Um dia cansativo. Lisboa na sua azáfama não nos dá tréguas. O metro, o autocarro, o Marquês. Não há lugar para paisagens pitorescas. Dizem que a cidade é bonita. Talvez seja, gosto de andar a pé. Descer até ao Terreiro do Paço. Há coisas que descubro assim, na intermitência dos raios do sol enquanto me espreguiço contra o branco das paredes. Quando regressei a casa, sentaste-te à minha frente. E vi com desagrado, que tinhas os olhos mais tristes do dia, da semana , quem sabe do ano. Fitavas a envolvência como se os pormenores te interessassem, como se paisagem decrépita fosse um jardim exótico. Mas eu vi, os teus olhos caídos. As mãos abandonadas, cheias de manchas, o corpo flectido. Se o Mundo acabasse ali, não terias vontade de te levantar.
Discretamente observei os teus olhos. Os olhos mais tristes. Enquanto a viagem durou eu olhei para os teus olhos. Gostava de extrair essa tristeza, guardá-la num frasco. Depois levar-te a ver o Mundo, e na outra ponta do penhasco, atirar o frasco para o desconhecido. Mas tu saíste na paragem antes de mim. E desapareceste.
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Thursday, March 29, 2007
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1 comment:
Nos tempos em que eu andava de autocarro, metro e comboio (velhos tempos, mas esperançosamente serão futuros tempos também), também tinha muito a oportunidade de olhar as pessoas à minha volta, e tentar pensar no que elas pensavam, no que lhes ia na alma, das alegrias e tristezas...
E às vezes encontrava umas quantas pessoas que eu achava tão tristes, mas tão tristes, que até a mim me entristeciam...a quem não era só o cansaço do dia que lhes pesava, mal algo mto mais grave, mais profundo, mais marcante. E sabes como o meu estado de espírito se molda ao estado de espírito à minha volta.
Nessas alturas partilhava sempre um pouca da tristeza dessas pessoas... realmente pesava bastante.
Havia também olhos lindos, que apeteciam embrulhar em papel celofane e guardar numa gavetinha para um dia mais triste em que de certeza nos alegrariam. Mas pronto, as coisas não funcionam assim, não é? ;)
Beijinho :)
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