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Friday, May 14, 2010

Perfeição

Tu sempre foste o melhor.
A tua força calcária atravessava os tempos, como se vivesse permanentemente em ti uma guerra ganha.
Sempre afogaste os medos como gatos recém-nascidos indesejáveis.
E ao som da morte, tu limitavas-te a baixar o volume; sempre controlaste a realidade.
E ganhavas em perfeição a todos, porque te ultrapassavas em corridas sucessivas. Deixavas cascas de ti mesmo para trás todos os dias.
Naquela noite, decidiste tocar perfeitamente para a assistência que te idolatrava. E como sempre, a perfeição estava ali ao teu alcance, como uma maçã numa árvore demasiado baixa.
Nunca soubeste o que correu mal nessa noite. Ainda hoje não sabes: a árvore continua do mesmo tamanho, tal como os teus nervos queimados. A perfeição continua tão fácil hoje como naquela noite. Ainda não sabes onde erraste, porque nunca chegaste a errar.

Mas eu vi. Eu vi-te ser perfeito. E vi-o enganar-se nas primeiras notas. Vi o desespero humano na figura física que transpirava das mãos; o amor que trouxera para o palco traíra-o. Ao contrário de ti, ele não era perfeito e errou irreversivelmente em notas que se perderam na música transfigurando-a, enquanto a assistência segurava uníssona a respiração dele que podia quebrar-se a qualquer momento.
O que foi perfeito, foi a força dele. O mesmo amor que o traíra, salvou-o e ele deu essas notas por perdidas. Mas só essas. Depois esqueceu-se de quem era e chorou a sua imperfeição em palco.
A assistência aplaudiu de pé, como nunca te aplaudiu a ti e, agora tu sabes, nunca te vai aplaudir.
Porque a verdadeira perfeição só emerge depois da falha.
E tu não sabes falhar. Por isso nunca serás perfeito.


Para todos os músicos que têm a pretensão da perfeição.

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