não podiam servir mais. E sabendo que não mais os calçaria, sabia também que o ser jovem tinha terminado. Na semana seguinte fiz trinta anos. 
 

Sunday, January 12, 2014

Resoluções de Ano Novo


Sei que o útimo dia do ano ou o primeiro do ano seguinte são iguais a tantos outros. Como e bebo como sempre, apago as luzes e deito-me para mim mesma. Há quem festeje toda a noite e grite desvairada a fugacidade de mais uma porção de tempo que se esvaiu. Para muitos é só mais um pretexto para beber e para dar uma festa. Para (muitos) outros é certamente o cumprir de tradições só porque sim. Porque é isso que sempre se fez e é isso que se tem que continuar a fazer. Põem-se passas na boca, agarra-se dinheiro enquanto as 12 badaladas vão ribombando e no dia seguinte começa-se de novo com um grande almoço e roupa nova comprada em tons de azul.

Eu sempre soube que essas tradições não fazem sentido. No entanto passados já tantos anos novos e tantos anos velhos, também eu tenho as minhas tradições. Gosto de arrumar os armários e limpar da minha mesa todos os papeis que por ali se acumularam, rever as fotografias que tirei nesse ano. Gosto particularmente de pensar onde estava e quem era no mesmo dia há exactamente um ano atrás. O último dia do ano é assim, tradicionalmente nostálgico.  Finda essa retrospectiva gosto também de pensar no que eu queria que mudasse, as viagens que quero fazer, os defeitos que teimosamente vão perpectuando ainda que os tente afastar. Raramente vou a festas, raramente bebo champagne e ainda mais raramente me deito para além da meia-noite. Mas quando em certos anos não tenho os meus armários para arrumar ou não posso percorrer a pé as ruas desertas e silenciosas na noite de fim de ano, qualquer coisa em mim se agita.  E aí percebo que o ritual deixou de ser apenas um processo mecânico e passou a fazer parte de mim. Eu sou parte das tradições que criei. Cumpri-las é cumprir quem sou.

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