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Tuesday, June 11, 2024

A minha t-shirt dos Doors

Há muitos anos, ofereceram-me uma t-shirt dos Doors, preta e comprida demais para mim. Comecei a usá-la aos fins-de-semana. Depois, usava-a todos os dias. Quando começou a ficar gasta, passei a dormir com ela. Todos os dias. Quando estava suja, lavava e secava na lavandaria e ao fim do dia voltava a usá-la. Quando não ficava pronta, dormia nua. Fiquei com aquele cheiro de tecido, cheiro de plástico, cheiro de Light my fire na pele durante tantos anos que quando ela se começou a rasgar fui incapaz de a poupar.  Ao invés disso acelerei o seu consumo. Perto da morte, só queria dormir com ela mais uma vez. Um dia, os rasgões eram tão grandes que davam a volta por baixo do braço. Era desconfortável dormir assim, mas parte de mim já estava naquela t-shirt, quais marinheiros do Flying Dutchman, a transformarem-se lentamente no navio que os aprisiona. Só no dia em que ela deixou de ser uma t-shirt, é que deixei de a usar. Hoje, está dobrada, enterrada no meu roupeiro. Eu, devidamente enlutada. Parte de mim estava ali, parte de mim morreu ali. Gostava de dizer que me arrependo de ser assim. E às vezes gosto. Mas é mentira, porque nunca me arrependo.  

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