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Sunday, January 26, 2014

Os meus all star

Quando comprei aqueles all star tudo regressou como se de um milagre se tratasse: o vento a bater-me no cabelo, as t-shirts frescas de Verão, as horas passadas na rua a falar de nada. O dia estava quente, com aquele calor que sufoca e queima a respiração.  Mas a vida era cinzenta e o bolor começava a apoderar-se terrivelmente de mim. Parecia que ainda não tinha vivido tudo, que era ainda pequena demais para morrer. Quando os calcei, voltou a mim esse sentimento de ser jovem. Usava-os aos fins-de-semana, nas férias. Usava-os quando saia durante a semana depois do jantar. Esperava pelo metro sentada no chão, as pernas dobradas por cima das calças de ganga. Tocava nas solas e sentia aquele breve frenesim de fazer parte de Mundo e ao mesmo tempo ser ignorada por ele. Um dia percebi que ainda não tinha chegado a minha hora e decidi calçá-los definitvamente. Eles moldaram-se sem surpresa e juntos fugimos e vimos cidades estrangeiras, quartos de hotel, autocarros vadios. Vimos tantas ruas e estações de comboios, vimos tanta gente, tantas línguas. De tanto gostar deles, os meus all star começaram a ficar velhos. Apareceram os primeiros rasgões, a borracha da sola foi-se soltando. Primeiro, deixei de os poder usar no Inverno, depois foram sendo empurrados para o fundo do armário. Mas ocasionalmente quando o Verão voltava, eu calçava-os de novo, mesmo rotos. Sentava-me nas pedras, nos bancos com as pernas dobradas e fumava um cigarro. Aquela sensação ainda me percorria e iluminava-me por mais alguns dias. Até que finalmente, na minha ultima viagem os all star deram de si. Já não podiam mais. Sem tecido e com as solas totalmente gastas, guardei-os no armário, sabendo que não podiam servir mais. E sabendo que não mais os calçaria, sabia também que o ser jovem tinha terminado. Na semana seguinte fiz trinta anos. 
 

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