Foi quando a morte me bateu à porta que
eu me apercebi que a vida era muito curta. Ele morreu antes de terminar a frase
e eu fiquei presa naquele transe, na frase que ele nunca terminou, em todas as
palavras que nos ficam presas para sempre, engasgadas e em decomposição até
desvanecerem.
Desde aí que a morte dele desencadeou em
mim a vida desenfreada. Tive medo que me secassem as palavras, encarquilhadas
no meu tronco de pessoa, morta de pé. É inútil questionar se ele me disse tudo
o que queria, porque haveria sempre mais para dizer. Isso atemorizou-me pela
noite dentro, aquela certeza absoluta que também um dia, umas das minhas
palavras me morreria entre os lábios, extraviada.
Espantada e incrédula com o cadáver à
minha frente prometi-nos aos dois que diria a inteireza do possível na minha
tão frágil existência. Que ousaria, amaria, disputaria e acima de tudo, nunca
me resignaria.
E não mais a sua meia-palavra me voltou a
aprisionar. Ao invés disso, no seu rigor mortis
ele acenava-me que era isso mesmo, a melhor morte que se pode prometer é a que
é capaz de infligir a vida em alguém.
Mas surpreendida, comecei a ser puxada
para baixo, alguém me sabotava as asas e impedia-me de ouvir o grito das
borboletas. “São os vivos” disse-me ele ainda ali estendido, “são eles que te
impedem de viver, não é a morte”.
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