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Monday, January 24, 2011

A menina dos Fósforos

A porta fechou-se contigo e levou a luz atrás. Como se as lâmpadas tivessem sido sugadas pelo saco que se arrastava na tua mão. E foi a ultima coisa que vi, nesse breve clarão de luminosidade, antes da porta ter assente no trinco e o som ter ecoado na caverna do meu corpo.


 Era Inverno, em Svalbard. E na minha pequena casa enterrada em neve, a luz do sol chegava durante uns magros minutos que batiam no relógio de cada dia. Mas os meus olhos já estavam tão habituados à escuridão que aquela pequena franja de radiação difusa que clareava o ar por entre a camada espessa de nuvens, me fazia arder as pálpebras. Na maioria dos dias, nem sequer acertava com essa hora de luz, a dormir enroscada nas mantas quentes e na beira da lareira.

Deixaste-me uma caixa de fósforos em cima da mesa. E eu que nem precisava deles.
Um dia, enterrada na escuridão do mundo, resolvi acender um e vê-lo prontamente morrer-me nas mãos.
Passei a usá-los para desenhar amores. Amores que minguavam e se extinguiam até se misturarem com a escuridão do presente e a humidade do musgo que me ia crescendo no coração.

E foi quando finalmente a caixa acabou e o Inverno descongelou as árvores e as plantas, que eu saí da manta velha e carcomida, despeguei as minhas pálpebras coladas e que me afundei serenamente no lago que banhava as traseiras da minha casa.

Porque nunca tu exististe.
Foi só um fósforo esquecido no chão que criou uma ilusão a que eu chamava de vida.  

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