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Friday, May 31, 2024

Não sabia que era possível

Fazia uma semana que sentia um quisto.
Podia ser inócuo, podia ser cancro.   
O pior do Schrödinger a viver-me na pele
como uma tatuagem.
Contei-te e tu sorriste – não era Nada. Mas podia ser,
e mandaste-me ao médico.  
O médico não sabia o que era. E tu sorriste – não era Nada. Mas podia ser,
e mandaste-me fazer um exame.
Eu marquei o exame, a viver o Schrödinger na minha cabeça.
Demorava tempo o exame e tu levaste-me a Itália.
Fomos comer gelados, procurar os sítios do filme do Dan Brown,
falar um pouco sobre os Romanos.
Todos os dias me entretinhas com novidade do Mundo, e eu cedia.
Houve um dia em que não me lembrei de nada a não ser da felicidade que sentia.
Mas o dia do exame chegou. E eu entrei. Tu sorriste-me e disseste que não era Nada.
Eu entrei e fiz o exame. O médico disse-me que não era Nada. E eu sorri.
Quando cheguei cá fora e te disse que não era Nada, tu abriste as mãos e sobre a cara
vi-te chorar.
Sempre que me dizias que não era Nada, era Tudo para ti.  Só não querias
é que fosse Tudo para mim.
E eu não sabia que era possível amar uma pessoa desta maneira.

Saturday, May 25, 2024

Porque é que uma pessoa há-de ser tão diferente de uma música?

Ando no supermercado. Camisola de futebol, phones nos ouvidos. A música preenche todos os espaços. Com esta banda sonora a minha vida parece um filme, não oiço os passos de ninguém. Parece que ando sobre as nuvens enquanto a guitarra toca, dedilhada e certeira no meu coração. Porque é que tenho de tirar os phones alguma vez? A realidade é tão barulhenta, tão seca. Eu só queria caminhar nas nuvens para sempre. E é por isso que depois não te consigo olhar nos olhos. Sem a música, oiço demasiado os teus sons de homem comum. Só queria consumir-te como consumo esta música. Apaixonei-me e ouvi-a milhares de vezes. A dormir, a caminhar, a comer, a foder. Até ela ter-me dado tudo e eu já não estar apaixonada quando a oiço. Porque é que uma pessoa há-de ser tão diferente de uma música?

Thursday, May 23, 2024

Qualquer coisa seria melhor

Gostava que me tivesses batido. Devagar, mas com intenção. Sinto que sempre me quiseste magoar, mas não tinhas coragem e usavas antes palavras. Gostava que te tivesses vindo dentro de mim em vez de me arranhares as costas com músicas que fizeste, mas dizias que não fazias.

No final do tempo, as tuas palavras não magoaram. As minhas costas nunca ouviram música nenhuma. O tempo passou e só ficou a vontade que me tivesses batido e te viesses dentro de mim.  Se era para me magoar ou para me amar, que interessa isso? Qualquer coisa seria melhor do que as tuas palavras, que tentei agarrar e se perderam no vento.

Monday, May 20, 2024

Devaneio

Apetece-me vomitar. Mas em vez do almoço saem-me as esperanças pela garganta. Vida ácida, mal saborosa. Tudo o que eu gosto, não quero. Tudo o que quero, venho a não gostar.  Tenho a cabeça a andar à roda, a minha vida é uma ressaca constante. Por isso é que bebo tanto, para tentar focar as estrelas, perceber o que as constelações tinham guardado para mim.  Foda-se, quem me dera ser outra pessoa. Qualquer uma servia, desde que fosse humana e soubesse errar da forma que os humanos erram. A minha emoção artificial segue-te, suga-te, esgota-te. Quer-te todo, por inteiro. Mas fico sempre aquém, na linha entre o êxtase e a merda. Às vezes penso que mais valia acabar com todo este sofrimento. Mas acabar com tudo ou errar não é a mesma coisa? Então porque é que eu prefiro morrer de pé a deixar morrer o coração? Deixa-me, deixa-me. Já é tarde. Foi tarde desde o momento em que nasci.

Saturday, May 11, 2024

O problema da minha vida

O problema da minha vida:
Tudo o que não é absolutamente Tudo
é demasiado pouco.