"Alto e esguio, cabelo ruivo áspero. Os olhos azuis, doentes. Olha o Mar da praia, a areia sente-a demasiado na pele, como se o tacto fosse um sentido fresco acabado de descobrir. O poente lança faíscas de cores na sua direcção. O arco-íris desenhado tão diferente do de ontem, como será do de amanha alimenta-o. Vive disto, e do barulho das ondas. Sem elas, a vida faz um eco no vazio da sua caverna que não suporta.
Um dia houve em que não conhecera o Mar. Tão longe está dele esse pensamento, como a gaivota que por ali anda. Vai e vem. Ás vezes permanece na praia. Nesse tempo o cabelo era macio e os olhos não ardiam.
Na praia, a esta hora quase deserta, as ondas batem-lhe de mansinho, contam-lhe as histórias que trazem do outro lado do Mundo. Como ele não tem pressa, ouve com atenção. É por isso que fala pouco, diz que prefere ouvir o Mar.
Costumava ter um vazio dentro de si. O vazio do que não lhe fora roubado, do que nunca conhecera. O vazio de estar permanentemente cheio. Por isso partiu, ficar tornava-o igual todos os dias perante a ausência do que sempre lá esteve. Era como guardar a areia entre os dedos. Inútil.
Quando vira o Mar pela primeira vez, percebera finalmente porque é que tudo antes fora tão insípido para ele. Era tudo finito, de tão palpável. Era tudo pequeno, embora o pequeno fosse tudo o que conhecia.
Ficara com o Mar, quando o vira. O Mar devia ter nascido perto dele. Ali nunca nada estava preenchido. Tal como o horizonte, a vida era indefinida.
Dantes também falava pouco. Mas isso não mudara quando vira o Mar. O que mudou foi a extensão do que via, foi o alcance dos seus olhos, apesar de agora estarem mais baços, doentes.
Inspira o ar que tem o perfume único da espuma enrolada nos seus dedos e dos pedaços de areia de várias cores. Os rochedos aplacam tudo, protegem-no. Não lamenta as manchas na pele vermelha, que um dia foi branca imaculada de neve. Foi o vazio do mar que não conhecera que lhe dava agora a sensação peculiar daquela onda que se desvia do caminho e muda a forma da praia para sempre. "
Lúcia - Agosto 2006
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Sunday, September 24, 2006
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1 comment:
Adoro Adoro este texto!!!Não ha palavras.Ele e belo é nesta essencia de nos deixar sem palavras.A rudeza da vida ali posta duma forma tao...suave e bela!!!Adorei!Sou a tua fã nº 1 LOOL
Beijos Pan ;)
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