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Thursday, September 23, 2021

Outono

Sabes aquele sentimento de fim de tarde, nuvens douradas do Sol, pés de fora da janela do carro. A rádio passa uma balada de rock e tu sentes que a tua juventude está ali, ali mesmo a um palmo de ser agarrada. Que tudo o que importa foi aquele amor quente e melodioso que sentiste no primeiro Outono de sempre da tua vida. E que a única coisa que continua a importar mesmo e que te faz sentir vivo é uma paixão desmedida, ciumenta, carinhosa, totalitária e absolutamente só. Ai, aquelas tardes! Eram tão longas, prometiam tudo, toda a vida lá cabia. Fomos os mais felizes, durante tantos pequenos segundos de momentos. 

Só se vive enquanto se ama, de resto vamos rastejando de dia em dia. 



Tuesday, September 14, 2021

Correria do Infinito

Já não consigo parar e escutar o silêncio. É aterrador. Dantes gostava de o ouvir porque era nele que eu me escondia das sombras, ele era a minha Luz, a minha maneira de Ser. Mas agora o silêncio é a minha cara de Monstro colada no espelho, a minha incapacidade de enfrentar o Oráculo. Já não sou tão corajosa como era. Porque já não sou tão inocente como era. Um tempo houve em que a coragem era fácil, porque tudo o que eu precisava era de me ser fiel. Já nessa altura muitos se recusavam a escutar este silêncio, preferiam as cedências. A correria para o infinito. E na minha virgem ignorância zombei da sua falta de dignidade.  Mas talvez, vejo agora, talvez eles já tivessem visto os monstros no espelho e a podridão da Vida lhes tivesse chegado ao coração. E nessa aflição de morte começaram a correr sem conseguir ter dignidade para escutar o silêncio. Como eu corro agora, e tal como eles, sem olhar para trás. 


Wednesday, July 21, 2021

Filtros de Poesia

Tenho filtros de poesia nos olhos, e já nasci assim.
Em criança parava para ver a água da chuva a cair nos beirais da escola. Os meus colegas berravam, que a chuva  era inoportuna. Mas eu gostava, tanto quanto gostava dos dias de Sol. Cada qual do seu jeito.
Lembro dos vestidos fresco do Verão, de acordar de mansinho com o Sol a espreitar plas frestas, da minha pele a roçar os lençois frescos. Esperava sempre no caminho do comboio, para ver o Aqueduto e os azuleizos coloridos quando ia de carro. Os rituais preenchiam-me e faziam tudo ter sentido, como se as próprias pedras nos ditassem que fazemos todos parte duma grande roda que não pára de girar.
Já mais velha perdi tempo a ver os peixes vermelhos nadar no lago de pedra, olhava as pessoas para perceber que crianças tinham sido. Olhei. Olhei mais do que vivi.
Alturas houve em que a poesia me pesou. Era barreira instransponível entre mim e todos os outros Mundos. E a certeza de que a cadeira vazia do autocarro seria sempre para quem me amasse.   
Mas nem assim essa poesia me largou os olhos. Consolava-me com o vento ao fim da tarde, o Mar. E as janelas, todas as janelas em que pudesse sonhar.

Tenho filtros de poesia nos olhos, e espero que fiquem comigo até morrer. Que debaixo dos filtros já não há nada e eu sou o que a poesia fez de mim.



Tuesday, July 13, 2021

Hensel ou Gretel?

Vivemos uma vida toda sem saber de nada. A grande maioria do que vemos acontecer aos outros desconhecemos profundamente se já nos aconteceu alguma vez. As dores e as cicatrizes saram para dentro enquanto dormimos ou estamos distraídos à janela. E criam raízes.
Vamos passando pela vida sem notarmos os abusos e as tristezas até ao dia em que, perto do precipício, uma onda de consciência se abate sobre nós e com os olhos molhados vemos um corpo mutilado, estragado. Irremediavelmente perdido, que nunca voltará.

Somos os escravos que trabalham continuamente para alimentar uma barriga vizinha? Ou somos os escravos obrigados a agradecer a comida que nos dão para engordarmos e justificarmos a nossa existência?

