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Sunday, February 01, 2009

A história da cinderela alternativa - parte I

Este blog fez anos dia 29 de Janeiro. Para comemorar esta data, decidi publicar aqui o último conto que escrevi, que é por isso o mais actual. De forma a ficar legível, será posto por partes.
Era uma vez uma rapariga jovem. O seu nome era Cinderela. Tinha uma vida muito ocupada, trabalhava o dia todo, desde a manhã mais sombria, quando nevoeiro cobria a cidade, até à noite que sugava as estrelas num remoinho de escuridão.
A rapariga vivia numa casa com mais duas outras raparigas. A sua mãe há muito que morrera e o seu pai viúvo ficara no campo, numa vivenda abandonada aos corvos.
Para partilhar a casa, a rapariga trabalhava num escritório onde usava um fato muito elegante e uns sapatos de salto alto. Todos os dias, a Cinderela levantava-se cedo, corria para o duche quente e em seguida vestia a sua camisa, o seu casaco de bom corte, os collants sedosos e calçava os magníficos sapatos que as duas raparigas lhe tinham oferecido nos seus anos. “Fora uma prenda” – dissera Anastácia, “ para o teu trabalho”. Na verdade, tanto Anastácia como Brisela troçavam da forma como Cinderela parecia desajeitada no seu fato executivo. Cinderela estava habituada, mas ás vezes aborrecia-se e tinha vontade de fugir, deixar tudo aquilo. E olhava para o seu fato todas as manhã e tinha ainda mais vergonha dele. E tinha mais tristeza.
Por isso, ás vezes ia ouvir música. Ficava a ouvir os solos de guitarra do cimo do telhado estreito. Ou deixava que a bateria soasse mais alto que a sua melancolia. Sonhava com dia em que a música não fosse um sonho. Mas era, e as outras chamavam-na para fazer o jantar, por a casa em ordem. Chamavam-na para os jantares combinados. E mais uma vez os sapatos saíam do armário. E Cinderela era uma marioneta. E no jantar falavam de coisas sábias e fúteis. E de sapatos e de vestidos. E de uma beleza que não lhe era acessível.
Ás vezes Cinderela olhava em volta e via outras raparigas da sua idade. Vestiam jeans rasgados, all star. Botas pretas. E falavam em concertos. Em música.
Pensara tantas vezes em fugir dali. Ah, como ela dava tudo para não ver mais Brisela e Anastácia. Vê-las sorrir porque ela não tinha batom, ou porque o seu pijama era uma t-shirt negra.
Mas a Cinderela precisava de uma casa. E para isso precisava de trabalhar. Por isso chegava a casa, fugia para o telhado. E no dia seguinte, começava tudo da mesma forma.

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