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Wednesday, December 28, 2005

Relatos na 3ª pessoa

"Sentou-se numa mesa do café. Era dia de semana, estava de chuva e a sua presença foi logo notada pelas vizinhas do bairro que contabilizavam todos os que entravam. O café estava quente e fez-lhe bem, além de aquecer as mãos, aclarou-lhe os pensamentos.
Conhecia-o desde criança, sempre tinham morado perto um do outro. A primeira vez que o tinha visto na escola – lembra-se agora enquanto pousa a colher no pires tentando não fazer barulho – não tinha sido um bom encontro. Lembra-se que ele lhe tinha roubado as coisas, e ela tinha voltado para casa cheia de vontade de se vingar. Com o passar do tempo, tornaram-se amigos das partidas, em vez de se gladiarem. Ambos eram rebeldes, amantes da liberdade extrema e, ela agora também o admitia, partilhavam um gosto especial por não obedecerem a regras. Nesse tempo era tudo tão simples, as crianças tornam o mundo rústico. Nessa altura, o mundo era belo de tão perfeito. Eles davam-se bem, gostavam tanto um do outro. Depois veio a separação. Sem darem por isso, os anos foram passando e as vidas tornaram-se tão diferentes que quase não se reconheciam na rua quando se viam. Ás vezes ela via-o ao longe e comentava com alguém:” aquele rapaz foi meu amigo quando éramos novos.” Era uma fase dita sem pensar, quase um lamento inconsciente que não sabia que tinha. Passava anos sem se lembrar dele, e no entanto quando fazia esse comentário tinha a certeza que existia um mundo que a levava até ele cheio de memórias que a preenchiam.
Ela estava tão diferente desde esse tempo… tinha-se tornado uma pessoa sábia à custa do seu gosto por aprender. A vida era feita longe do bairro onde morava, por vezes só vinha a casa à noite. Era uma pessoa tão diferente… sonhava em mudar-se, em conhecer o mundo, quebrar a monotonia que nunca suportara. Ele, no entanto sempre vivera por ali…não tinha estudado, trabalhava num café ao pé da sua casa, nem sabia o que era feito dos seus irmãos….
Lembra-se tão bem de gostar dele, mas de uma forma natural como se nunca tivesse parado para adquirir esse conhecimento. Lembra-se de saber que ele também gostava dela… Como se pode lembrar tão bem disso? Levanta-se bruscamente da mesa e resolve dar uma volta pelo jardim. Espezinhar as memórias tem destas coisas, em vez de afugentá-las, atraímo-las. Guarda para si esses pequenos momentos, esses fios de pensamento que já nem têm rosto, são uma névoa sem fundo nem som…
Inevitavelmente pensa no que poderia ter acontecido se não fosse uma pessoa tão diferente, se fosse como ele… agarrada àquela vida de todos os dias, à alegria dos que não questionam e aceitam a simplicidade. Quando o vê, sente que gostava de ser assim, simples."

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