O fado da minha vida é uma
valsa. Uma valsa que foi escrita para outros, que não para mim. Mas que eu
danço, danço, danço. Com uma alegria tão grande e uma vontade de ver o bom tão
grande que sou a mais ridícula de todas. Vezes houve em que achei que o fado
mudava. Que não era a valsa que eu ouvia. E que antes, uma música nova em
folha, brilhante como folhas em dias de aguaceiro, se fazia ouvir em todo o
lado. A maior ilusão de toda a
vida, é esta mania que temos de ver o bem. De pintar de azul por cima de tudo o
que é vermelho. Não é. Não é. Nunca foi. Nunca será. Deixemos esta verdade
entranhar, perfurar a nossa pele e entrar diretamente nas veias. Só aí, com a
verdade a circular no sangue, saberemos. E aí, os holofotes abrem-se no seu
esplendor branco. O branco tem nele tudo, todas as cores com que pintas a vida.
E aí, o chão duro, de mármore polido e limpo abre-se como uma paisagem. Para eu
dançar a valsa. De braços abertos, a valsa é o meu fado. E eu estou nua,
ridícula. Todos se riem. E eu também me rio, porque sou ridícula. E danço,
danço, de braços abertos. Nua. Todos se riem de mim, todos se riem de mim, eu
também me rio de mim, porque sou ridícula… E choro, uma última vez.