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Tuesday, February 03, 2009

A história da cinderela alternativa - parte III

No caminho que fez a pé, passou pelo cemitério. E decidiu entrar. Ali encontrou solidão e um pouco de silêncio que tanto precisava. Caminhou entre as sepulturas velhas, algumas estavam já tão gastas que não se liam os nomes. E Cinderela pensou com tristeza que um dia estaria ali também a repousar. E trabalharia todos os dias até repousar ali. Gostava daquele sítio, os mortos eram bem pacíficos e compreensivos. Tal pudesse já ali ficar. De qualquer forma, seria ali que acabaria por descansar.
“ Tens mais para ver antes de te decidires por este velho cemitério” – disse uma voz.
Cinderela assustou-se porque se julgava sozinha. “Quem está aí?”- perguntou numa voz límpida.
“ Um músico, ou melhor o que resta de um músico”. Deu uma risadinha e disse-lhe “ Podes considerar-me a tua Fada Madrinha”.
Cinderela sentiu-se baralhada e pensou com alegria que estava finalmente louca. Porque quando se está louco, tudo é possível.
Lembrou-se no entanto que estava num cemitério e por isso perguntou “ És um fantasma?”. “Oh, não… não existem tais coisas como fantasmas.” Respondeu nostálgico. O que vês é a tua materialização física da música que toquei”. Porque ela sim continua viva. O corpo és tu que me dás”.
Apesar de tudo Cinderela ficou feliz. Talvez não morresse de todo, um dia. Mas depois pensou no seu concerto, que perderia e voltou a sentir a mesma dor crua no coração.
Até que o fantasma (ou a música) lhe disse: “ Mas vais ao concerto. Eu vou arranjar uma forma de ires. Terás a noite toda, ás 3h da manhã o encantamento quebra-se e voltarás para tua vida. “
Cinderela olhou-o incrédula e pensou “Mas como? Estarei louca”.
“Sim” – foi a resposta dele. “Nem de outra forma estaríamos aqui”. E de seguida olhou para ela e num único suspiro Cinderela viu o seu fato de trabalho transformar-se na sua roupa favorita: uma camisola preta, umas calças de ganga claras, com rasgões profundos no joelho e, o mais maravilhoso de tudo umas botas pretas, pesadas e lustrosas.
Cinderela estava radiante. Olhou-se numa poça de lama turva, mas nunca se tinha achado tão bonita. O lápis preto nos olhos realçava a sua tez. E tudo lhe cabia bem.
Agora só lhe faltava mesmo ir para o concerto. No entanto continuava a faltar-lhe o meio de transporte e àquela hora já não havia autocarros.
“Ah, mas eu tenho a solução”, disse mais uma vez a voz nostálgica. “Olha para aqui!” E quando a Cinderela se voltou, uma magnífica mota esperava por ela. Não podia acreditar, era bom de mais para ser verdade. E antes que não pudesse mesmo ser verdade, subiu para a mota pôs o capacete e acelerou. Antes mesmo de sair do cemitério, um silêncio instalou-se entre si e a sua Fada Madrinha. Queria tanto agradecer-lhe, queria tanto do mais fundo do seu coração, que permaneceram num silêncio especial. E entre as vibrações de tudo que se queria dizer, tudo foi compreendido.

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