Translate

Wednesday, April 28, 2010

O pior inimigo é o desconhecido

Foram noites deslocadas e aguerridas com vontade de pegar na espingarda e saltar da janela de farripas. A humidade era uma consciência pegajosa que me sujava a pele.
Tantas vezes acordei na selva, numa cabana folhada de ideias abstractas. O medo impelia-me os músculos e sentia a saliva quente da minha própria urgência, mastigada entre as fervuras das insónias.
Porque vivia mais na selva do que em mim. E eu sempre fui essa máquina de matar desafios, esse assassino estrangulador da legítima defesa. E vivia para sair daquela cabana, com as mãos coladas à espingarda que mataria todas as onças, estrategicamente colocadas entre as farripas da minha janela e o mundo.
Mas às vezes quando os meus olhos molhados sucumbiam à luz violeta e ao zumbido das moscas podres, eu acordava num pesadelo diferente.
E a janela e o mundo estavam à distância de um palmo, que comodamente instalados não se mexiam em relação um ao outro. E onde a luxúria era a humidade da selva, a minha espingarda colada aos dedos era um ornamento difícil de explicar.
E eu tornava-me no ridículo caçador de olhos atados, que disparava no ar contra as onças de fumo.
Até que ocasionalmente, percebia a permanência da espingarda. E com um único tiro silenciava todas as onças.

No comments:

Popular Posts