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Tuesday, September 17, 2024

I like the way you kiss me

Gosto da maneira como me beijas
Como se me quisesses engolir inteira,
Como se eu tivesse alguma coisa cá dentro
que tu precisas
E nem é que gostes muito de mim, mas estás
desesperado.
Perseguem-te essas vozes, as sereias do Ulisses,
a morte que te beija devagarinho.
E nem é que eu goste muito de ti, mas estou
desesperada.
Já não oiço vozes e eu sou o Ulisses, a morte
não me seduz.
Só tenho é medo de não ter nada cá dentro.

Thursday, September 12, 2024

A livraria da minha cidade é pequena

A livraria da minha cidade é pequena, mas eu vou lá todos os dias. A estante dos livros de poesia é ainda mais pequena, quase mais pequena do que a tenho em casa. E eu já li os poemas do Fernando Pessoa, do Miguel Torga, do Eugénio de Andrade e da Sophia. O livro do Bukowski que tenho em casa, vou lendo todas as noites. Abro as folhas ao calhas e vejo os poemas que me escolheram. Não gosto de ler livros por ordem, nunca gostei também de ouvir álbuns pela ordem certa, prefiro a estrutura de não saber o que vem a seguir.
Todos os dias vou á livraria com a esperança de que algo novo apareça e me encante. Como o poeta que esperava pela fada Oriana para lhe encantar a noite. Assim sou eu, um poeta à espera de outros poetas que me lavem os vidros da frente da vida. Na maioria dos dias, volto de lá tão pequena como as estantes. Noutros, as mãos tremem-me quando lá entro. Herdei um sentido subtil da minha avó, para perceber as micro mudanças que as asas das borboletas começaram a milhares de quilómetros de distância. Nesses, os olhos comem ávidos as letras escritas por alguém que me salva o dia. A semana. Quem sabe até o mês. É o mesmo com as músicas. Não me deixam morrer. E não é porque me salvam da morte, é porque me fazem sentir viva.

Tuesday, August 27, 2024

Estrela cadente

Gosto de ouvir os grilos à noite, no campo.
São como a música da noite,
o som a escorrer debaixo do céu de estrelas.
Como naquela noite em que me deitei na relva fresca,
conectada com a humidade da vida,
passou uma estrela cadente e eu senti os meus olhos
molhados.
É isso que eu quero, uma existência única.
Somos todos únicos, eu sei.
Mas eu quero essa consciência concreta, exímia.
Vivemos a espremer a vida, a coletá-la dos orvalhos
que vamos encontrando. As fodas, as montanhas-russas.
Aqueles momentos de desespero em que tudo nos foge.
Eu nem cheguei a pedir nenhum desejo.
O desejo era que me passasse uma estrela cadente.

Sunday, August 25, 2024

Sim

Quero dizer-te que sim.
(Quero!)
Afundar-me numa cama de penas contigo.
Tocar com a ponta dos dedos na mais
volumosa das nuvens.
Fazermos amor na areia.
Beber os gritos da borboleta.
Ver-te gritar como uma borboleta
que só desabrocha nas nuvens que eu
toco.
Eu quero isso tudo.
Mas quero, acima de tudo.
Dizer-te que sim.
O não está-me cosido nos lábios.
E tapou-me a pele com uma gigantesca
tatuagem, que me faz mais disforme
que a cara mais feia de Paris.
E por isso eu não quero as borboletas,
Nem o teu corpo suado a esporrar-se.
Eu quero é ser o Sim.

Monday, August 05, 2024

Porta

Entrei na sala com vergonha.
É que eu não tinha o coração estropiado
por nenhum desastre.
Ninguém tinha morrido, pelo menos
os caixões continuavam vazios. Eu olhava
para trás e não via o meu corpo mutilado
por ninguém, pelo menos não havia marcas de
dentes.
Eu só não conseguia dormir. E quando dormia,
acordavam-me os pesadelos.
Tantas e tantas perguntas e eu desacreditada,
nenhuma resposta a não ser a óbvia:
a vida são as pequenas coisas.
E eu era uma má aluna, que não decorava
a lição.
Nunca duvidei que era uma péssima aluna
disto que é viver.
Mas eu sabia que tinha sido a brisa do vento que me impediu
de saltar para a linha do comboio.
A minha estúpida forma de ver beleza em sacos de
plástico é que me levou viva àquela sala.
Um dia, cheguei mais cedo e bati à porta.
Lá dentro um rapaz sentava-se na cadeira virada
de costas para a porta. Aquela era a nossa cadeira.
Ela sentava-se na outra, a ouvi-lo.
Imediatamente percebi o meu problema.
É que eu sentava-me sempre na cadeira
de onde pudesse ver a porta.
 

Tuesday, July 30, 2024

Para além do Pai Natal

Para além do Pai Natal,
há outra grande mentira:
ninguém gosta de nós como nós somos.
É só conversa bonita, de anúncio.
Fica bem nos editais, nos filmes românticos,
e na embalagem dos produtos.
A maior das propagandas para te fazer descansar à noite
e dormir o sono dos mentirosos.
(e nunca percebi porque é que os mentirosos
dormem tão bem)
É que ninguém gosta de assumir que não quer comer
o outro cru. Comê-lo sem aquecer primeiro, sem a delícia
de trincar a pele crocante.
Não te condeno por não queres foder uma salada.
E a verdade não doi.
Ninguém gosta de nós como nós somos,
Gostam pelo que acham que podemos ser.
É tudo uma questão de potencial, de quanto
prometemos.
Crescer é prometer, e comprar os presentes.
Depois dizemos que somos mesmo assim,
o produto original dentro da caixa.
E pelo menos, dormimos bem.

Monday, July 15, 2024

Dez segundos de beijo

Li agora mesmo um texto que
aconselhava casais a trabalhar na relação.
Porque o Amor custa a manter,
mas é bom chegar a casa.
Curiosa, espreitei.
A trabalhar estava eu acostumada. Não conhecia
eu outra coisa. Trabalhava no trabalho (e tive tantos!)
Trabalhava quando saía à noite, quando fazia um hobby,
até trabalhava quando ia à praia com amigos.
A vida é uma trabalheira. Mas é sempre porque as coisas
boas custam a manter.
O texto dizia: “todos os dias dizer amo-te, deitar ao mesmo tempo,
e beijar durante dez segundos”.
Porque o Amor, numa relação, desaparece como num truque de
magia. Pelas nossas mãos de luvas brancas a brincar às rotinas,
aos crescidos, à magia de viver para sempre com o outro.
A magia, pensava eu, era que o Amor era única coisa
que nunca dava trabalho.
Que infantilidade a minha.
Conclui que as pessoas adoram relações. Ou então adoram
trabalhar.