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Sunday, May 16, 2010

Palavras certas

 “Prefiro a morte”, disse ela.
Oh, ela estava sempre a dizer esse tipo de coisas. Essas e outras, todas misturadas eram difíceis de entender.
Sempre tive vontade de lhe dizer que a morte era uma coisa séria. Que ela devia pensar bem na morte. Tal como pensava na vida.

Mas ela não pensava em nada. As palavras fugiam-lhe da boca, como eu sempre fugira de qualquer responsabilidade.

Outras vezes ela chorava. E eu, tal como um boneco demasiado desajeitado, entupia o ar com o meu silêncio.

Mas naquele sítio escuro ao pé do rio, eu pensava na morte. Como sempre, os pensamentos esquivos do meu último momento angustiavam-me as mãos retorcidas. Cada golfada de ar a saber á ultima, sem ser a última.
Esse gosto de sangue ressequido nos lábios e uma vontade de vodka: acabar com esta consciência e perpetuá-la indefinidamente.

E porque é que eu nunca sabia dizer as palavras certas?
A morte. Ninguém prefere a morte.

Ontem encontrei-te por acaso. Ias na rua certa para me encontrares e sabes que não acredito em coincidências. Agarraste essa minha fragilidade e levaste-a para a cama num abraço de prazer demorado.
Só acordei de madrugada, na tua cama fria, e entre um beijo demasiado molhado encontrei as palavras certas para a tua presença dentro de mim naquela noite.

E senti-me a pessoa errada.

Ela sempre dizia que eu sou uma pessoa permanentemente insatisfeita.

1 comment:

WinGs said...

Nao deixa de ser um pouco fácil gostarmos de alguem com quem nao concordamos. Porque é facil apontar onde está mal, é facil nao perder o proprio referencial.

E é facil viver nesse impasse, essa metáfora de despedida. Porque é impossivel viver eternamente com alguem que nunca diz as palavras certas.

Depois, de uma maneira ou de outra, encontra-se sempre a pessoa que faz a coisa certa. E soa tao errado, passaste anos a ouvir as palavras erradas. Afinal, perdeste-te um pouco.

Afinal, perdemo-nos sempre. Afinal somos sempre insatisfeitos. É dificil conviver com alguem que sabe exactamente quem somos, o que queremos. De dentro para fora.

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