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Tuesday, May 12, 2009

Reflexões

A história do Patinho Feio sempre despertou em mim uma interessante reflexão sobre a beleza.
Tendo a condenar à partida a pura avaliação na beleza física que tantos seres humanos fazem uns dos outros. Essa rejeição vem-me dos tempos da escola onde vi tantos patinhos feios (eu era um deles certamente) serem afastados do lago comum, por não serem cisnes.
Mas sendo a beleza tão subjectiva, porque é que é tão social?
A beleza é subjectiva. E é mutável, como a História. No entanto mantém um padrão constante durante épocas distintas. O que se condena é a fuga a esse padrão. A existência de um icon que é diferente do resto. Se no lago nadassem mais patos feios, eles provavelmente achar-se-iam todos lindos. Ou por um motivo instintivo de selecção natural, sentir-se-iam atraídos pelo único cisne, sendo aí a diferença irremediavelmente irresistível.
A condenação por nós humanos, das pessoas feias (como se fosse uma doença contagiosa) é um sinónimo de futilidade, sempre achei. Quanto mais complexo e profundo é o ser humano mais detalhes e deliberações, consegue fazer acerca de outro ser humano. E consegue, à luz de instintos psicológicos entender a personalidade do “outro” e ter opinião para gostar dela ou não.
E aí existe outro tipo de beleza. A da personalidade.
Dizia Oscar Wilde “Só as pessoas fúteis não julgam pela aparência”.
Porque para os fúteis não existe aparência. A aparência é a pessoa.
Quem ultrapassa essa camada superficial de percepção sensorial, está apto a julgar pelas aparências. Ou não.
Quem ultrapassa essa camada superficial tem um mundo de complexidades tão apaixonantes como perigosas. E aí podemos julgar a pessoa do lado pela sua inteligência, pela sua simpatia ou pela forma como deixa a porta aberta.
E quanto mais fundo formos descendo nesta análise (e mais alta se torna a nossa consciência) de possibilidades e reentrâncias do ser humano, mais nos vamos guiando e julgando por características aparentemente desconexas.
Daí que apenas dois tipos de pessoas possam experienciar o amor à primeira vista: as fúteis (ou superficiais), que vêem num momento a beleza física que as atrai; e as mais profundas que vêem nesse físico o resultado palpável duma avaliação psicológica relâmpago da personalidade e consciência que presenciam. E no limite, as características físicas poderão mesmo ser um factor decisivo para a pessoa profunda. Uma rápida análise social determina as características potenciais de uma pessoa alta ou magra, loirou ou morena, face ao enquadramento onde se insere.
Ambos os sentimentos de amor são contudo baseados em beleza. E repare-se, ambos são baseados em beleza física. No primeiro caso ela não é fruto de nenhuma ilusão de óptica. No segundo é.
Mas a verdade é que todas as pessoas procuram a beleza, quer sejam ou não fúteis. Seja ou não uma ilusão de óptica. Quer a beleza seja beleza ou seja inteligência ou simpatia.
E isso acontece porque gostamos de nós. E queremos sentir-nos bem. Queremos ter vantagens. E assim, gostamos da pessoa inteligente, que sabe resolver a situação. Ou da simpática porque nos ouve. Ou da que deixa a porta aberta, porque será uma pessoa que nos dê liberdade.
E somos tão fúteis quanto os fúteis. Gostamos tão condicionalmente quantos eles. Apenas temos consciência e orientamos a escolha segundo um referencial diferente.
Porque estamos de uma forma geral, sempre condicionados. O nosso amor é condicionado. Aquilo que somos e damos. E esperamos. Está mutuamente condicionado. Àquilo que recebemos.
Será que um dia será possível amar sem condição? Sem ter vantagens, físicas ou psicológicas? Sem ter partilha. Sem ter razão. (O amor que existe tem sempre uma razão, ainda que se julgue que não).
Seremos um dia integralmente capazes de amar realmente uma pessoa feia?

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