Translate

Friday, September 10, 2010

Where I lay my head is home

Pelo meu quarto de manhã, passam-me as sombras das pessoas já ali viveram. Mortos para mim, ainda que nunca os tenha conhecido, dormiram na minha cama, usaram os mesmos lençóis e debruçaram-se na mesma varanda. Temos isso em comum: vimos a vida da mesma janela.

Ouvi dizer que eles partiram de Lisboa para o Mundo. Avisaram-me desde o início, como se aquela casa fosse uma mera plataforma de passagem. Como se não chegasse a ser uma casa.

E a verdade é que se eles foram esses viajantes, os sonhos deles estão pintados nas paredes do meu quarto. Porque sonho a mesma coisa todo as noites e já não sei se sou eu ou eles quem ali está.

Foram sonhos o que eles deixaram?

Porque os objectos pessoais e a roupa foram removidos e deram lugar aos meus. É essa a diferença, agora o armário tem alguns cabides com as minhas calças e vestidos. Nas gavetas dispõem-se as minhas camisolas. Em cima da mesa tenho fotografias e as minhas baquetas. O Baixo ocupa um espaço tímido e modesto num canto.

E agora sou eu que chego ao quarto à noite, que fumo à janela, que durmo sozinha, que durmo acompanhada. Que não durmo. Agora sou eu que escrevo no computador dentro da cama ou tiro fotografias abstractas. Sou eu que espreito devagar pela fresta da porta e atravesso o resto da casa sem roupa, enquanto oiço Lisboa a encher-se do vazio da noite. Aquele é o meu quarto, é o onde deito a minha cabeça, onde estou exposta nos mapas que colei na parede ou no poster do Jim Morrison que me lembra sempre que a Musica está lá para mim.

Sou eu que habito aquele quarto, da melhor forma que sei. Mesmo quando não estou, aquele quarto é melhor espelho de mim.

Agora que também eu vou partir de Lisboa para o Mundo, também a minha sombra já por ali paira em algumas noites, vai juntar-se às outras e fabricar mais um pouco daquele fato que o quarto veste. Como se fosse um Arlequim formado de retalhados que nós vamos deixando.

Agora que também eu vou partir de Lisboa para o Mundo deixo aquelas sombras e com isso torno-me numa delas. Preparo-me para morrer, para me tornar no próximo sonho da próxima pessoa que vai dormir na minha casa e vai tentar imaginar como eu era. E assim, morrendo de mansinho, vou nascer noutro sítio, noutra casa com outras sombras.

Estou viva enquanto estiver em casa, e a minha casa é onde eu estou. E estou sempre de passagem, como as melhores casas.

No comments:

Popular Posts