Ah.... que felicidade têm os miúdos que nunca se perderam na floresta...! É que uma vez perdidos, já nada os salva.


Tuesday, June 22, 2021

Alcool

Bebo para não ver a vida em câmara lenta, para que a dor profunda no pequeno círculo do meu coração não me engula. Para que possa ser Eu sem a parte de mim que me estranha. Bebo para acelerar tudo, e viver dos eletrões que podem estar em qualquer lado sem estar verdadeiramente em lugar algum.

Depois, quando o tempo passa, sento-me espantada em frente ao espelho. E olho: as minhas mãos são as da minha avó.

Monday, June 07, 2021

Reencontro

Deitados na cama, eu olhava as estrelas dum tecto húmido e rasgado. Não tinha dado certo à primeira, nem à segunda, nem à terceira. Quem diria que à quarta, passados dez anos, estavamos finalmente ali.

Há quem diga que quando o tempo passa nós mudamos. E que fomos nós que mudamos, para agora estarmos ali sem roupa e vulneráveis a conseguir finalizar um tipo de amor que nunca julgamos possível. Talvez fosse mesmo esse o problema na altura: ambos quisemos um amor que não era possível. Julgavamos nós, que esse era o único amor que existia. E agora, simplesmente, percebemos que há muitas maneiras de amar, que amar é a forma mais profunda de se estar só, e que nenhum de nós vai salvar o outro, mas que talvez depois de fodermos, talvez, talvez estivessemos um bocadinho mais a salvo.



Friday, June 04, 2021

Mágoa

Nesta vida, apenas duas coisas não têm solução: a Morte e a Maldade. 

Wednesday, April 21, 2021

Busca

Ando à tua procura sem te procurar devidamente.
Como se não te quisesse encontrar, mas não 
houvesse nada mais que eu desejasse. 
Hoje cai em mim o desígnio: só
quem se afirma é que cresce.
E eu só te tenho, se te quiser ter.  

Monday, April 19, 2021

O melhor poema

O melhor poema que se pode fazer
é o que não se faz enquanto se vive, 
com o poema por fazer no coração.

Monday, April 12, 2021

Ao meu amigo T.

Fico horas a olhar para quem somos.
Como acontecemos. Que amor
Bonito é este, o de sermos amigos.
Maravilhada, escuto os nossos silêncios
tão ricos e as nossas palavras
tão certas.
 
Não há razão que explique. Outros,
com os mesmos silêncios e as
mesmas palavras  não me arrancam um mover
do coração.
 
Custa-nos, por vezes, aceitar a Beleza
da Natureza que vive em nós e
é aleatória no seu mistério.
 
Não importa sermos um pequeno milagre.
E o milagre é não nos importarmos.

Friday, April 09, 2021

Beleza

Não tenho grandes argumentos
para te convencer a agarrar
a vida que vês tão Negra.
 
Tudo o que nos fica é um cansaço
tremendo ao fim do dia. E tudo
o que conseguimos foi manter-nos
vivos, num perpétuo Red Queen effect.
Não temos alegrias nem esperanças.
Nem temos memórias que não sejam a
desta corrida extrema e cansativa que
nunca acaba.
 
E eu quero inglingir-te vida. Mas nem
sei porquê. Sei que a vida é uma
merda, e as pessoas são uma merda.
A única coisa que não é uma merda,
é a tua capacidade de ver beleza nisso.

Thursday, April 08, 2021

Agora já sei

Havias de estar aqui, junto ao
meu peito.
Agora que já não somos miúdos,
e já sabemos que a vida é
essencialmente a dureza das
rochas,
Já não faz sentido a vergonha
de amar a direito.
 
Fomos tão parvos. Mas fomos parvos
porque a vida era doce como o
Mar e as ondas dos dias
entalavam-nos num bocejo intermitente.
E semi-cerramos os olhos ao Sol e
um ao outro demasiadas vezes.
 
Mas havias de estar aqui junto ao
meu peito. Demorei, mas
agora já sei amar-te.

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