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Monday, August 05, 2024

Porta

Entrei na sala com vergonha.
É que eu não tinha o coração estropiado
por nenhum desastre.
Ninguém tinha morrido, pelo menos
os caixões continuavam vazios. Eu olhava
para trás e não via o meu corpo mutilado
por ninguém, pelo menos não havia marcas de
dentes.
Eu só não conseguia dormir. E quando dormia,
acordavam-me os pesadelos.
Tantas e tantas perguntas e eu desacreditada,
nenhuma resposta a não ser a óbvia:
a vida são as pequenas coisas.
E eu era uma má aluna, que não decorava
a lição.
Nunca duvidei que era uma péssima aluna
disto que é viver.
Mas eu sabia que tinha sido a brisa do vento que me impediu
de saltar para a linha do comboio.
A minha estúpida forma de ver beleza em sacos de
plástico é que me levou viva àquela sala.
Um dia, cheguei mais cedo e bati à porta.
Lá dentro um rapaz sentava-se na cadeira virada
de costas para a porta. Aquela era a nossa cadeira.
Ela sentava-se na outra, a ouvi-lo.
Imediatamente percebi o meu problema.
É que eu sentava-me sempre na cadeira
de onde pudesse ver a porta.
 

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